domingo, 26 de junho de 2011

Vênus Negra





“Vênus Negra”- “Vénus Noire” França/ Itália/ Bélgica, 2010

Direção: Abdellafif Kechiche





Sabemos todos como a cobiça sanguinária dos brancos ocidentais colonizadores voltou-se sempre, sem trégua, contra os povos ditos “primitivos”, de todos os continentes pelos quais passaram.

A história recente da humanidade também registrou genocídios, escravidão, o Holocausto.

É tênue a fronteira que nos separa da barbárie...

O diretor Abdellafif Kechiche, tunisiano residente na França, em seu filme “Vênus Negra”, que fez escândalo no último festival de Veneza, resume em um só caso real, todo o horror do preconceito e arrogância do homem branco europeu.

Seu filme é duro, sofrido, longo. Conta a história verídica de Saartjie Baartman, uma africana da Cidade do Cabo, levada para a Europa por seu empregador, um africâner (vivido pelo magnífico ator André Jacobs), para ser exibida como objeto exótico em feiras, na Londres do século XIX, mais precisamente 1810.

No show montado por seu patrão, ela era mostrada como uma selvagem, em uma jaula. Londrinos pagavam entrada para vê-la rosnar e dançar passos tribais. Eram convidados a tocá-la sem medo, como se fosse um animal. Para escapar do sentimento de humilhação, ela se entrega ao álcool e cala-se frente às palavras mansas ou ferozes do seu patrão, conforme o dia, que lhe prometia dinheiro, glória e volta à terra natal.

O calvário da Vênus negra prega o espectador em sua poltrona do cinema, fazendo-o passar do susto à vergonha e indignação.

Interpretada pela atriz cubana Yahima Torres, estreante no cinema, a “Vênus Negra” é o retrato do que acontece quando nos deparamos com um ser diferente de nós mesmos. Até hoje. Estão aí os exemplos da violência, intolerância e crueldade dos homens contemporâneos quando se confrontam com “o outro”, diferente deles, seja pela cor, religião, preferência sexual, idéias.

O filme começa em 1815, na França, mais exatamente Paris, na Academia Real de Medicina.

Um professor de olhar duro, comenta para as pessoas sentadas em um anfiteatro:

“- Nunca vi rosto tão semelhante ao dos macacos”, diz mostrando a cabeça de um molde em gesso, pintado para parecer real, de uma negra alta, seios fartos e nádegas enormes.

O professor continua:

“- Nenhum negro pode ter dado origem a nenhum povo pertencente ao que chamamos a raça branca. Já os egípcios (e mostra a cabeça de uma múmia) pertenciam à mesma raça que nós. Não apresentavam crânios comprimidos como essa espécie que temos aqui.”

Depois discorre sobre o “avental hotentote”, nome que encontraram para designar o aparelho genital da fêmea que tem na “Vênus Negra” uma representante:

“- Não se assemelha em nada à genitália das mulheres européias. Suas nádegas e seu aparelho genital externo são muito semelhantes aos de um orangotango.”

Devido a essas características peculiares, o corpo dessa mulher, depois de exibido em feiras, onde era tocado por todos num misto de horror e excitação, faz com que seja usada como atração em orgias nos salões parisienses decadentes e finalmente num bordel, no qual ela já estava distante da realidade de sua vida,

doente e entregue ao alcoolismo.

Por incrível que possa parecer, seu corpo dissecado e moldado em gesso, foi exposto no Museu do Homem em Paris até 1974, quando começou o movimento que culminou em sua volta à terra natal em 2002.

Quem ficar até o fim do filme, verá um mini-documentário que mostra os restos mortais da Vênus Negra serem recebidos com honras pelos descendentes dos hotentotes, povo dos bosques africanos, quase dizimados com a chegada dos colonos franceses e holandeses aos lugares que habitavam, já que se recusavam a ser escravizados.

Exemplo cruel do que os homens fazem a seus próprios semelhantes, “Vênus Negra” é um exercício de condenação do racismo.

