domingo, 20 de setembro de 2020

Mignonne




 “Mignonnes””- “Cuties”, França, 2020

Direção: Maimouna Doucoré

 

Ao som de uma canção na voz de uma mulher, o rostinho de uma menina negra maquiada com brilhos azuis, mostra susto, tristeza, dor e lágrimas. Algo errado aconteceu mas não sabemos ainda o que pode ter sido.

A sequência volta a um passado recente onde a mesma menina, Amy (Fathia Youssouf), arruma a casa e prepara uma surpresa para a mãe. Sobre o lençol esticado com cuidado na cama dela, Amy arruma um desenho que retrata a família, cercado por flores pintadas e recortadas.

Mas, quando a mãe chega, com o bebê nas costas, nem olha para Amy e corre atrás de Ismael, o menor, que entra num dos quartos do apartamento.

“- Não estou brincando “, diz a mãe. “Ninguém pode entrar nesse quarto. Vocês vão dividir esse outro aqui. “

Entendemos que a família que veio recentemente do Senegal para Paris, é tradicional e muçulmana, e está iniciando Amy nos preceitos religiosos reservados às mulheres. E, entre eles, está o privilégio dos homens casados a ter uma segunda esposa.

E é o que Amy escuta da mãe, que, apesar de desolada, tem que preparar o quarto reservado ao novo casal e a festa de boas vindas.

Amy não esconde sua raiva à doutrinação para a aceitação das regras de obediência e pudor reservadas às mulheres. E olha com desagrado o vestido reservado para a festa.

Por acaso, vai à lavanderia do condomínio e vê uma vizinha, Angélica, que é latina, dançando ao som de uma música animada, com roupas justas e longos cabelos soltos, que ela passa a ferro para alisar ainda mais.

Sentindo-se excluída na escola, onde não conhece ninguém, fica encantada com quatro garotas que dançam no recreio, vestidas em shorts e mini saias com blusas bem curtinhas. São as “Mignonnes”, as Lindinhas.

Logo, Amy vai querer ser uma delas. E rouba o celular do primo para aprender passos e poses para se aproximar de Angélica que vai ser sua ponte para as “Mignonnes”.

Na verdade são crianças, de 11 anos e querem ser mulheres. Seduzir e ser famosas como as que aparecem nos celulares com milhares de seguidores. Vestem roupas que revelam seus corpos ainda infantis e quando dançam imitam movimentos sensuais que tem a ver com sexo mas são ingênuas e não sabem o que estão fazendo. Querem ser admiradas e amadas.

Mas para Amy que vê o pai fazer o que quer e a mãe obedecer cegamente apesar da dor que sente no coração, senão vai acabar no inferno como castigo, a liberdade daquelas meninas é o céu para ela.

O filme ganhou o prêmio de melhor realização no Festival de Sundance e, pasmem, foi considerado imoral por pessoas que queriam proibir o filme aqui no Brasil, indo atrás de grupos americanos que também se escandalizaram.

A crítica internacional gostou do filme. Na França não causou nenhum escândalo porque o público entendeu que a diretora, que também é franco-senegalesa, ao invés de querer erotizar as crianças, ao contrário, mostra o que está acontecendo e o equívoco de Amy, exagerando e confundindo a liberdade com o uso de seu corpo infantil para alcançar algo que ela ainda não compreende.

O ritual iniciático de Amy foi difícil e pode servir de exemplo. O filme alerta para um problema que não é de hoje e que faz crianças imitarem mulheres adultas, em programas de televisão em horários diurnos, com o consentimento e a aprovação dos próprios pais. 


sexta-feira, 11 de setembro de 2020

 



“Dukhtar”- “ Daughter-Filha”, Paquistão, 2014

Direção: Afia Nathaniel

 

Um rio de águas azuis leva numa canoa vermelha uma mulher vestida de rosa, com longos cabelos escuros. Ela olha a estrada brilhante que o sol ilumina no rio.

