quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O Concerto



O Concerto – “Le Concert” França/ Romênia/ Rússia/ Bélgica/ Itália, 2009

Direção: Radu Mihaileanu





Um certo tipo de música tem o poder de criar uma atmosfera que nos arrebata e pode nos emocionar até às lágrimas. São momenos sublimes em que os músicos e a platéia entram em um tal estado de comunhão, que a harmonia é perfeita.

O novo filme do diretor judeu romeno Radu Mihaileanu, “O Concerto”, conta a história de um maestro que buscava essa perfeição e tem uma cena final mágica em que isso acontece. Somos tomados por uma forte emoção e as pessoas no cinema enxugam as lágrimas.

E tudo começa de uma maneira insólita. Enquanto passam os créditos iniciais do filme, escutamos uma peça de Mozart e a câmera foca o rosto de um maestro de olhos fechados, que rege embevecido, como que transportado para um outro mundo. Os instrumentos, piano, violino, fagotes são mostrados em primeiro plano. O clima é inefável.

Mas um telefone celular toca.

E rompe-se a magia. Percebemos que aquele que parecia ser o maestro que regia a orquestra com tanta suavidade e presença é, na verdade, o faxineiro do Bolshoi, que está escondido no balcão superior do teatro.

Um diretor furioso entra e o enxota dali:

“- Você está proibido de assistir aos ensaios da orquestra! Volte imediatamente para o seu trabalho.”

E é o que faz um humilhado Andrei Filipov (Aleksei Guskov).

Ele fora o maestro do Bolshoi há 30 anos atrás. Tocava com sua orquestra, quando fora brutalmente interrompido. Sua batuta é quebrada e ele ouve a acusação:

“- Inimigo do povo!”

O maestro ousara desafiar as ordens do supremo mandatário, Leonid Brejnev, que proibira a presença de judeus nas orquestras russas.

Mas o ex-maestro vai ter a sua vingança. Intercepta por acaso um fax dirigido ao diretor do Bolshoi, convidando a orquestra para apresentar-se no prestigioso Châtelet de Paris. E trama um plano: vai reconstituir sua antiga orquestra, da melhor maneira possível, já que muitos músicos morreram e outros não estão mais no país e serão eles que vão tocar em Paris.

Como solista para o Concerto para Violino e Orquestra em Ré Maior de Tchaikovsky, o maestro quer a violinista Anne-Marie Jacquet de 29 anos. A bela Mélanie Laurent interpreta a violinista que vai ser a peça-chave de um drama de injustiça e perseguição. Faz também a outra violinista que aparece em cenas em preto e branco. O passado esconde um segredo que será revelado no final.

Coincidências. Mélanie Laurent interpretou a judia Shoshana em “Bastardos Inglórios” de Tarantino e aqui também é uma judia. Em uma entrevista em Cannes, onde o filme foi apresentado, Mélanie Laurent contou que, também ela, soube de sua ascendência judia tardiamente, como a personagem da violinista que interpreta em “O Concerto”.

Conta também que dublou a violinista francesa de origem rumena, Sarah Nemtanu, que nasceu em 1981 e que é a solista da Orquestra Nacional da França.

Para que ela pudesse fazer o papel, Nemtanu ensinou Laurent principalmente a usar o arco com a mão direita. Ensaiaram por seis meses, duas ou três vezes por semana, por duas horas. Mas na cena final a mão esquerda é de outra violinista, da mesma orquestra porque, conta Sarah Nemtanu em entrevista ao jornal francês “Le Figaro”, suas mãos eram maiores que as da atriz e seus cabelos tinham cor diferente.

O filme trouxe visibilidade para Sarah Nemtanu, que lança seu primeiro CD com músicas para violino com nuances ciganas e chama-se “Gipsic”.

Radu Mihaileanu, diretor de sucessos como “O Trem da Vida” (1998), no qual judeus de uma aldeia vestem-se de soldados nazistas para conduzir os outros a trens que os levarão à Palestina e não a campos de concentração, tem o dom de contar histórias em tom de farsa com aquele humor judáico tão famoso.

Em ritmo de teatro burlesco, o diretor encaminha a sua história com graça e tiradas hilárias, com excelentes atores. É uma comédia que também comove.

O ano termina assim com um presente para quem gosta de bom cinema. Vá assistir e emocionar-se com “O Concerto”.

Comece o ano com o pé direito.

Um comentário:

  1. O CONCERTO funciona como sátira às antigas e ainda renitentes verdades russas que se pulverizaram pós queda do comunismo, tornando-se uma grande piada, quando não, uma desgraça. Sabe daquela, se não fosse trágico?!...”.
    E o diretor Radu Mihaileanu, como bom Romeno, fez sua desforra dos Russos, mostrando como um grande talento é simplesmente expurgado p/ o estágio de faxina, pelo fato de “não tocar a sinfonia exigida” pelos mandatários, que se diziam defensores do povo oprimido. Ou seja, reger a orquestra s/ músicos judeus.
    Mas o filme tem mais. E o diretor Radu mostra sua sensibilidade na estória que busca congregar os espíritos humanos numa empreitada musical, num movimento coletivo de comunismo refinado. Passando pelo suspense dos encontros humanos rompidos por uns, no passado e agora agregados por outros, no presente. Até a apoteose em busca da perfeição, que mesmo sendo mágica, nos une pela comoção, emoção e por que, não, pelas lágrimas. Merece destaque esse filme, porque tem ousadia, felizmente, de inventar o inimaginável, p/ nos “arrebatar”, c/ auxílio da música também, como está aqui no seu texto, Eleonora. Assim como, por sua sugestão, em vez do branco nas roupas e flores pra Iemanjá, comecei c/ "esse pé direito", torcendo p/ que as BUSCAS, se não atingirem a perfeição,como fez o Maestro Filipov, pelo menos nos gratifiquem c/ a realização de tê-las empreendido.
    Mélanie Laurent, também nos extasia como a Concertista que busca reconhecer suas origens e tem o apoio do Maestro e do Amigo dele, que embora frágil e perdedor, faz uma presença forte, solidária e agregadora.
    O CONCERTO, é divertido, “muito-uótimo”, emocionante e arrebatador.
    (se ainda não assistiu, verifique antes de ir, se não esqueceu o lenço em casa!).

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