sábado, 27 de fevereiro de 2016

O Abraço da Serpente


“O Abraço da Serpente”- “El Abrazo de la Serpiente” Colombia, 2015
Direção: Ciro Guerra

Em 1909, o alemão Theodor Koch-Grunberg, etnólogo, escreve em seu diário:
“É impossível descrever em palavras a beleza e o esplendor que eu vi...Voltei de lá transformado...”
A Amazônia, sua floresta, rios, árvores, plantas, flores, animais e índios eram o centro de interesse desse homem, cujos diários inspiram o roteiro do filme do colombiano Ciro Guerra, assim como os escritos, 40 anos depois, pelo botânico americano Richard Evans Schultes. Dois homens diferentes.
Num surpreendente preto e branco, a floresta verde se reflete no espelho do rio, numa terra onde o homem branco é o estrangeiro inimigo. Um mistério envolve tudo como uma neblina.
Um índio de corpo atlético, penas nos braços fortes e colar no pescoço altaneiro, observa as araras que passam gritando, quando chega uma canoa com um índio vestido com roupas e um homem branco que parece doente. Pedem ajuda.
“- Não sou como vocês”, responde o índio. “Não ajudo homem branco.”
Mas o branco (Jan Bijvoet, ator belga) convence o índio (Nilbio Torres) que foi amigo de um xamã remanescente de sua tribo. E mostra um colar.
“- Posso levá-lo até ele. Acha que “ayakruna” pode me salvar?”
Karamakate vive sozinho em sua oca desde que sua tribo foi dizimada pelos brancos. É a primeira vez que houve falar que há sobreviventes. E por isso vai ajudar o estrangeiro. À noite, sopra um pó no nariz do alemão e diz que isso é apenas para distrair a doença. E pergunta se ele está disposto a seguir as leis da selva, durante a viagem que farão juntos.
Um salto no tempo e vemos o mesmo índio, bem mais velho (Antonio Bolivar), desenhando numa pedra. Chega uma canoa com um homem branco (Brionne Davis interpreta o botânico americano Richard Evans Schultes).
“- Pode me ver?” pergunta o índio.
“- Há 40 anos este homem esteve aqui e escreveu sobre uma planta que estou procurando” diz, mostrando o retrato do alemão. Ele ignora a pergunta do índio que introduz o mundo imaterial na história e sobre a qual o americano nada sabe.
“- A planta que procuro cresce na seringueira e curou esse europeu,” acrescentando, “eu nunca sonho. Um xamã me disse que você poderia me curar.”
Oferece duas notas de dólar para o índio que ri:
“- Formiga é que gosta de dinheiro. Eu não. Gosto ruim.”
O velho índio, que esqueceu quase tudo da vida dele e por isso crê que é um “chullachaqui”, não mais um homem mas um duplo vazio e por isso pensava que era invisível, segue na canoa com o branco em busca da “ayakruna”. Mas será que é isso mesmo que o americano procura?
Vamos nos perder com eles no rio, ora manso ora bravo, com suas corredeiras e a mata fechada sempre colada às suas margens. Vamos encontrar índios maltratados nas Missões, seringueiros mortos em lutas com os índios, ambos explorados pelos barões da borracha, extraída da seringueira.
Vamos conhecer as cores lisérgicas do “Sonho da Anaconda”, viagem iniciática provocada pela “ayakruna”, planta rara e sagrada, que nasce agora só no alto da “Oficina dos Deuses”, grandes pedras no meio da floresta. Ela inspira sonhos que são o caminho a ser seguido, acreditam os índios.
“O Abraço da Serpente”, dirigido com inspiração por Ciro Guerra, é o representante da Colombia no Oscar 2016. Ganhou o prêmio da Quinzena dos Realizadores no último Festival de Cannes. Revela uma Amazônia que não conhecemos e foi perdida. Uma tragédia para a humanidade.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Oscar 2016