Mas tudo era um sonho que faz com que ela acorde intrigada. A jovem mãe de uma menina de 10 anos, casara aos 15 com um homem bem mais velho que ela.

Assim é no Paquistão, onde duas meninas constroem uma casa de bonecas com lascas de pedras. A mesma pedra das montanhas que rodeiam aquele vale com picos nevados.

A mais jovem diz que quer ter uma casa como aquela:

“- Então você vai ter que esperar. Só mulheres casadas tem direito a ter uma casa. ”

A pequena é inocente e a maior acha que não é a hora de contar o que sabe. Diz apenas:

“- Depois de casar você também vai ter filhos. ”

“Como é que se faz um bebê? “ pergunta a pequena.

“- Isso também é um segredo. ”

Mas a menina insiste e finalmente a maior responde  que quando sua irmã casou, disse para ela que quando um rapaz olha uma moça e ela também olha para ele, um bebê começa a crescer na barriga dela.

“- Por isso seu pai não deixa você sair de casa “ acrescenta.

A aldeia em que vivem está muito longe do resto do mundo. A vida é simples e as cores que vestem as mulheres são belas como as árvores amarelas do vale. Mas a paisagem dos picos é só rocha e neve.

Infelizmente, a natureza humana é a mesma em toda a parte. E o pai da menina pequena, que é um chefe local, vai ter que seguir a tradição cruel que não leva em conta os sentimentos das mulheres.

Há uma inimizade antiga com um grupo que vive não longe dali. Muitos já morreram por causa dessa inimizade. A única coisa que pode fazer cessar uma  vingança sem fim é a filha do líder casar-se com o chefe do outro clã. A paz será selada com esse casamento.

Agora entendemos o ar tristonho da mãe da menina. Ela mesma tivera um destino igual, casando-se com um marido muito mais velho e rude, porque seu pai assim decidira.

E quando chega um amigo para visitá-los, a troca de olhares do homem bem mais jovem que o chefe e a mãe da menina, adivinhamos que vai acontecer algo inesperado. Ele aproveita um momento a sós com ela e sussurra :

“- Sei que você é infeliz. Eu queria ter pedido você em casamento mas seu pai já havia dado sua palavra... mas se ficar viúva...”

A vida das mulheres não é fácil nessas montanhas. Sofrem sozinhas e obedecem ao pai e ao marido. Aliás os homens vivem brigando, se vingando pela lei do olho por olho, são desconfiados e rudes.

Mas um ato de rebeldia pode mudar essa sequência de injustiças e crueldade.

O filme “Daughter” é singelo e além de mostrar a tradição desse povo, vai também seguir mãe filha em sua busca pela liberdade e o direito de decidir a própria vida.



quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Crimes de Família



“Crimes de Família”- “Crimenes de Família”, Argentina, 2020
Direção: Sebastián Schindel

