terça-feira, 16 de novembro de 2010

Minhas Mães e Meu Pai



“Minhas Mães e Meu Pai” – “The Kids Are All Right”, EUA, 2010

Direção: Lisa Cholodenko



Leon Tolstoi, escritor russo do século XIX, começa assim o seu conhecido romance, “Anna Karenina”: Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes é que são diferentes. Cada uma infeliz à sua maneira.

Pensei nisso enquanto saia do cinema depois de assistir ao novo filme de Lisa Cholodenko, “The Kids Are All Right”, ou seja, “As Crianças Estão Bem”.

O tradutor brasileiro, com a evidente intenção de vender o filme, tratou de batizá-lo com um título que cairia bem em uma daquelas velhas chanchadas da saudosa Atlântica: “Minhas Mães e Meu Pai”.

Ora, a pergunta então é: este é um filme “gay”?

E a resposta é sim, se pensarmos no casamento de 20 anos que une harmoniosamente a durona ginecologista Nic e a frágil paisagista Jules. As duas formam um casal que se dá bem na cama e lê-se afeto em suas presenças mútuas.

E a resposta é não, se, prestando atenção nos filhos das duas, Joni que vai fazer 18 anos (Mia Wasikowska) e Laser de 15 (Josh Hutcherson), nos envolvermos com as cenas de café da manhã e jantares na cozinha da família e sessões-pipoca no sofá. Não há nada de diferente, nada fora do comum. As mesmas conversas e as mesmas situações que estamos acostumados a ver num cenário convencional.

E tudo continuaria assim, se Laser e Joni não se metessem a procurar o pai biológico deles. Concebidos cada um por uma das mães, as crianças são fruto de inseminação artificial, sempre com o mesmo doador.

E aí começa uma situação que lembra “Teorema”, o filme de 1968 de Pasolini, quando o aparecimento de um intruso abala as estruturas de uma família burguesa.

Claro, o “doador de esperma”, Mark Ruffalo, esplêndido no papel, vai mexer com o equilíbrio conquistado por essa família.

Os filhos, imediatamente se envolvem com esse simpático e irresponsável sedutor que tem um restaurante “cool”, na moda, e que cultiva hortaliças e frutas orgânicas para os pratos de sua cozinha. Com esse pai tudo é uma festa, o que põe as mães sob uma luz menos brilhante.

Ele, por sua vez, está encantado com aqueles filhos que ele nem desconfiava que tinha, prontos, bonitos e sem problemas. O famoso “Édipo”vai comparecer nas vidas deles, fazendo a jovenzinha retraída descobrir a sexualidade e a rebeldia e o garoto, a competição com o pai e o ciúme.

As mães também se envolvem com aquela novidade na vida deles e, cada uma à sua maneira, vai ter que tomar uma atitude.

O filme é cativante. Muito graças à atuação dos cinco atores principais que se colocaram de corpo e alma nos personagens.E também devido ao roteiro muito bem escrito pela própria diretora e Stuart Blumberg.

Lisa Cholodenko vive uma situação parecida com o seu filme na vida real. Ela é casada com a musicista Wendy Melvoin e as duas tem um filho concebido por inseminação artificial.E é claro que se preocupa com isso. Em seu roteiro as mães conseguem educar muito bem os filhos mas existem situações até engraçadas, por exemplo quando Nic e Jules se perguntam se o filho Laser seria "gay".

Talvez seja dessa vez que Annette Benning ganhe o seu Oscar, prometido a ela desde a indicação por “Beleza Americana”(1999) ou Julianne Moore emplaque o seu, depois de quatro vezes preterida na noite da festa do cinema em Hollywood. Ou quem sabe seja possível que as duas sejam indicadas em dupla, como já se viu acontecer no passado, por exemplo, com Geena Davis e Susan Sarandon em “Thelma e Louise”( 1992).

“The Kids Are All Right”causou sensação em todos os festivais de que participou e foi sucesso de bilheteria nos Estados Unidos.Vamos ver como reage o público brasileiro.

Lidar com situações de vida real e preconceitos frente às neo-realidades da família e do casamento é cada vez mais um assunto para todos nós. Há no Brasil pessoas que julgam com muita severidade opções diferentes daquelas escolhidas por seus pares. A esses eu recomendaria vivamente o filme. Pode surpreender e fazer bem a pessoas que nunca se aproximaram do assunto com mais leveza e simpatia.

8 comentários:

  1. Querida Eleonora, aproveitei o final de semana para ir ao cinema.
    1) Fui rever o filme "DOIS IRMÃOS", um "pequeno" grande filme. Òtimo livro, melhor direção, e uma brilhante interpretação de Graciela Borges.
    2) "MINHAS MÃES E MEU PAI", que tradução não!? Não é um filme gay. É um filme com uma temática atual, (Conheço casos semelhantes e diferentes em São Paulo, uma das funções do cinema é essa, mostrar e as vezes tomar parte....Não vou recontar o filme que voce fez tão bem. Eu fiquei preso o tempo todo. Achei a interpretação de Annette Benning, maravilhosa, tomara que ganhe o Oscar.
    A direção esplêndida.
    Ah! na seção das 19h de sabado, não haviam mais qe 70 ou 80 pessoas. Preconceito??
    Abraços
    Gregorio

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  2. Meu querido Gregório.
    Que delícia saber que vc foi conferir os filmes que eu gostei.
    Sabe, por isso que eu disse que era e não era um filme gay...Viu que pingo de gente no cinema? Preconceito sim. Uma lástima...
    Bjs

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  3. Na ficção, duas mulheres lésbicas vivendo as mesmíssimas ansiedades e desencontros que as mães héteros, da vida real, criando seus filhos sem seus maridos.