OSCAR 2016

Nesse domingo vai acontecer a grande festa do Oscar.
Desde pequena, é um ritual. Sigo o espetáculo até o fim. Para mim, é uma curtição poder ver meus artistas favoritos em situação de vida real, interpretando a si mesmos.
O tapete vermelho do início mostra não só a moda mas a personalidade das atrizes. Audácias podem ser até elegantes. Depende de quem a veste.
E as jóias, que não são delas, ficam espetaculares nessas vitrines vivas.
Esse ano, como sempre, assisti a todos os filmes indicados nas categorias mais importantes: melhor filme, diretor, ator, atriz e coadjuvantes. Gosto muito também de seguir a melhor produção de arte, melhor figurino e melhor fotografia.
Infelizmente, documentário só vi “Amy”, que é o favorito.
E vou torcer muito para que o Brasil finalmente ganhe um Oscar! Nossa chance é a animação “O Menino e o Mundo” de Alê Abreu. O favorito na categoria, “Divertida Mente”, sinceramente, não me encantou. A animação brasileira é original, poética e vem com uma mensagem forte e sincera sobre as escolhas infelizes que fizemos e que estão destruindo a natureza e nos desviando do que seria importante deixar como legado para as próximas gerações.
Vai lá Brasil!
Abaixo a lista integral dos indicados para vocês seguirem durante a cerimonia:

Melhor filme:
Brooklyn
A Grande Aposta
Mad Max: Estrada da Fúria
O Quarto de Jack
Perdido em Marte
Ponte dos Espiões
O Regresso
Spotlight

Melhor Diretor:
Alejandro González Inárritu (O Regresso)
George Miller (Mad Max)
Tom McCarthy (Spotlight)
Adam McKay (A Grande Aposta)
Lenny Abrahamson (O Quarto de Jack)

Melhor Ator:
Leonardo DiCaprio (O Regresso)
Matt Damon (Perdido em Marte)
Michael Fassbender (Steve Jobs)
Bryan Cranston (Trumbo)
Eddie Redmayne (A Garota Dinamarquesa)

Melhor Atriz:
Brie Larson (O Quarto de Jack)
Cate Blanchett (Carol)
Jennifer Lawrence (Joy)
Charlotte Rampling (45 Anos)
Saoirse Ronan (Brooklyn)

Melhor Ator Coadjuvante:
Mark Ruffalo (Spotlight)
Tom Hardy (O Regresso)
Sylvester Stallone (Creed)
Christian Bayle (A Grande Aposta)
Mark  Rylance (Ponte dos Espiões)

Melhor Atriz Coadjuvante:
Rachel McAdams (Spotlight)
Kate Winslet (Steve Jobs)
Alicia Vikander (A Garota Dinamarquesa)
Rooney Mara (Carol)
Jennifer Jason Leigh (Os Oito Odiados)

Melhor Roteiro Original:
Ex-Machina:Instinto Artificial
Ponte dos Espiões
Divertida Mente
Spotlight
Straight Outta Compton: A História do N.W.A.

Melhor Roteiro Adaptado:
Brooklyn
Carol
A Grande Aposta
Perdido em Marte
O Quarto de Jack

Melhor Filme de Animação:
Anomalisa
Divertida Mente
O Menino e o Mundo
Shaun, o Carneiro
Quando Estou com Marnie

Melhor Filme Estrangeiro:
O Abraço da Serpente (Colombia)
O Filho de Saul (Ungria)
Cinco Graças (França)
A War (Dinamarca)
Theeb (Jordânia)

Melhor Fotografia:
Carol
Os Oito Odiados
Mad Max:Estrada da Fúria
O Regresso
Sicario:Terra de Ninguém

Melhor Direção de Arte:
A Garota Dinamarquesa
Ponte dos Espiões
Mad Max: Estrada da Fúria
Perdido em Marte
O Regresso

Melhor Figurino:
Carol
Cinderela
A Garota Dinamarquesa
Mad Max: Estrada da Fúria
O Regresso

Melhor Trilha Sonora:
Carol
Os Oito Odiados
Ponte dos Espiões
Sicario: Terra de Ninguém
Star Wars: O Despertar da Força