Um estreito corredor de ladrilhos e ao fundo, uma porta com um visor de vidro opaco. Há alguém se movimentando lá dentro. A porta se abre e uma mulher, quase que em silhueta, sai descalça e com passos lentos. Algo obscuro e sombrio é um sentimento que paira no ar.
Em seguida, a câmera mostra os retratos emoldurados da família, distribuídos entre os móveis da sala de estar. Uma casa de classe média alta, deduzimos.
Alicia (Cecilia Roth, uma das maiores atrizes da Argentina) recebe três amigas para uma aula de ioga e chá com bolos, em sua casa. Uma delas pergunta sobre o filho de Alicia, algo que a perturba mas que não é esclarecido. Um segredo?
Depois que saem as amigas, a dona da casa vai até a cozinha, onde comenta com Gladys, a empregada, que ela deveria começar um regime:
“- Você tem que se cuidar. Olha essa barriga ... Não está grávida novamente, espero. Aqui não há lugar para mais um. ”
Mas um menino de uns 5 anos, que também está na cozinha, interrompe Alicia, que chama de “Tia”, para mostrar seus desenhos. Ela responde com carinho ao pedido da criança.
Toca o telefone. É um chamado do presídio. Daniel quer falar com a mãe. Qual será o crime que cometeu?
Na próxima cena, num hospital, Gladys pede ajuda mas não é atendida. Está algemada à cama. Outro crime?
Depois vemos Alicia e seu marido (Miguel Ángel Solá) que estão visitando o filho deles na prisão. Daniel é um rapaz jovem, bonito, cabelos e olhos claros mas com um semblante angustiado. A mãe o abraça e o pai pede que conte o que aconteceu.
“- Sempre a Marcela. Sabe como ela é. Não me deixa ver o meu filho. Eu fui na casa dela e ela fez um escândalo e me denunciou. Tem aquela coisa de não poder chegar perto dela por causa da sentença do juiz...”
Entendemos que Daniel estava preso porque tinha sido acusado de abuso e tentativa de homicídio por sua  mulher, de quem estava separado. Ela o acusava também de ser viciado em crack.
O diretor Sebastián Schinel, disse em uma entrevista:
“- É um filme sobre mulheres, uma história de três mães que são capazes de tudo por amor a seus filhos.”
Schindel baseou-se em dois crimes da vida real para escrever o roteiro. Tais crimes não tinham nada a ver um com o outro, salvo a questão de “agravo pelo vínculo”, ou seja, havia uma relação íntima entre o acusado e a vítima.
Schindel continua:
“- Decidi combinar dois casos que nada tem que ver para que aconteçam na mesma família que tem como matriarca Alicia, que vai ser a protagonista involuntária desta tragédia, na qual, talvez atuando com as melhores intenções, toma as piores decisões. “
A pandemia foi a responsável pelo lançamento do filme na NETFLIX e o diretor diz ter gostado dessa chance de mostrar seu filme a milhões de espectadores.
Que terminarão de ver o filme com olhos marejados.
“Crimes de Família” é comovente.


Virus-free. www.avg.com

domingo, 23 de agosto de 2020

A Duquesa I e II Amazon



“A Duquesa I e II”- “La Duquesa I e II”, Amazon, 2011
Direção: Salvador Calvo

Desde menina ela passava tempos admirando o quadro da Duquesa de Alba, sua antepassada, pintado por Goya. Dona de um rosto delicado onde os grandes olhos negros sobressaiam, num vestido branco, corpete vermelho, ostentando uma vasta cabeleira encaracolada, ela era uma lenda. Diziam que seu carisma enlouquecia os homens e que Goya teria sido seu amante.
Cayetana, como a chamavam, tinha mais de 15 nomes e era a única filha de Jacobo Fitz-James Stuart, XVII Duque de Alba. Não tendo herdeiros homem, o pai educou-a severamente para sucedê-lo.
A mãe era 20 anos mais nova que o pai, de 42 anos, tinha sido dama de companhia da rainha Victoria e só depois de 6 anos de casada nasceu a filha.
Cayetana perdeu a mãe quando tinha 8 anos e nunca foram próximas, porque tendo contraído tuberculose, ela afastou-se da filha para evitar contágio.
Essa mulher vai se tornar a mais titulada da Espanha e também a mais rica, com uma fortuna de 3.5 bilhões de euros.
A série da AMAZON, com duas temporadas de dois capítulos cada uma, conta a história dela, na juventude interpretada por Irene Visido e depois por Adriana Ozores.
Muito bem produzida, com locações reais e direção de Salvador Calvo (“Adu”), a série “A Duquesa” mostra os palácios, jardins com fontes e estátuas, a rica coleção de obras de arte onde brilhavam Rubens, Tiziano, Goya, o mobiliário de museu e os detalhes da decoração luxuosa com pesadas cortinas de seda adamascada, tapetes antigos e lustres magníficos.
Vamos vê-la como uma menina que era educada para enfrentar as dificuldades da vida não se esquecendo nunca da dignidade de um Alba. E depois uma jovem atraente e charmosa, que apreciava touradas e toureiros.
Veremos a história de sua vida e de seus dois casamentos. Houve um terceiro, aos 84 anos, não aprovado pelos filhos e talvez material para uma terceira temporada.
O primeiro casamento com o primo Don Pedro Luis Martinez de Irujo y Artézcaz (1919-1972), casamento por amor e não arranjado como era o costume na aristocracia, com quem teve 6 filhos e durou 26 anos até a morte do Duque. E o segundo aos 52 anos, também apaixonada, com um ex padre jesuíta, Jesus Aguirre y Ortiz de Zorate (1939-2001) que durou 23 anos até a morte do marido.
A Duquesa de Alba era alegre, dançava flamengo com graça e apreciava o mundo da sociedade aristocrática e também o da noite. Os paparazzi viviam atrás dela e eram frequentes seus retratos nos jornais e revistas. Vestia-se de forma exuberante, muitas vezes extravagante.
Cayetana, uma Grande de Espanha, sabia da autoridade que possuía, não apenas por suas posses e títulos mas porque ela era assim. Poderosa.
Nascida no Palácio da Lira em Madrid em 8 de março de 1926, a 18ª Duquesa de Alba faleceu no Palácio de las Dueñas, em Sevilla, aos 88 anos de idade.
A série merece ser vista. É a primeira vez que comento a AMAZON mas agora em diante vou seguir mais de perto a programação.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Adu