Obrigatório para quem não fecha os olhos a um lado maligno que nos habita e não quer ser controlado por ele.


sábado, 18 de junho de 2011

Potiche - Esposa Troféu





“Potiche – Esposa Troféu”- “Potiche”, França, 2010

Direcão: François Ozon





Dessa vez, o jovem diretor francês François Ozon, deixou de lado o tema da perda, tão presente em seus filmes sempre originais e escolheu fazer uma comédia em tom de farsa sobre a mulher no final dos anos 70, na França.

“Potiche” segue o filão explorado em “Oito Mulheres” (2002) do próprio Ozon, também com Catherine Deneuve: comédia e canções. E mulheres como prato principal.

Como sempre, o tradutor se engana, passando uma idéia que nada tem a ver com o filme, embarcando na tradução americana. “Potiche” é um objeto de decoração, belo mas inútil.

Então, é sobre a esposa decorativa que Ozon quer contar uma história. Mas, ele vai além dessa intenção, porque o papel de “potiche” pode mudar de um personagem para outro, conforme o desenrolar da trama do filme. Não é uma exclusividade feminina.

Em entrevista a Luiz Carlos Merten, Ozon assim falou sobre “Potiche”, um dos seus maiores sucessos de público na França:

“Em tom leve e divertido, este é um filme que me permite falar de tudo. Do amor, da família, dos negócios, das diferenças entre homens e mulheres. Mas o que realmente me encantou foi a mudança da personagem. Catherine (Deneuve) evolui de esposa para administradora e política. Mostrar essa transformação foi estimulante.”

Sim, porque no começo do filme, uma Catherine Deneuve alienada, saltita alegrinha por um caminho no bosque, vestida de roupa de ginástica vermelha. Uma música assobiada a segue. Sapatinhos brancos e cabelo enrolado preso numa redinha, ela é uma Branca de Neve de contos de fada. Conversa com os animais, manda beijinhos para os passarinhos e saca do bolso um caderninho para escrever um poema.

De avental, na cozinha amarela de sua casa bela casa, serve o café da manhã para o marido arrogante e mal humorado, que preside a fábrica de guarda-chuvas que Susanne trouxera ao casar-se com ele:

“- Não se esqueça de que você é Mme Pujol”, diz ele ao saber que a empregada não estava.

“- Todo dia eu repito para mim mesma: Eu sou Mme Pujol. Eu sou Mme Pujol”, responde Suzanne compenetrada e com uma ponta de ironia.

Catherine Deneuve, 67 anos, a sempre “Bela da Tarde” de Buñuel, está à vontade no papel de esposa submissa e mulher objeto que vira a mesa com elegância. Diz ela nas entrevistas que riu muito durante as filmagens.

Seus vestidos “chemisier”com laço no pescoço, conjuntos de saia e blusa coordenados, com casaquinho nos ombros e cabelo armado e duro de laquê, nos fazem viajar para os anos 70.

Seu belo rosto e seu talento de atriz fazem o resto. Ela domina o filme. É a estrela.

Sendo que, de quebra, assistimos em “Potiche” a um reencontro histórico: Deneuve e Depardieu.

Ele, enorme de gordo, não perde o charme que o consagrou. Ela contracena com ele com carinho e verve. Velhos amigos.

O elenco é ótimo e a direção de Ozon, direção de arte e fotografia irretocáveis.

Todos os estereótipos dos anos 70 estão presentes: o marido que tomou a fábrica da mulher (Fabrice Luchini), a secretária amante do patrão (Karen Viard), a filha conservadora e interesseira (Judith Godreche), o filho com idéias de esquerda que não se decidiu a “ sair do armário” (Jeremie Renier), o deputado de esquerda que virou prefeito da cidade (Gérard Depardieu) e que tem uma história antiga com Suzanne, os operários encenando a luta de classes.

A mistura é boa e o final surpreende.

A trilha sonora composta pelas músicas mais populares dos anos 70 na França tem seu apogeu na cena final, em que, dona de todos os holofotes, Catherine Deneuve canta

“C’est beau La Vie”, depois de pregar a volta do matriarcado e das Amazonas.

“Potiche” é uma comédia satírica que consegue tratar de assuntos sérios com humor, colocando a mulher em primeiro plano.