Melhor Cabelo e Maquiagem:
Mad Max: Estrada da Fúria
The 100-year-long Man Who Climbed out the Window and Disappeared
O Regresso

Melhor Canção:
Earned it (CinquentaTons de Cinza)
Manta Ray (Racing Extinction)
Till it Happens to you (The Hunting Ground)
Simple Song #3 (Juventude)
Writing’s on the Wall (007 Contra Spectre)

Melhor Documentário:
Amy
Cartel Land
What Happened Miss Simone?
Winter on Fire

Melhor Curta-Metragem:
Ave Maria
Day One
Everything will be Okay
Shok
Stutterer

Melhor Documentário em Curta-Metragem:
Body Team 12
Chau, Beyond the Lines
Claude Lanzman: Spectres of Shoah
A Girl in the River: The Price of Forgiveness
Last Day of Freedom






terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Steve Jobs


“Steve Jobs”- Idem, Estados Unidos 2015
Direção: Danny Boyle

A natureza humana é tão complexa que, às vezes, é quase inexplicável. Por que aquele homem tão inteligente não percebe que tudo que faz tem a marca de uma vingança destrutiva? E que isso vai acabar com ele?
Nada foi fácil para Steve Jobs. Para ele chegar onde chegou, o mago das tecnologias que mudaram nossos conceitos sobre a relação entre as pessoas, teve que lutar muito. Principalmente contra o que latejava lá dentro dele, impedindo que esquecesse da história de sua vida.
Claro que não foram lembranças mas memórias afetivas de rejeição, falta de amor e calor. E alguém contou a ele como sua jovem mãe biológica o colocou para adoção, como foi devolvido pelo primeiro casal, como o segundo casal teve que brigar com sua mãe biológica porque não preenchiam os requisitos que ela considerava indispensável para adotar o filho que ela não queria...
E, principalmente, como a mãe adotiva distanciou-se dele, por um ano, com medo de apegar-se e depois o tirarem dela.
Conclusão, ele deve ter fantasiado sobre si mesmo que deveria ter algo horrível nele que afastava todo o amor que merecia. E então, nega toda espécie de sentimento, a não ser o doloroso ódio e abraça a onipotência. Nada o atinge.
Apega-se ao que pode ser visto, a fachada, o exterior, o espetáculo. Quer mudar o mundo.
“- Por que você quer que todos o odeiem?” pergunta um dia alguém de sua equipe.
“- Não me importo. Não preciso que me odeiem nem que me amem.”
Mas, quando se apresenta para as plateias que gritam seu nome no lançamento de seus produtos, quer que o aplaudam. Só recebe bem o amor da multidão, anônimo.
Mesmo Joanna (Kate Winslet, ótima), que o amou calada todo o tempo que trabalhou com ele, não podia se aproximar muito. Ela funcionou como uma espécie de mãe substituta, atenta à agenda dele. E ele falava com ela e recebia respostas. Nem sempre o que ele queria ouvir. Mas não gritava nem era arrogante com ela. Parece que esse foi o máximo de proximidade que Steve Jobs conseguiu ter com uma pessoa.
Mas tudo é bem mais complicado. Aquele que diz, na presença de uma menina de 5 anos e sua mãe, que ele não é seu pai, esconde o desejo de que ela mostre que é sua filha.
Quando a menina (Mackenzie Moss) usa a máquina que ele inventou para desenhar, o narcisismo dele recebe uma dose do que precisava para apaziguar um pouco aquela ferida antiga. Mas muitos anos se passaram até que ele admitisse que o nome da máquina era mesmo o nome dela, Lisa.Tarde demais?
O filme dirigido energicamente por Danny Boyle conta a história em três capítulos:1984, lançamento do Macintosh pessoal; 1988, o “black cube” NeXT, com Jobs fora da Apple; 1998, volta à Apple e lança o iMAC.
O que prende o espectador é a briga de Jobs para ser sempre o único, o dono da verdade, o maestro que dirige a orquestra enquanto os outros da equipe só tocam os instrumentos. Ele é o produto que ele vende.
E Michael Fassbender, foi muito bem escolhido, não por sua semelhança física, que não existe, mas pela compreensão de quem foi o homem que ele interpreta. Ele extasia a plateia.
Fassbender e Kate Winslet (que já ganhou o Globo de Ouro e o Bafta como atriz coadjuvante), estão na lista dos indicados ao Oscar 2016.
Grande filme.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Filho de Saul