“Adu”- Idem, Espanha 2020
Direção: Salvador Calvo

Adu é um menino negro de 6 anos, franzino, grandes olhos expressivos que, com sua irmã mais velha Ali, ouvem tiros na floresta e vão de bicicleta ver o que está acontecendo.  Arrastam-se no solo para não ser vistos e, com pesar, descobrem um elefante enorme morto com um homem serrando suas presas de marfim. As crianças conhecem Kimba pelo nome e sabem que ele era o animal mais importante da Reserva em Camarões.
Chegam os vigias e Gonzalo, o homem dono da ONG que pretende defender os elefantes dos caçadores ilegais. Tarde demais.
Amedrontadas, as crianças saem correndo e deixam suas bicicletas. Erro fatal. Porque a partir daí serão procurados pelos homens que temem as testemunhas da matança que poderão denunciá-los.
À noite entram na casa pobre sobre palafitas atrás das crianças que conseguem escapar nadando. Planejam sair dalí e ir para a Espanha. Como? Não sabem.
Dia claro, Gonzalo vai buscar sua filha Sandra no aeroporto. Cruza cm as crianças, que poderiam ser suas testemunhas, mas sua mente está preocupada com a chegada da filha que tem problemas com drogas.
Ao norte, na fronteira entre a União Europeia e o Marrocos, aconteceu uma morte à noite, quando imigrantes esfarrapados e famintos, tentavam escalar a grade que fecha a fronteira. Num acidente, um homem cai do outro lado e um policial bate nele. Outro policial, Mateo, tenta massagem no coração mas o homem morre. Vai haver sindicâncias e processo.
Essas três histórias irão se entrelaçar. Em todas há um apelo de ajuda e compaixão.
Adu é como se fosse a imagem da África. Nele o instinto de sobrevivência é muito forte. Escapa por um triz de situações difíceis e consegue ajuda e amizade de Massar (Adam Nourou), outro adolescente que fugiu aos maus tratos na Somália.
Gonzalo (Luis Tosar) e Sandra (Anna Castillo) vão ter que entender que ninguém consegue obrigar alguém a mudar seu jeito de viver, a não ser com ajuda amorosa. Pai e filha vão se confrontar.
E os policiais que respondem a processo pela morte do imigrante são os que vão resgatar Adu de uma quase morte.
O diretor espanhol Salvador Calvo conduz bem o ritmo do filme inspirado em histórias verdadeiras que ouviu quando rodava seu longa “1898-Los Ultimos Filipinos”. Mas quem mais surpreende é o pequeno Moustapha Oumarou, com a naturalidade de sua interpretação. Ele comove só com o olhar.
“Adu” mostra a África relegada, posta de lado. Um belo continente com populações que sofrem com miséria e doenças. É a África escondida que ninguém vê quando vai a safaris fotográficos mas que precisa ser mostrada para que haja alguma solução para tanto sofrimento.

