“O brilho de uma paixão”
Bright Star, Jane Champion, Austrália, Reino Unido, França – 2009
Postado em 9 de julho de 2010, às 8h51
Uma agulha fura um tecido delicado, fazendo com que a linha se componha em pequenos pontos. Com habilidade e delicadeza, uma mulher costura, observada por uma menina que mostra, em seu olhar, reverência pelo ato.
Linha e agulha, destreza e paciência, capricho e imaginação. Um fazer estético e prático. Feminino.
Essa cena em “close” na agulha vai se ampliando para mostrar a que costura e a que aprende e abre o novo filme de Jane Champion.
Aliás, o feminino é sempre o centro dos filmes dessa diretora neozelandesa que foi a única mulher premiada com a Palma de Ouro em Cannes, até o momento, por “O piano” de 1993.
Aqui também uma mulher é o centro de tudo. O que vemos e sentimos é através dos olhos e do coração dela.
“O brilho de uma paixão”, título rocambolesco para “Bright Star” (estrela brilhante), conta a história de amor de John Keats (Ben Winshaw) e Fanny Brawne (Abbie Cornish), acontecida no início do século XIX na Inglaterra vitoriana.
Ele, um dos maiores poetas românticos britânicos, ela, uma garota burguesa que se interessava por moda e que, com talento, costurava sua própria roupa.
Aos poucos acontece a aproximação entre esses dois seres tão diferentes e que juntos vão tecer um destino em comum.
A ponte inicial é a proximidade: são vizinhos. John Keats e seu amigo Brown (um ator apaixonante) moram em uma parte alugada da casa da mãe de Fanny. Dois poetas, cultivam a palavra e a amizade baseada em afinidades. Mas Brown não esconde o desdém (sinônimo de interesse que se quer ignorar) por Fanny, enquanto que ela responde a ele na mesma moeda. Inimigos.
Já por Keats, Fanny sente uma curiosidade que vai se transformando em admiração por sua poesia e consequente enriquecimento no seu modo de ver o mundo. A princípio quer cuidar dele, vesti-lo com roupas mais elegantes, depois quer aprender poesia com ele e finalmente, desabrocha como mulher através do amor que sente pelo homem.
A câmara de Jane Champion mostra visualmente o desenrolar desse romance intenso e platônico, ora em “closes” sugestivos, ora em grandes planos do cenário deslumbrante do campo inglês que combina tão bem com esse jovem casal romântico. São jardins naturais pontuados de cores vibrantes na primavera desse amor e paisagens na neblina quando tudo se esfacela e a natureza corta os fios tênues da vida.
Tanto quanto o uso da natureza, é perfeito o trabalho de figurino, executado por Janet Patersson. O chapéu vermelho com plumas amarelas, o vestido império rosa com redingote em “ton-sur-ton” ou ainda o xale de seda azul que Fanny usa são moldura que favorece ainda mais a beleza juvenil da encantadora Abbie Cornish. Ela emana uma sedução que cai bem para o papel de musa de Keats. É a “Bright Star”, estrela brilhante, único amor do poeta que a ela dedicou esse poema.
A música original de Mark Bradshaw é suave e envolvente, com cordas e cantos sem palavras, pontuando a evolução emocional da trama.
O roteiro assinado pela diretora e inspirado na biografia “Keats”, escrita por Andrew Motions, valeu-se também das cartas trocadas pelo casal e que foram conservadas pela irmã de Keats.
O romance foi breve. O poeta era pobre e não podia sustentar uma família. Keats morreu aos 25 anos e só muito depois teve seu talento reconhecido.
Nos países de língua inglesa a história do poeta é conhecida e sua obra reverenciada. O filme fez um enorme sucesso por lá.
Pode ser que, para uma parte da platéia brasileira, o filme se torne aborrecido. Mas quem gosta de poesia e natureza, não precisa nem entender inglês. Assista “O brilho de uma paixão”. Maravilhe seus olhos e escute a música das palavras.
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