“Filho de Saul”- “Saul Fia”, Hungria, 2015
Direção:Lázló Nemes

Até onde o ser humano pode aguentar o sofrimento antes de enlouquecer?
Estamos num campo de concentração que não mostra seu nome. Dizem que se trata de Auschwitz/Birkenau, 1944. Mas isso, o espectador que não sabe nada sobre o filme, só descobre aos poucos.
Há um texto na tela negra, antes do filme, que explica o que é “Sonderkommando”. Um grupo de judeus é poupado do extermínio imediato para viver algo terrível. São eles que levam os que chegam no trem de carga, assustados e desorientados, para a sala onde tiram suas roupas e pensam que se preparam para um banho. São as câmaras de gás.
Depois, os corpos são arrastados e empilhados e levados ao forno, onde são queimados. Suas cinzas são jogadas no rio por esse grupo de homens, que a tudo presenciam, sabendo que o dia deles também vai chegar. São homens embrutecidos, que trabalham sem parar, num frenesi que os ajuda a não pensar.
Depois da guerra, alguns deles foram julgados e condenados porque entendeu-se que contribuiram para o extermínio de seus irmãos judeus.
Mas o diretor Lázló Nemes não entra nesses detalhes em seu filme. Só uma breve explicação e somos jogados na frente de Saul, que é um “Sonderkommando”.
A câmara gruda em seu rosto inexpressivo, onde os olhos parecem vazios. Ele não fala. E o horror do que vai acontecer transparece nos gritos que ouvimos, no choro convulsivo de mulheres e crianças, arrastadas para a morte.
O formato da tela, quase quadrado, nos aprisiona com Saul, que sabe o que acontece ao seu redor. O espectador vê apenas pedaços dessa cena em que vive Saul. Só as bordas desfocadas. Adivinhamos em nossas entranhas o horror que está acontecendo. Ouvimos o inferno pelo qual passam seres humanos.
“Filho de Saul” consegue ser visceral. Sentimos junto a Saul. Vemos o que acontece no seu rosto, por mais que ele fique inexpressivo. Os sons não mentem. Vivemos o que ele vive.
E o ponto de quebra em Saul acontece logo.
Na pilha de corpos alguém está vivo. Um menino respira com dificuldade. É levado para uma maca e percebemos a emoção no rosto de Saul. Vemos o que ele vê e sentimos nele uma mudança.
Esse menino, morto em seguida por um médico nazista, vai mudar o foco de Saul. Ele se crê pai da criança e vai fazer tudo que pode para encontrar um rabino para enterrá-lo segundo a tradição.
Esse projeto difícil de ser executado, dadas as condições em que vive, resgata Saul da morte em vida e faz com que recupere sua identidade como judeu e ser humano.
Géza Rohrig, 48 anos, é mais poeta que ator e nasceu em Budapeste, na Hungria. Depois de uma visita a Auschwitz na Polonia, decidiu tornar-se judeu. Mora em Nova York, é professor de crianças e publicou duas coleções de poemas sobre a Shoah, o Holocausto. Ator excepcional, ele vive seu personagem Saul, no filme, com corpo e alma.
Lázló Nemes, 39 anos, e estreante em longas, viu seu filme ganhar o Prêmio especial do júri e da crítica no Festival de Cannes do ano passado e o Globo de Ouro desse ano como melhor filme estrangeiro. É o favorito do Oscar 2016 para a mesma categoria.
“Filho de Saul” vai mais longe na representação do Holocausto do que outros filmes que já vimos. Seu impacto faz lembrar “Shoah”1985, de Claude Lanzman.

