sexta-feira, 1 de maio de 2020

O Poço



“O Poço”- “The Plataform”, Espanha, 2020
Direção: Galder Gaztelu-Urrutia

É preciso gostar de filmes de terror para poder ver “O Poço”. Não é meu gênero favorito mas de raro em raro consigo ver um bom. Mas esse de que falo aqui é um filme que não pode ser rigorosamente tachado como  um filme de terror.
Horror tem de sobra, mas usado como metáfora para ilustrar aquele lado sombrio que nos habita e do qual a maior parte do tempo não temos notícia.
Esclarecido esse ponto, acrescento que pessoas sensíveis devem se abster.
“O Poço” é uma prisão com níveis um abaixo dos outros. O quanto é fundo só no fim iremos saber.
Cada andar tem duas camas monásticas, duas pessoas, uma pia simplória e um buraco retangular no meio do chão da cela que corresponde a um buraco igual no teto, que perpassa todos os níveis, uma vez por dia, ficando ali por pouco tempo. Através desse lugar vazado desce uma mesa coberta de iguarias, preparadas com esmero por cozinheiros competentes. Há ali comida para alimentar todos os que estão presos.
Mas, se o pessoal dos primeiros níveis tem à sua disposição fartura para se saciar à vontade, um único senão parece reger a pressa, a avidez e a maneira como abocanham nacos de qualquer prato sem nem prestar atenção ao gosto do que estão comendo.
Ali ninguém trata a comida servida em cristais e prataria como se fossem pessoas educadas num restaurante.
Como não sabem para onde vão no próximo mês, acumulam calorias. Sim, pois nos níveis mais baixos são obrigados a conviver com restos nojentos dos níveis de cima. Ou até mesmo mesas vazias de qualquer indício de comida, com cristais quebrados e dejetos humanos. E ninguém sabe para onde vai no próximo mês. Parece ser uma escolha aleatória.
Aqueles prisioneiros atacam a comida com as duas mãos e a boca cheia, olhando feio para o companheiro de cela. Há ódio de sobra no Poço.
Claro que todo esse quadro de horrores quer ser uma crítica aos nossos tempos de avidez pelo dinheiro e pelas coisas, num consumismo perverso que aliena a maior parte da população mundial desse festim.
Fica muito evidente a ideia de que, se as pessoas se limitassem a consumir o que precisam, teria para todos.
Mas não. O egoísmo impera. E a lei do mais forte é soberana. Se houvesse solidariedade, como é proposto no filme por uma das prisioneiras, todos sobreviveriam sem ter que apelar para o crime, que é a saída da fome. E um tabu é desrespeitado com crueldade em nome da sobrevivência.
O lobo é o lobo do homem? O inferno são os outros? Hobbes e Sartre já o disseram nos séculos XVII e XX, entre outros. E Freud falou em Thanatos, o instinto de morte que vai ganhar da vida no fim.
Os assuntos dos quais trata o filme através da metáfora dessa horrenda prisão que é o Poço, devem ser pensados, principalmente nos tempos difíceis que atravessamos no mundo todo.
Mas o filme exagera no visual de horrores, quando poderia dizer tudo o que disse de uma forma um pouco mais palatável. Porque dessa forma dificulta a identificação com as pessoas. Algumas vão dizer:
“- E daí? ”, acrescentando para si próprios que o filme não tem nada a ver com eles.


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