sexta-feira, 8 de julho de 2011

Corações Perdidos





“Corações Perdidos” – “Welcome to the Rileys”, Reino Unido / Estados Unidos, 2010

Direção : Jake Scott





A imagem de um carro em chamas nos pega de surpresa. No silêncio, ouve-se o crepitar do fogo. Acidente? Morte?

Mas não há tempo para nos fixarmos nessa perplexidade porque um rosto na penumbra captura nossa atenção.

Acende um cigarro.

Compreendemos que ele é Doug Riley (James Gandolfini) e está jogando pôquer com amigos.

Que ele é tristonho e bonachão, é fácil de ver. Que é terno e carente, também.

A simpática e apagada garçonete negra de meia-idade, do restaurante onde sempre joga com os amigos, é sua amante.

Os vemos na cama, calmos, sem clima de arrebatamento, conversando. Ele a convida para ir com ele a uma convenção em New Orleans:

“- Mas nem mala eu tenho...” diz ela.

“- Eu compro pra você. Pense nisso”, responde ele.

“- Vou pensar. Mas agora é tarde. Volte para a sua casa.”

Ele vai e quando o carro entra na garagem, vemos uma tabuleta que diz: ”Welcome to the Rileys”. É o titulo original do filme. Sóbrio e bem mais expressivo sobre o contraste de emoções que vamos sentir durante o filme do que a tradução infeliz, “Corações Perdidos”, que remete a um folhetim barato.

A casa de subúrbio, espaçosa e fria, esconde um segredo que a nova cabelereira, que vem pentear a dona da casa a domicílio, descobre sem querer, abrindo a porta errada: um quarto de menina.

“- Quantos anos tem sua filha?”

E é assim que somos apresentados a Lois Riley (Melissa Leo), mulher de Doug Riley, que jamais sai de casa. Ali não há calor nem acolhimento. Daí a ironia do titulo original do filme.

O luto pela filha de 16 anos (e aí nos lembramos com horror do carro em chamas), aprisiona a mãe em sua casa-tumba.

Paralisada, ela vive trancada, condenada à morte em vida por culpas abissais.

Sabemos como o luto é uma etapa difícil na vida de qualquer mãe. Já escrevi sobre isso quando comentei os filmes “Ricky” (2009) de François Ozon e “Reencontrando a Felicidade” (2010) de John Cameron Mitchell com Nicole Kidman.

A mãe enlutada visita regiões infernais em busca do porque dessa perda irreparável. Contra a natureza, já que os mais velhos deveriam morrer primeiro em nossas mentes racionais, quando acontece, fere profundamente.

Lois Riley lembra a personagem de Nicole Kidman, porque ela também foge de tudo e todos. Defende-se da dor, fazendo de sua casa um refúgio seguro. Mas a morte ronda.

Por isso entendemos Doug e seu jeito desanimado. Ele também sofre com a perda da filha e com a reação desesperada da mulher mas não desistiu de viver.

E quando a garçonete morre de um enfarte súbito, Doug vai descobrir algo no cemitério que o libertará.

Vai visitar o túmulo da filha e fica horrorizado com o que vê. No túmulo dos Riley, seu nome e o de sua mulher já estão gravados, com as respectivas datas de nascimento, esperando só as da morte para dar boas-vindas a todos eles. Um macabro “Bem-vindos aos Riley”, como diz o titulo original do filme.

“- A lápide que você comprou para nós é espantosa! Nós estamos vivos. Não precisamos de túmulos! Eu estou vivo. Não acredito que você fez isso, Lois...” diz ele, perturbado, à mulher.

Nessa noite, ao invés de fumar na garagem, ele solta o pranto sufocado e soluça livremente.

E é aí que entra Allison (Kristen Stewart), garota de 16 anos, “pole dancer”, que se prostitui em um bar decadente de New Orleans. Exatamente o lugar por onde perambula um triste Doug, saído da convenção.

O encontro entre eles vai mudar a vida dos Riley.

“Corações Perdidos”é um filme feito com ternura. É o segundo longa de Jake Scott, filho do diretor inglês Ridley Scott que é responsável por dois filmes “cult”do cinema do século XX : “Blade Runner”(1982) e “Thema e Louise” ( 1991).

Aqui ele é o produtor do filme do filho.

O elenco, escolhido com apuro, dá um show.

Melissa Leo, que depois desse filme ganhou o Oscar de atriz coadjuvante por “O Vencedor” em 2010, faz uma Lois de carne e sangue. James Gandolfini, famoso pela série “Familia Soprano”, emociona e convence como o doce Doug.

E Kristen Stewart, a Bella de “Crepúsculo”, enfrenta um papel muito diferente com um talento que promete.

Filmado durante o outono de 2008 em New Orleans, que havia sido duramente castigada pelo furacão Katrina, “Corações Perdidos” traz à tela uma boa história sobre a possibilidade de reconstrução da vida depois de uma tragédia.

Bela metáfora.

3 comentários:

  1. Olá, Eleonora
    "Corações Perdidos", filme passado no sul dos Estados Unidos, na Louisiana, contém um tema de abrangência universal: um casal em descompasso pela perda de uma filha adolescente e a projeção desse luto numa jovem prostituta.
    Melissa Leo, atriz ganhadora do Oscar pelo seu magnífico trabalho como a matriarca em o "Vencedor" nos mostra nesse filme sua imensa sensibilidade de atriz presenteando a sua sofrida personagem "Lois", uma mulher encarcerada nesse luto por dez anos.
    James Gandolfini notável com a sua monumental presença cinematográfica toma conta da tela e do personagem Doug Riley com total generosidade e compreensão daquilo que faz. Talento lhe sobra, experiencia sobrando tambem. Fico imaginando, até porque os registros me parecem os mesmos, Gandolfini e Depardieu juntos, já imaginou?!
    Melissa Leo tem tb um registro de atriz parecido com a da atriz inglesa pouco conhecida do público, Brenda Blethyn, que fez um importante trabalho no filme "London River".
    A jovem atriz Kristen Stewart respeita e enfrenta James Gandolfini com total despojamento e a sua personagem termina esse consistente filme colocando aquele casal em terra firme.
    O diretor Jake Scott segue os passos de seu talentoso pai, Ridley Scott.
    A luz do filme é noturna como são noturnas e sombrias as almas desses três personagens, cada um deles com estrutura dramática bem construída.
    Gostei.
    Bjos,
    Sonia Clara

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  2. Sylvia Manzano disse:
    Gosto mto de observar estilos, e o seu, Eleonora, se aprimora cd dia mais.
    Embora fale em primeira pessoa, permanece completamente na sombra e ilumina o texto, o filme.
    O texto fica sem dono e parece que caiu do céu.
    Vem caindo feito uma cascata entre pedras e montanha e finalmente chega ao seu término, deixando o leitor/a completamente saciado, lambendo os beiços.
    Sylvia

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  3. Sylvia querida,

    Adorei ser cascata e rolar através de pedregulhos lindos como esse seu comentário precioso!
    Bjs

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