Chocante, faz pensar na maldade e perversidade que habita o ser humano. O que é salutar. Se não estamos conscientes disso, o perigo de cair nesse abismo é ainda maior.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Trumbo - Lista Negra


“Trumbo - Lista Negra”- “Trumbo”, Estados Unidos, 2015
Direção: Jay Roach

A expressão “caça às bruxas” lembra o medo de bruxaria que acontecia no século XVII nos Estados Unidos, quando pessoas eram acusadas de praticar “vudu”, uma religião africana trazida pelos escravos. Essas pessoas eram julgadas e condenadas à morte, apesar de inocentes.
Por isso, foi também conhecida por esse nome a perseguição aos comunistas americanos, durante a Guerra Fria nos anos 50.
Vinte anos antes, durante a Grande Depressão e frente à ameaça crescente do fascismo, muitos americanos se inscreveram no Partido Comunista, que era perfeitamente legal. Durante a Segunda Guerra, a União Soviética foi aliada dos Estados Unidos e o Partido Comunista recebeu outros milhares de adeptos.
Dalton Trumbo (1905-1976), o mais bem pago roteirista de Hollywood, entrou no Partido em 1943. Ele era conhecido como defensor dos direitos humanos e apoiava os movimentos grevistas.
A “caça às bruxas”, que aconteceu então, foi o medo do comunismo, incentivado pelos seguidores do macartismo, ideias defendidas pelo senador Joseph McCarthy. Criou-se um Comitê de Atividades Anti-Americanas no Congresso, que acusava pessoas de subversão ou de traição, sem qualquer prova real.
Em Hollywood, a colunista Hedda Hopper (Helen Mirren) foi uma das principais incentivadoras do movimento que visava perseguir a “ameaça vermelha”, acusada de corromper os valores da democracia e desejar derrubar o governo.
Os “radicais perigosos”, como eram chamados, Dalton Trumbo e mais nove diretores e roteiristas, são convocados a depor no Congresso perante o Comitê.
Trumbo, inteligente e irônico comenta:
“- Isso é o início de um campo de concentração americano.”
Processados, “os 10 de Hollywood” foram demitidos de seus empregos sem qualquer compensação, presos e proibidos de escrever e ganhar dinheiro com o seu trabalho. Constavam da conhecida “lista negra”, que só aumentava com a delação dos próprios colegas, diretores, atores e produtores.
Trumbo (Bryan Cranston, ótimo, foi indicado ao Oscar 2016 de melhor ator), casado com Cleo (Diane Lane), sua companheira fiel, pai de três filhos, vai preso por um ano e quando sai da prisão está atolado em dívidas com seu advogado e precisa sustentar a família.
É então que, sempre com seu cigarro e piteira na mão, ele tem uma ideia fantástica. Cria uma rede de escritores de roteiro que assinavam os roteiros dele e também dos colegas da lista e dividiam os ganhos.
Algumas vezes usou pseudonimos e é famosa a história do momento em que Richard Rich ganha o Oscar por “The Brave One-Arenas Sangrentas” em 1957 e não aparece para receber a estatueta. Claro, porque ele era Trumbo, que comemorava na frente da TV com a família.
Além de brilhante em seus roteiros premiados (“Johnny got his gun”1971, “Roman Holiday - A princesa e o plebeu”1953, “Spartacus”1960, “Exodus”1960, “Papillon”1973, para só citar alguns), era um homem justo e conciliador mas sabia defender suas ideias.
Ele lutava para que todos estivessem atentos para não ceder à tentação, invejosa e prepotente, de negar a alguém que defenda suas ideias, mesmo que sejam diferentes das nossas, porque essa é base da democracia, sistema de governo que escolhemos.