domingo, 16 de agosto de 2020

A Prima Sofia



“A Prima Sofia” – “Une Fille Facile”, França, 2019
Direção: Rebecca Zlotowiski

Uma pequena praia de seixos brancos, entre rochas altas e um mar esmeralda, convida aos prazeres do verão. Um corpo que nada, entra nesse belo retrato.
Na tela um dito de Pascal: “ A coisa mais importante da vida é descobrir sua vocação, embora isso dependa também do acaso”. Nada explícito mas vem a calhar nesse filme que mostrará uma escolha de vida. Veremos como depende da pessoa mas também do meio onde vive.
Voltando à primeira cena, um corpo feminino perfeito, emerge da água e se entrega ao sol na região em que o mar encontra as pedrinhas da praia. Ela usa só a parte de baixo do biquíni verde. A sereia é Sofia ( Zahia Dehar) que veio passar um tempo em Cannes com a prima Naima (Mina Farid).
É também o primeiro dia das férias e os alunos saem animados, comentando seus planos de verão. Naima faz 16 anos e seus amigos trouxeram um bolo com velinhas e cantam parabéns para ela. Dentro de um envelope um dinheirinho como presente de Dodo, seu melhor amigo.
Naima entra no apartamento pequeno onde mora com a mãe, chamando por Sofia, que ela não via desde que a outra mudara para Paris.
“Ela mudou bastante” pensa Naima, que observa as roupas e o rosto plastificado da prima, fascinada com a tatuagem bem acima do belo traseiro: “Carpe Diem”.
“- Significa que você tem que aproveitar o presente, aproveitar cada dia porque o futuro ninguém conhece” explica Sofia que acrescenta que o amor não a interessa. “- Quero viver a noite e seus prazeres. ”
E como Naima tinha se encantado com uma bolsa Chanel de Sofia, ganha uma igualzinha.
“- Estou chocada com os 4.000 euros que você gastou comigo... “
E lá vão as duas para o porto onde estão os belos iates e os rapazes.
Dia seguinte estão na praia lendo conselhos de tratamento para o cabelo numa revista, quando um belo iate branco se aproxima da praia e um homem moreno troca longos olhares com Sofia.
À noite vão se conhecer e Naima vai observar um outro lado da vida que Sofia escolheu.
A mãe de Naima trabalha num hotel e se preocupa com a influência sobre a filha:
“- Você acha que Sofia é livre? A liberdade vem do trabalho. Sofia escolheu um trabalho duro... Mas quero que você aproveite as férias e depois faça o estágio com o “chef” do hotel. ”
A diretora e roteirista Rebecca Zlotowski não fala em prostituição. Sofia, a sereia bela, gosta do que faz e não se entrega ao amor mas ao sexo, com o qual domina os homens que a olham com desejo quando ela passa. É sua escolha.
Naima a observa e também faz sua escolha.
As atrizes são excelentes, assim como os amigos do iate branco, Nuno Lopes que faz o milionário brasileiro que lida com arte e Benoit Magimel, seu braço direito, que ajuda Naima a pensar sobre a vida.
O filme é um conto moral mas sem julgamentos nem condenações. Não se aponta ninguém com o dedo do certo e do errado. Cada um que viva suas escolhas e as consequências que virão.


sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Love Story - Uma História de Amor