Ozon sabe das coisas. E mostra isso mesmo quando quer brincar.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Meia Noite em Paris



“Meia Noite em Paris”- “Minuit à Paris”, Estados Unidos/Espanha, 2011

Direção: Woody Allen





“Plus ça change, plus c’est la meme chose”, diz o dito popular francês que quer dizer mais ou menos isso: quanto mais se muda, mais fica a mesma coisa.

Woody Allen, o diretor americano que já tinha filmado Paris em belíssimas tomadas no Sena em “Todo Mundo Diz Eu Te Amo” (1996), em seu novo filme “Meia Noite em Paris” vai demonstrar a sabedoria do ditado francês, além de homenagear a “ville lumière” (cidade das luzes).

Mostrando-se claramente à vontade entre personagens da cultura e vida parisiense do começo do século XX, Woody Allen presenteia o público que gosta dele com uma deliciosa comédia. E, aproveitando para não deixar de ser ele mesmo, vem novamente nos falar sobre a condição humana e seus tropeços.

A insatisfação crônica é marca do homem contemporâneo?

Woody Allen diz que não. Em “Meia Noite em Paris” ele demonstra como sempre existiu, e existirá, essa vontade de estar em outro lugar, em outra época, para poder ser alguém diferente do que se é.

Sabemos como a saudade de um passado que não se viveu e o desejo de voltar no tempo são temas recorrentes na literatura e no cinema.

Nessa comédia sofisticada tudo isso vai ser revisto sem mau humor, nem castigos superegóicos, como acontece às vezes em outros filmes do cineasta Woody Allen.

Paris é uma festa? Depende de como você olha.

Para Gil (Owen Wilson), um frustrado escritor americano que só escrevia roteiros para Hollywood, Paris estava sendo um lugar chato, onde a família burguesa de sua namorada se divertia muito em férias.

Mas Woody Allen faz a fada madrinha e, como em um conto de fadas, à meia noite, em suas andanças às cegas por Paris, ele encontra por acaso a porta que o leva para os anos 20, numa cidade de sonho, freqüentada por todos os escritores e artistas que ele sempre admirou.

Qual Cinderela às avessas, é à meia noite que passa a carruagem de Gil, um Rolls Royce principesco.

Ele vai conhecer “le tout Paris” dos "anos loucos" à “Belle Époque” e vai se inspirar para escrever seu tão adiado romance.

“É a Paris mítica do imaginário de todos os americanos”, disse Woody Allen quando foi entrevistado em Cannes, onde seu filme abriu o festival e foi aplaudido de pé pela platéia seleta.

Conviver com Zelda e Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Gertrude Stein (uma ótima Kathy Bates) e de quebra, Picasso, Luis Buñuel, Man Ray, Josephine Baker, faz o americano Gil (o alterego de Woody Allen dessa vez), querer abandonar o século XXI e sua noiva (Rachel McAdams) para se apaixonar e se perder na Paris dos sonhos dele.

E a musa de todos os pintores da Paris dos anos 20, encarnada por Marion Cotillard (“Piaf”), brilha no filme de Woody Allen, que assim fala dela:

“Marion é maravilhosa. No início, a personagem era uma norte-americana em Paris. Mudei só para tê-la no elenco.

Ela chegou vacilante, estressada, sem saber se conseguiria fazer o papel. Eu tinha certeza. Marion representa a própria sedução da França na tela.”

E Carla Bruni-Sarkosy? Sim, ela também está no filme “Meia Noite em Paris”. A primeira dama da França faz um pequeno papel de guia dos americanos e, nos poucos minutos que ocupa a tela, é ela mesma, com aquele jeitinho sedutor com que canta suas canções.

Porque ninguém diz não a Woody Allen que, aos 76 anos, parece ter se rendido à sabedoria que a idade traz, podendo fazer tudo que quer na tela do cinema.

E como todo ano tem um novo Woody Allen, vamos ver esse com delícia e esperar pelo próximo que será rodado em Roma, “The Wrong Picture”, com Penélope Cruz e Alec Baldwin.

Porque a gente sempre quer mais em se tratando de Woody Allen.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Namorados para Sempre





“Namorados para Sempre”- “Blue Valentine”, Estados Unidos, 2010

Direção: Derek Cianfrance



O que será que cria um par e mantém esse casal unido?