Nunca é demais lembrar que em nenhum lugar estamos a salvo de uma outra infeliz “caça às bruxas”. “Trumbo - Lista Negra” é exemplar.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O Menino e o Mundo


“O Menino e o Mundo”, Brasil, 2013
Direção: Alê Abreu

Na tela branca, um ponto vermelho é o centro de um “Big Bang”. Circulos laranja e azuis ampliam a mandala, o universo, a barriga? É o menino que nasce, do centro, saindo de um buraco, vestindo a camiseta de listas vermelhas e brancas.
Já se vê que o desenho animado ou a animação, como é chamada essa arte nos nossos tempos de agora, é muito sofisticada no conceito, não na imitação da realidade. Aqui um ponto vermelho ou mais adiante uma semente, servirão de metáfora para algo que nasce e morre, para poder renascer.
E o encantamento da infância, a descoberta do primeiro mundo que se vê, está na tela. O menino corre e brinca no seu quintal, um campo de flores que são  traços coloridos, com a galinha e seus pintinhos-bolinhas, vaca, cavalo. Pula na água azul do rio, que vemos de cima e lá estão os peixes coloridos.
Logo, explora a floresta. Segue um esquilo e a cena se abre para as árvores tropicais com bicho-preguiça, colibris, macacos, pássaros, borboletas.
O som é essencial e lindo. Ouvimos ruídos de bicharada, tirados de instrumentos que não distinguimos bem mas que soam familiares para quem já entrou numa floresta.
E o  desenho abandona o simples traço e cria telas multicoloridas, cheias de detalhes de fauna e flora e o menino sobe em árvores altas.
Sempre com sua camiseta listada vermelho e branca e os olhos que são ora dois traços verticais curiosos, ora duas vírgulas tristes, ora se arredondando carinhosos, o menino sobe nas nuvens distraido. É tudo farra.
Mas a realidade aparece e entristece. O pai tem que ir embora, procurar trabalho.
E aí começa a saga desse personagem que sai pelo mundo à procura do pai e encontra o mundo maior, bem diferente daquele que conheceu na infância. Injustiças, maldades, indiferença, pobreza extrema e riqueza lá longe.
Cidades-pináculos cercadas de lixo que o sistema produz sem cessar. As coisas são substituidas rápidamente porque o homem precisa consumir, gritam os anúncios em cartazes gigantes.
E os sons sempre presentes explicam as emoções dos personagens em ruidos de pés, mãos, bocas, cantorias sem palavras. E as flautas que soltam bolhas coloridas que encantam nosso menino?
Mas cedo ele vai descobrir trombones que soltam bolhas negras assustadoras, enquanto marcha o exército negro que policia as cidades.
No céu, o pássaro colorido, ave do paraiso, é derrotada por uma águia negra.
As aventuras do menino, zanzando pelo mundo, vão falando de um sistema corrompido que não faz a felicidade de ninguém. E que, ainda por cima, destroi a natureza.
Há um hiato carnavalesco quando na tela desfilam personagens coloridos, ao som de alegres melodias de violões, chocalhos, pandeiros, batuque de tambores. Mas dura pouco.
A automatização tira o trabalho das mãos dos homens e os deixa com fome e tristes. Um violino e um violoncelo choram.
E, quando é tempo de voltar, para o circulo se fechar, o menino/velho reencontra o pai. E a semente, quando plantada, leva ao sono no colo da mãe sonhada. E a flauta toca uma nota só, que vai morrendo.
Alê Abreu vai estar na festa do Oscar disputando o prêmio de melhor animação. Vamos torcer por ele.
Mas o melhor já aconteceu. “O Menino e o Mundo” pode ser visto e compreendido por todos, cada um em seu nivel, sem o entrave da lingua porque as poucas frases são faladas num português de trás para frente e com a ajuda da surpreendente música universal da trilha sonora de Ruben (Binho) Feffer e Gustavo Kurlat que vai do “rapper” Emicida, passa pelo GEM (Grupo Experimental de Música) e chega no percussionista Naná Vasconcellos.