    Parodiando sua citação de Tolstoi, diria que
    “(todas) as famílias convencionais são iguais,
    as não, é que são diferentes.”!!!

    Desconfio que as autoras Lisa Cholodenko e Stuart Blumberg fazem uma leve crítica ao excesso do “ecologicamente orgânico!”, ao colar uma postura “anti” à tensa médica, Nic.

    O filme é construtivamente engraçado, “cativante” (sic), s/ constrangimentos(!). Um vídeo familiar bem feito, com mãos profissionais e sensíveis.

    p.s. ”a pergunta então é: este é um filme “gay”? Mais do que uma resposta, um dado: sessão das 21:40 de sábado, lotada, embora numa das menores salas de sampa (5 do Unibanco), e representada por um público de todos os generos, graus e cores: casais mais e menos jovens, duplas femininas e masculinas e pessoas avulsas, de todos os sexos.

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  4. Positivo o desequilíbrio que o pai doador (M. Ruffalo) traz à esta “família incomum”.
    Suas posturas pessoais não convencionais, não desvalorizavam, nos outros, as expectativas
    e cobranças sociais do status quo.
    Um pessoa, mais do que de bem c/ a Vida, expressando c/ fluidez, ações e emoções.
    C/ certa leveza, s/ danos maiores, apenas “som e fúria”, (shakespeare) citado pvc.
    (“vc vai conhecer,....woody allen).

    É possível que a ausência de relações afetivas exclusivas ou duradouras dele, expressassem o movimento da busca do “desejo conquistado, e pós, abandonado”.(Também insight seu no filme de W. Allen). No caso de sua paixão por Jules, como relação estável, ele talvez soubesse que ela voltaria p/ a união básica. Que é o que acaba acontecendo.
    Enfim, um happy end apontando, que uma união estável, mesmo anti convencional, é mais forte do que uma transa -(e que transa!)-ocasional. O “alo” de Jules ao “motivo principal” - (filme Minha Vida de Cachorro),- merece o Oscar! (continua)

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  5. “The Kids...” se saem bem no seu ritual de crescimento, “...Are All Right”...”, - porque elas sempre trazem os embates à tona - enqto que os adultos!.... Nem tanto os do Filme,
    que fazem novas passagens, c/ final feliz p/ a dupla, mesmo entrando na estória o doador-Pai. (Bem lembrado, Eleonora, “Teorema”, o filme de 1968 de Pasolini). Mas pra chegar lá, a Dupla passa por tropeços.
    Dá pra ver quanto de estrago faz uma personalidade perfeccionista, controladora, possessiva até, como a de Nic, (Annette Benning). Ela põe a perder a magia que estava se formando nesse novo núcleo familiar não convencional.
    Também o estrago da personalidade com sentimento de culpa e mil ansiedades, como a de Jules, (Julianne Moore). Ela põe a perder um ajudante de jardinagem prestativo, tão eficiente que conseguia dar conta rápido de suas tarefas, (pra atropelo dela!), e que enfrentrava sua limitação alérgica simplesmente porque o prazer, que lhe davam as flores, era maior. (continua)

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  6. me desculpando, Eleonora e seguidoras(es), por ter comentado em 3 tempos e sobretudo por ter saído na sequência errada; coisas "internéticas" que nem sempre seguem o nosso comando. Acho que tanto faz qto tanto fez a sequencia de textos, como vc já expressou, mas foi escrito na ordem inversa, do fim pro começo.
    Espero que tenha valido a intenção. Grato!

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  7. Caro SerAmigo,
    Vc se debruça sb o meu texto e faz associações interessantes. É esse bate-papo que eu gosto.Aliás porque as pessoas ficam inibidas em "pensar alto" para que possamos ouvi-las? O blog é um espaço livre, sem censura, que facilitaria a troca de opiniões...
    Vamos nos livrar da auto-censura e escrever o que a gente pensa? Façam como o Ser Amigo: soltem o verbo!
    Bjs

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  8. Sabe por que, Eleonora?!
    Além de outros muuuuitos motivos, (que o pessoal aí pode nos dizer), é que a imprensa anda divulgando o aparelho que move o cptd através do pensamento!!! (Viram esses dias no Jornal da Globo?). É bom deixar claro, que AINDA não tem perigo dessa maquininha imprimir automaticamente o que passa na nossa cabeça. (AINDA, NÃO!!). Então, qdo chegar ao final do texto da Eleonora, pode “clicar e acessar” o campo “comentário” s/ medo. Não tem perigo dele registrar o que se passa no seu íntimo, nem mesmo ele morde – olhe só que coisa! – e certa/ vc vai ler outras “falas”. Além disso tem oportunidade de dar seus recados, trocar idéias, discordar, vibrar. “Não é só pra coçar que basta começar”; pra escrever aqui suas idéias e comentários tbém; basta COMEÇAR! Ouse fazê-lo. Vai se surpreender,...gostosamente. “Ficar na da gente” é ÓTIMO, portanto fique confortável na sua, mas “às vezes” OUSAR traz NOVOS sabores. Experimenta e verá! Abs e Bjs a tds

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