O amor, responderia a maioria das pessoas.

Mas logo alguém perguntaria: e o que é o amor?

E aí entramos em um terreno complicado...

Porque muitos sentimentos complexos podem passar aos olhos de todos e, mesmo do casal que vive a realidade desses sentimentos, por amor, sem o ser na verdade.

E, como já dizia o poeta, tem que ser “eterno enquanto dura”, ainda por cima...

A melhor saída seria, então, acompanhar as assim chamadas histórias de amor, para podermos ver mais claramente o que se esconde e se mistura atrás desse rótulo.

E, com a certeza de que, cada par enamorado vai desenvolver esse tema com variações próprias.

É o que acontece no filme “Namorados para sempre”, péssima tradução para o titulo original “Blue Valentine”, que poderia ser algo como “Tristes Namorados” no plural ou no singular “Triste Namorada/o”, porque o inglês tem dessas coisas sutis.

De qualquer modo, “Namorados para Sempre” é uma história de amor.

E, como já vimos, só pode ser um amor com características próprias, como todos os amores que são sempre únicos. Nisso, o amor acompanha a singularidade dos seres humanos que, por mais que se pareçam, sempre são diferentes.

Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling) moram em uma casa modesta em meio à natureza, nos subúrbios de uma cidadezinha anônima americana. Tem uma filhinha de 5 anos.

No começo do filme vemos Frankie (a estreante Faith Wladyka) chamando sua cachorrinha:

“- Megan! Megan!”

E como não consegue achá-la, corre para o pai.

Ryan Gosling faz muito bem o papel de pai amoroso, brincalhão, participante intimo da vida da filha. Eles fazem um par adorável.

E onde está a mãe dessa família?

Dormindo.

A seu favor podemos dizer que ela trabalha muito e que o marido não tem emprego fixo, tomando para si alguns afazeres domésticos e cuidados com a filha.

Assim, quando a mãe de Frankie é acordada pelo par de “tigres”, pai e filha que pulam em cima dela, em clima de brincadeira solta, vemos seu belo rosto jovem crispar-se.

Não só não entra na brincadeira, como tudo nela é censura.

Michelle Williams foi indicada ao Oscar por esse papel e mereceu.

Ryan Gosling não fica atrás. Apesar de esquecido no Oscar, foi indicado junto a Michelle Williams ao Globo de Ouro. Sua atuação faz com que seu personagem cresça durante o filme e que dispute, palmo a palmo com a atriz, a admiração pela naturalidade com que se entrega à relação amorosa da história que une pessoas tão diferentes. Ele, mais simplório que ela, muito envolvido na tarefa de criar uma família de verdade, com o coração aberto e disponível. E ela mais contida e ambiciosa e parecendo querer rever suas escolhas de vida.

No desenrolar da trama vamos ver em “flashbacks” como os dois se encontraram e de que modo casaram.

E, no presente da cena, como tentam salvar seu casamento deteriorado com a passagem do tempo e o fim das ilusões.

Uma noite em um motel barato vai revelar mais do que sabiam um do outro até aquele momento.

Com o filme, vamos entender que, às vezes, a gratidão pode ser confundida com amor.

Bem como vamos observar que carências afetivas graves podem levar as pessoas a se agarrar, como se um fosse a tábua de salvação do outro, em meio às tempestades da vida.

E aí, sob a luz azul do motel, que expressa a qualidade triste daquele casal tão jovem e já desiludido, nosso coração se aperta e torcemos para que o amor exista e resista.

Esse é o maior charme do filme bem dirigido por Derek Cianfrance, que usa música, luz e bela fotografia para nos conquistar, sem pudor.

Refletir sobre o amor faz a gente amadurecer e tentar fazer com que ele seja real em nossas vidas. Ou que, ao menos, deixe uma doce lembrança.

Tarefa difícil mas recompensadora.

domingo, 5 de junho de 2011

Saturno em Oposição




“Saturno em Oposição”-“Saturno Contro” Itália/ França/ Turquia, 2007

Direção: Ferzan Ozpetek



Tudo começa com a câmara nos oferecendo dois belos homens preparando um jantar numa cozinha transada.