E não pensem que é só coisa para criança ver.  É para adulto também se deliciar e refletir sobre a vida.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O Quarto de Jack


“O Quarto de Jack”- “Room”, Estados Unidos, 2015
Direção: Lenny Abrahamson

Ela era o mundo dele. Jack tinha cinco anos e eram só os dois que existiam  naquele quarto, sua mãe e ele.
Se bem que, às vezes, Ma o levava para dormir no armário e fechava ele lá. E Jack ouvia a voz do homem porque ficava acordado, esperando poder voltar para a cama dos dois e ter o calor de Ma de volta.
No teto tinha uma pequena claraboia por onde Jack via nuvens, folhas, chuva e a neve. Mas era como se fosse um quadro que mudava de cores. E à noite mostrava luzinhas. De vez em quando uma bola iluminada.
Jack era feliz. Tinha tudo que queria. A mãe estava sempre com ele. Desde sempre.
Até que ela começou a querer que ele acreditasse que existia mais do que só eles e o homem e que o mundo era maior do que o quarto.
Jack primeiro ficou indiferente, depois assustado.
E, um dia, tudo mudou.
“O Quarto de Jack – Room” é um filme original. Aquela simbiose mãe/filho é um sonho que todos nós tivemos. A mãe/nosso mundo. Quando crescemos, aquela ligação intensa fica menos presente porque o mundo nos atrai.
Mas como o mundo era proibido para Jack e Joy, os dois só tinham um ao outro. E, nos enternece perceber que aquele menino, com o cabelo comprido como uma garota, não precisava de mais nada para ser feliz.
Mas entendemos, aos poucos, que a situação dos dois é trágica. Joy foi sequestrada e está trancada no quarto por sete anos. Jack nasceu lá e nunca saiu desse quarto.
Podemos imaginar como foi difícil para Joy criar Jack como um menino normal. Porque assim como ela era o mundo de seu filho, ele era o mundo para ela. O quarto ficava menos triste e trágico porque Jack existia.
Até que Joy resolve que vai contar, aos poucos, para Jack, o que foi que aconteceu. E vai tentar fugir.
O roteiro do filme, escrito pela autora do livro adaptado, Emma Donoghue, emociona e nos faz ficar muito próximos daquela mãe e seu filho.
A interpretação de Brie Larson é tão realista que sofremos com ela, vivemos o amor dela por Jack e compreendemos sua depressão na segunda parte do filme. Enquanto o filho ganha um mundo novo, ela perdeu o dela, aos 17 anos e não pode mais recuperá-lo. Ao mesmo tempo, talvez só agora ela pode permitir-se esses sentimentos, que poderiam ter sido fatais para ela e Jack naquele quarto que era como uma ilha perdida no oceano.
Merecidamente, Brie Larson ganhou o Globo de Ouro e está em todas as listas de prêmios para melhor atriz, inclusive o Oscar 2016.
Jack, interpretado com brilho por Jacob Tremblay, que é um ator de nove anos, faz um menino de cinco anos inteligente, dotado de grande imaginação, ingênuo e feliz. E convence o público que fica encantado com ele.
O irlandês Lenny Abrahamson, 50 anos, é um diretor talentoso (seu filme de 2012 “What Richard Did”ganhou o prêmio de melhor filme do ano na Irlanda). Seu trabalho com os atores, faz de “Room” (“Quarto” no título original), uma experiência emocional intensa, ora nos colocando no mundo de Jack e ali nos tornamos crianças como ele, ora no de Joy e sofremos e nos defendemos como ela, querendo esquecer o mundo lá fora.
Mas, principalmente, o filme nos faz viver aquele amor imenso que salva mãe e filho de uma tragédia maior.

