segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Aqueles que ficaram



“Aqueles que Ficaram”- “Akik maradtak”, Hungria, 2019
Direção: Barnabás Toth

Sabemos do sofrimento nos campos de concentração na Segunda Guerra. O extermínio dos judeus nas câmaras de gás horrorizou o mundo. As fotos das vítimas nas valas comuns, corpos maltratados, expressões vazias, nos enchem de dor.
Mas “Aqueles que Ficaram” conta a história dos que escaparam desse destino. O diretor Barnabás Toth, 42 anos, em seu primeiro filme, quer passar algo que ele não viveu pessoalmente mas encontrou no romance de F. Zsuzsa. Aqueles que ficaram não estavam bem.
A culpa pela sobrevivência é um sentimento estranho e forte que abate quem poderia estar de luto mas aliviado porque foi poupado.
Em 1948, Aldo, médico ginecologista e obstetra (Károly Hajuk), 42 anos, que tinha conseguido sair vivo dos campos onde perdera a mulher e dois filhos, voltara a trabalhar em seu consultório no hospital de Budapeste. Seu semblante liso e calmo não deixa ver seu interior onde ele sufoca uma solidão melancólica.
Klara (Abigél Szoke) era menina ainda aos 16 anos e não menstruava quando foi levada pela tia Olgi (Mari Nagy) para uma consulta com o médico. Reclama que a sobrinha não ia bem na escola, estava sempre de mal humor e revoltada. Negava a morte dos pais escrevendo longas cartas para eles.

“- É a entrada na puberdade. Os hormônios estão provocando tudo isso. Volte daqui a 6 meses. ”
De tranças na primeira consulta, ela agora tem os cabelos soltos, o mesmo rosto de anjo e olhos muito claros, quando volta só ao consultório de Aldo. Desembaraçada e falante, acabam indo juntos para o apartamento dele. No caminho, critica as colegas da escola, muito chatas, a tia que não a entendia e o casaco dele que ela achava horrível. O chá oferecido ele quase recusa mas resolve provar.
“- Você não deveria estar na sua casa? ”
“- Minha tia gostaria que eu nunca mais voltasse...”
Aldo que sabe o que Klara sente mas que não expressa, não se surpreende com o abraço dela na cozinha da casa dele. Não se retrai e fica em silêncio.
Esses dois vão desenvolver um relacionamento que vai uni-los na mesma necessidade de ternura, carência explícita e cuidados mútuos. Quando Klara vem dormir na cama dele, Aldo não faz nenhum gesto para tirar ela dali. Compreende o que é o medo e a solidão que a menina sente.  Ela tem uma enorme necessidade de calor humano e silêncio.
Até a tia vai entender que Klara precisa da companhia de Aldo que ocupa o lugar de um pai provisório.
“- Seu pai também era médico? ”pergunta um dia a ela.
“- Era não. É. Está preso mas vai voltar. ”
Tal era a postura de Klara em perene negação ao acontecido. Foi preciso muita compreensão para que ela pudesse finalmente fazer o luto.
Enquanto durou, a relação paternal amorosa foi salutar e terapêutica para os dois envolvidos.
“Aqueles que Ficaram” é um filme sutil e delicado, mais de sentimentos interpretados em silêncio do que de falas dos protagonistas.
Representante da Hungria para o Oscar de melhor filme internacional, já está na primeira lista dos 10 indicados.


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