“O Menino e o Mundo”, Brasil,
2013
Direção: Alê Abreu
Na tela branca, um ponto vermelho é o centro de um “Big
Bang”. Circulos laranja e azuis ampliam a mandala, o universo, a barriga? É o
menino que nasce, do centro, saindo de um buraco, vestindo a camiseta de listas
vermelhas e brancas.
Já se vê que o desenho animado ou a animação, como é
chamada essa arte nos nossos tempos de agora, é muito sofisticada no conceito,
não na imitação da realidade. Aqui um ponto vermelho ou mais adiante uma
semente, servirão de metáfora para algo que nasce e morre, para poder
renascer.
E o encantamento da infância, a descoberta do primeiro
mundo que se vê, está na tela. O menino corre e brinca no seu quintal, um campo
de flores que são traços coloridos, com
a galinha e seus pintinhos-bolinhas, vaca, cavalo. Pula na água azul do rio, que
vemos de cima e lá estão os peixes coloridos.
Logo, explora a floresta. Segue um esquilo e a cena se
abre para as árvores tropicais com bicho-preguiça, colibris, macacos, pássaros,
borboletas.
O som é essencial e lindo. Ouvimos ruídos de bicharada,
tirados de instrumentos que não distinguimos bem mas que soam familiares para
quem já entrou numa floresta.
E o desenho
abandona o simples traço e cria telas multicoloridas, cheias de detalhes de
fauna e flora e o menino sobe em árvores altas.
Sempre com sua camiseta listada vermelho e branca e os
olhos que são ora dois traços verticais curiosos, ora duas vírgulas tristes, ora
se arredondando carinhosos, o menino sobe nas nuvens distraido. É tudo
farra.
Mas a realidade aparece e entristece. O pai tem que ir
embora, procurar trabalho.
E aí começa a saga desse personagem que sai pelo mundo à
procura do pai e encontra o mundo maior, bem diferente daquele que conheceu na
infância. Injustiças, maldades, indiferença, pobreza extrema e riqueza lá
longe.
Cidades-pináculos cercadas de lixo que o sistema produz
sem cessar. As coisas são substituidas rápidamente porque o homem precisa
consumir, gritam os anúncios em cartazes gigantes.
E os sons sempre presentes explicam as emoções dos
personagens em ruidos de pés, mãos, bocas, cantorias sem palavras. E as flautas
que soltam bolhas coloridas que encantam nosso menino?
Mas cedo ele vai descobrir trombones que soltam bolhas
negras assustadoras, enquanto marcha o exército negro que policia as
cidades.
No céu, o pássaro colorido, ave do paraiso, é derrotada
por uma águia negra.
As aventuras do menino, zanzando pelo mundo, vão falando
de um sistema corrompido que não faz a felicidade de ninguém. E que, ainda por
cima, destroi a natureza.
Há um hiato carnavalesco quando na tela desfilam
personagens coloridos, ao som de alegres melodias de violões, chocalhos,
pandeiros, batuque de tambores. Mas dura pouco.
A automatização tira o trabalho das mãos dos homens e os
deixa com fome e tristes. Um violino e um violoncelo
choram.
E, quando é tempo de voltar, para o circulo se fechar, o
menino/velho reencontra o pai. E a semente, quando plantada, leva ao sono no
colo da mãe sonhada. E a flauta toca uma nota só, que vai
morrendo.
Alê Abreu vai estar na festa do Oscar disputando o
prêmio de melhor animação. Vamos torcer por ele.
Mas o melhor já aconteceu. “O Menino e o Mundo” pode ser
visto e compreendido por todos, cada um em seu nivel, sem o entrave da lingua porque as poucas frases são faladas num português de trás para frente e com a ajuda da surpreendente música
universal da trilha sonora de Ruben (Binho) Feffer e Gustavo Kurlat que vai do “rapper”
Emicida, passa pelo GEM (Grupo Experimental de Música) e chega no percussionista
Naná Vasconcellos.
E não pensem que é só coisa para criança ver. É para adulto também se deliciar e refletir
sobre a vida.
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