“O Quarto de Jack” está na lista dos melhores filmes do ano do Oscar 2016. Quem é sensível não pode perder.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Spotlight: Segredos Revelados


“Spotlight: Segredos Revelados”- “Spotlight”, Estados Unidos, 2015
Direção: Tom McCarthy

Certos assuntos são difíceis e penosos. Quando a natureza humana mostra seu lado sombrio, doentio, acusar apenas resolve a questão?
No caso dos padres suspeitos de pedofilia em Boston, que o filme “Spotlight” encena, há vítimas que merecem que se faça justiça. Proteger crianças de pessoas perversas é um dever de todos. Mas tratar desse assunto de forma escandalosa a quem interessa?
Ora, quando o jornal “The Boston Globe” começa a ter baixa nas vendas em 2001 e muda de editor, os jornalistas de um grupo apelidado “Spotlight”, são chamados para escrever algo que faça a primeira página voltar a brilhar em suas manchetes.
Alguém se lembra de que notícias de casos de pedofilia na Igreja Católica em Boston, tinham aparecido no jornal há alguns anos. Mas a matéria não havia prosperado. Talvez fosse o caso de aprofundar a busca dessas notícias? Um escândalo envolvendo a Igreja Católica de Boston, com toda a força que ela tinha na cidade, certamente iria vender jornais.
O novo editor Marty Baron (Liev Schreiber) estimula então o grupo comandado por Walter Robinson (Michael Keaton), os jornalistas  Mike Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll (Brian d’Arcy James) a investigar o assunto e levantar documentos que possibilitassem ao jornal publicar o escândalo.
O trabalho dos jornalistas foi árduo e longo. Extremamente dedicados, a ponto de prejudicar sua vida pessoal, eles pesquisam e chegam ao nome de algumas vítimas de abuso, ocorridos anos atrás, que preferiam o anonimato e são entrevistadas. A maioria é de pessoas desajustadas, de classes menos favorecidas e que culpam os fatos do passado por suas vidas destruídas.
Um grupo chefiado por uma dessas vítimas de abuso chega a dizer que elas são os “sobreviventes”. Muitos outros haveriam se suicidado.
Outro foco de pesquisa difícil era encontrar o nome dos suspeitos e descobrir o que tinha acontecido com eles. E o choque é grande quando concluem que esses padres tinham sido deslocados de suas paróquias para outras, depois de um tempo em casas de recuperação e tratamento, após as denúncias. E mais. O número era muito maior do que se tinha pensado inicialmente. Tudo com o conhecimento e a cooperação da Igreja Católica, numa tentativa de não tornar públicos esses tristes acontecimentos.

E, como havia processos, um advogado se encarregava da defesa e cobrava 20 mil dólares para sumir com os documentos, apesar da lei determinar que eram públicos.  A família da vítima ganhava algum dinheiro para que se calasse.
Depois de muitas noites sem dormir e um trabalho coroado de êxito, a reportagem ganhou o prêmio Pulitzer de jornalismo.
O caso foi muito comentado e causou mudanças na Igreja Católica, tanto em Boston quanto no Vaticano.
O atual Papa Francisco pediu perdão publicamente às vítimas desses crimes e mostra uma grande preocupação com o assunto. Não só com a pedofilia mas com padres que cometeram outros atos criminosos, que são afastados de suas funções mas precisam ser mantidos pela Igreja.
Os mais esclarecidas não se mostram surpresos com tudo isso. Afinal, seria muita inocência querer que não haja todo tipo de gente entre os que procuram a Igreja Católica para se tornar padres.
Um outro filme, chileno, de Pablo Larrain, “O Clube”, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim 2015, tratou do assunto mas sem a finalidade de causar escândalo, tão presente no caso do “The Boston Globe”.
Voltando ao filme, “Spotlight” tem um elenco bem escolhido, a direção consegue manter um ritmo de “thriller” quase o tempo todo e o filme foi indicado para o Oscar de melhor filme, atriz coadjuvante para Rachel McAdams, ator coadjuvante para Mark Ruffalo, melhor roteiro adaptado e montagem.
Os críticos de cinema, em sua grande maioria jornalistas, louva o filme e lamenta que esse tipo de jornalismo investigativo que demanda tempo, dedicação e recursos financeiros, já tenha quase desaparecido, em tempos de internet e de pessoas pouco interessadas em ler jornais.