Percebe-se um clima de intimidade calorosa entre eles.

Uma voz masculina em “off” diz:

“- Talvez eu não devesse ter convidado ele para jantar...”

É o narrador, Lorenzo (Luca Argentero), o mais jovem.

Ele vive com o escritor Davide (Pierfrancesco Favino de “Que Mais Posso Querer”) e, nessa noite, tinha convidado o amigo Paolo para jantar em sua casa e conhecer seu companheiro.

A eles se juntam os vários amigos que vão entrando.

Neval (Serra Ylmax), uma mulher de meia-idade e cabelos brancos curtos, é a primeira a chegar. Toca a campainha e anuncia pelo interfone:

“- É a Gestapo”, diz com voz de brincadeira.

Paolo entra com ela, que é casada com o policial Roberto (Fillippo Timi, o Mussolini de “Vincere”), e já vai sendo bombardeado com perguntas:

“- Lorenzo falou de mim para você? Você conhece ele há muito tempo? Já transaram? “

É assim, de chofre, que entramos em contato com a turma de amigos. E é, aos poucos, que vamos conhecendo melhor cada um deles.

Roberta (Ambra Angiolini), por exemplo, é uma morena atraente que faz sua aparição no banheiro, cheirando cocaína. Dança e canta, sensualmente, uma canção espanhola na sala, sendo admirada por todos.

“- Tenho Saturno em oposição...” diz ela, lamentosa, a um surpreso Paolo.

É a astróloga do grupo e sua auto-estima é baixa.

Angélica (Marguerita Buy) é psicóloga e dá cursos para quem quer parar de fumar. Pensa que convenceu todo o grupo a largar o vicio. Loura e bonita, é casada com Antonio (Stefano Accorsi), que escapa do jantar com a desculpa de comprar champagne e vai encontrar-se com a amante Laura.

Sergio, ex-namorado de Davide, é um homem maduro, entrosado com todos. Mais tarde, Roberta vai fofocar para Paolo:

“- Ele é Rebecca, a Mulher Inesquecível de Davide.“

O jantar está no auge. Comem, bebem, riem, dançam. Percebe-se que se conhecem há muito tempo. Entre eles há cumplicidade, gosto de estar na companhia uns dos outros, piadas particulares, sensualidade marcante e desinibida.

Em “off”ouve-se a voz de Lorenzo:

“- Ver Davide com os amigos me faz sentir segurança. Quero que tudo fique assim para sempre.”

Mas, infelizmente, a duração da vida humana é um mistério e aqui, nada é para sempre.

Um dia, Saturno, o senhor do tempo, cobrará de todos nós, a partida.

Da noitada alegre entre amigos passa-se para o hospital, sem que a vida dê maiores explicações. Ninguém é avisado com antecedência e quando um jovem é atingido, a surpresa e a sensação de desamparo ficam ainda mais fortes.

É em torno dessa idéia de um corte inesperado que Ferzan Ostepek, diretor italiano de origem turca, desenvolve o seu filme.

Sem pesar no tom, ele vai colocar seus personagens face a face com um desafio do qual não gostamos de falar: a morte dos outros faz lembrar que não somos eternos.

Conhecido entre nós pelo ótimo “O Primeiro que Disse”, Ferzan Ostepek tem uma câmara sensível que cria ângulos inesperados para o espectador.

Uma trilha sonora original pontua os momentos de empolgação ou de melancolia, fazendo com que a música participe do desenrolar da trama de forma importante, tornando-se quase que um personagem a mais.

Em “Saturno em Oposição”, o elenco de atores talentosos ajuda o diretor a desenvolver a história que vai da alegria e festa, à tristeza e o luto, de uma hora para a outra.

Apresentando a perda, Ferzan Ostepek faz pensar no poder da amizade, que ajuda o ser humano a se reerguer quando a coisa fica difícil.

