sábado, 28 de novembro de 2015

Chico - Artista Brasileiro

“Chico – Artista Brasileiro” – Brasil, 2015
Direção: Miguel Faria Jr

Como se estivéssemos sentados no teatro, vemos as luzes se acendendo aos poucos no palco, os músicos se colocando em seus lugares, as cores se acentuando e Chico, de blazer vermelho, entra. Assobia “Sinhá”, letra dele, música de João Bosco. Um coro de cantores negros acompanha Chico, num fundo amarelo, ensolarado.
E pronto. O coração entra no ritmo desse documentário dirigido com talento por Miguel Faria Jr, que conta Chico pelo próprio Chico.
As montanhas do Rio, vastas na neblina e Chico fala sobre memória e imaginação, de como nos lembramos de coisas que não vimos:
“- Eu vi o Zeppelin, no colo de minha avó, sobrevoando a Baia de Guanabara. Não. Não vi não... Criei essa imagem na minha cabeça. Eu a vi e ficou minha.”
Ele trabalha com essa matéria prima, tanto nas músicas quanto nos textos dos livros.
Entra a voz de Miúcha, irmã mais velha, lendo um trecho do “Irmão Alemão”, último livro de Chico, (“...para mim as paredes eram feitas de livros...”), que serve como introdução para ele falar do pai, o historiador Sergio Buarque de Holanda de “Raízes do Brasil”. Um pai atarefado com seus escritos, que não tinha uma boa relação com o filho, que é criada através dos livros:
“- Peguei mania de ler em francês por causa do meu pai.”
Vemos fotos de infância, ele e os irmãos, a temporada na Itália com a família, onde Chico estudou num colégio americano, um retrato dele com um bilhete para a avó, a vinda da família para São Paulo na casa da Rua Buri.
E o Festival da Record em 1966 com “A Banda”. Sucesso. O público aplaudindo e cantando junto com Chico e o MPB4. A mãe dele, dona Maria Amélia, sobe ao palco trazida pelo filho de 22 anos:
“- Minha mãe tinha um pouquinho de vergonha de ter filho no “show business”...”
E foram até agora 500 músicas e a consagração que sabemos. Durante o documentário vamos ouvir Chico cantando e algumas músicas sendo interpretadas por cantores escolhidos a dedo.
Carminho canta “Sabiá” com intensidade, como se fosse um fado e a gente escuta as vaias, porque o público do festival no Maracanã queria música engajada. Estávamos em plena ditadura e dói o coração ver o rosto magoado de Chico, ao lado de Tom, autor da música, escutando os gritos de revolta pelo primeiro lugar deles.
Depois, Tom falando de Chico com carinho e admiração. A tragédia da censura e “Roda Viva”.
E, de repente, surge o irmão alemão, mencionado por Manoel Bandeira em 1967, na cobertura de Rubem Braga:
“- Você não sabia? Seu pai teve aquele filho...”
Chico levou a pergunta para casa mas nada foi esclarecido. O documentário vai se encarregar de mostrar algo surpreendente.
É precioso o depoimento de Chico sobre a ex-mulher Marieta, os anos de auto-exílio na Itália, a chegada da primeira filha, a falta de dinheiro.
Chico conta as histórias com humor, ri muito também, mas sabe ser sério e reflexivo quando o momento exige. E é muito doce com os netos.
E desfilam, frente aos nossos olhos, Maria Bethânia jovem cantando “Olhos nos Olhos”, Monica Salmaso “Mar e Lua”, Laila Garin com “Uma Canção Desnaturada” de dar nó na garganta, volta Carminho com Milton Nascimento e “Sobre Todas as Coisas”, Adriana Calcanhoto e Mart’nália, brejeiras, num dueto em “Biscate” e Caetano e Chico no violão, cantando juntos.
Tudo delicioso. Uma ilha de beleza e inteligência nesse mundo atrapalhado de hoje em dia.
Assistir “Chico – Artista Brasileiro” é um privilégio. Não percam.

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