Divertido e, nem por isso previsível, “Saturno em Oposição”, que passa por aqui com atraso, já que é um filme de 2007, aumenta a nossa vontade de conhecer melhor o novo cinema italiano.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Minhas Tardes com Margueritte





“Minhas Tardes com Margueritte”- “La Tête em Friche”, França, 2010

Direção: Jean Becker





Gérard Depardieu já não é mais o galã número 1 do cinema francês. Mas, aos 62 anos, gordo e com o infalível cabelo louro escorrido, não perdeu nem um pingo do seu talento, nem do seu charme.

Em “Minhas Tardes com Margueritte” contracena com a delicada e feminina Gisèle Casadeus, suave senhora de mais de 90 anos, que interpreta Margueritte. Ela vai entrar na vida do personagem de Depardieu e fazê-lo renascer.

O que pode unir uma dupla tão díspar?

Porque Germain Chazes é um homem inculto, cinqüentão pesadão e Margueritte é elegante, frágil e vive com um livro na mão.

Na praça da cidadezinha de Pons, no interior da França, serão os pombos que vão unir o casal improvável.

Esses pássaros, que Germain visita todos os dias com seu sanduiche na hora do almoço, trazem à tona a sensibilidade soterrada do homem, aparentemente embrutecido, que vai ser a ponte para a amizade dos dois.

“- São 19. Dei nome a cada um. Venho aqui todos os dias“, diz Germain à senhora sentada no mesmo banco do jardim.

Quando ela pede que ele lhe conte os nomes que escolheu para os pombos, um deles, Marguerite, faz a senhora exclamar:

“- Como eu! Só que o meu nome tem dois “tês”. Um erro de grafia do tabelião. Mas meus pais não se importaram. Sou filha de uma história de amor.”

“- Comigo foi bem ao contrário...” responde Germain.

E assim começa uma amizade que, desde o inicio, fala de uma necessidade de companhia amorosa e cuidados, que ambos vão se proporcionar.

“- Cuide de sua bolsa”, diz Germain na despedida.

“- Pelo que tem dentro...” responde Margueritte com um muxoxo.

“- Mas não está escrito nela”, replica o prático amigo, que procura em Margueritte algo que ele ainda não sabe o que é.

“Flashbacks” mostram que, quando menino, Germain era ridicularizado na escola pelo professor que se irritava com a sua “burrice”:

“- Até lendo em voz alta você faz erros de ortografia!”

E sua mãe não ficava atrás. Via naquele menino gordo de olhar pidonho, um nada:

“- Esse aí só dá prejuízo”, diz com voz cortante quando o filho deixa cair um copo de leite.

“- Mamãe me chamava de Isso”, conversa consigo mesmo Germain em sua cama. Tem como ouvinte seu gato.

“- Não tive um modelo. Tive que descobrir tudo sozinho”, completa ele, assinalando a falta da presença do pai em sua vida.

Mas nas conversas na praça com Margueritte, Germain começa a aprender coisas e cultivar seu espírito, terra fértil esquecida e agora semeada pelos ensinamentos nada pernósticos de sua amiga. Tudo isso acompanhado de uma atenção e interesse genuínos pela pessoa dele.

O filme, inspirado no livro de Marie-Sabine Roger, tem como titulo original “La Tête em Friche”que quer dizer cabeça sem cultivo, como se uma cabeça de alguém fosse um terreno largado onde ninguém planta nada.

Ora, ela lê “A Peste” de Camus para Germain e faz sua imaginação voar.

“Como se pode imaginar uma cidade sem jardins, sem pombos? “, pergunta o famoso escritor francês na voz de Marguerite, que começa a ocupar no coração de Germain, um lugar de uma mãe acolhedora e próxima, ao mesmo tempo fazendo o papel do pai, que ele nunca teve, apresentando-lhe o mundo.

O diretor Jean Becker, que é filho de cineasta e iniciou sua carreira como assistente do pai, disse em uma entrevista a Luiz Carlos Merten, perguntado sobre qual seria o tema do filme:

“É uma coisa que eu aprendi com meu pai. A cultura e o cinema podem tornar nossas vidas melhores.”

Quem gosta de livros e filmes, não pode perder “Minhas Tardes com Margueritte”.

O publico sai do cinema encantado com a dupla Germain/ Margueritte. Ouvem-se até alguns soluços no final. Mas são lágrimas de emoção, não de tristeza.