“Love Story – Uma História de Amor”- “Love Story”, Estados Unidos,1970
Direção: Arthur Hiller

Aquele rapaz curvado e só, olhar perdido, sentado na frente de uma pista de patinação no gelo vazia, pergunta para si mesmo:
“- O que se pode dizer de uma menina de 25 anos que morre? Ela era linda, brilhante e gostava de Bach, Mozart, The Beatles e de mim. “
E começamos a ver a história já emocionados mas querendo saber o que foi que aconteceu.
O primeiro encontro foi na biblioteca de Radcliffe, uma universidade só para mulheres, no Estado de Nova York, onde ela estudava música. Um tom de brincadeira se instala desde o começo, já mostrando que aqueles dois tem uma atração enorme um pelo outro. Ele é rico, bonito, estuda em Harvard. É Oliver Barrett IV (Ryan O’Neal). Ela é Jenny Cavilleri (Ali MacGraw) pobre, bonita, muito charmosa e tem sempre uma reposta para tudo.
Ele não se sente à vontade quando ela pergunta o sobrenome dele porque há uma imensa diferença social entre eles. E Oliver não se orgulha do dinheiro do pai banqueiro. O contrário. Os dois estão brigados.
Mas ela não se interessa pelo dinheiro dele. Está atraída por ele. Quando saem juntos da biblioteca e chegam ao prédio do campus da universidade onde ela mora, acontece o primeiro beijo. Quando chega em seu quarto, olhos brilhantes, ele liga para ela:
“- O que diria se eu dissesse que estou apaixonado por você? “
“- Conheço sua fama “, responde ela rindo.
Como são bonitos aqueles dois juntos. As cenas no campo branco de neve onde fazem “anjos”, rolam e brincam como crianças, rindo sem parar, são deliciosas. Estudam com ela no colo dele e os dois com livros nas mãos e a cabeça em outra coisa.
Ele não pode mais viver sem ela. Quando ela conta que vai estudar em Paris onde conseguiu uma bolsa de estudos, ele se adianta:
“- Você vai depois do nosso casamento! ”
Os dois se olham encantados.
Quando vão conhecer os pais de Oliver, aquela mansão num parque de arvores centenárias, ela comenta:
“- Não sabia que era tanto...Rico demais para mim...”
Mas na verdade Jenny tem um temperamento amoroso e quer ajudar Oliver a sair de sua posição intransigente frente ao pai. Não consegue e se casam com simplicidade e o encanto da juventude e do amor impregnando todos os poucos ao redor deles. Inclusive Phil, pai de Jenny, que vai dar suporte a Oliver quando ela se for.
“Amar é nunca ter que pedir perdão”, é o lema do filme que nos anos 70 foi sucesso pelo mundo afora. A música de Francis Lai ganhou o Oscar.
“Love Story” vai sempre mexer com as nossas emoções. É um clássico do cinema.


quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Queen



“Queen”, Índia, 2013
Direção: Vikas Bahl

A casa de Rani, em Nova Delhi, está tumultuada. Daqui a dois dias ela vai se casar e muitos são os preparativos que a envolvem e também às amigas e parentes que vieram para a festa.
Rani sabe que seu nome que dizer “Rainha” e se sente o centro das atenções. E gosta disso, apesar de ter fama de ser tímida. Um véu vermelho bordado de dourado emoldura seu rosto radiante.
Rani é morena de pele clara, longos cabelos negros e grandes olhos num rosto harmonioso. Seu casamento com Vijay (Raj Kummar Ra) não foi um daqueles arranjados pela família. Eles se amam, ela tem certeza. Sonha com o futuro, enquanto suas mãos estão sendo pintadas com hena, um costume indiano.
Todas as convidadas cantam e dançam, celebrando a felicidade de Rani. Palitos de fogos de artifício iluminam mais ainda a cena colorida e alegre.
Mal sabe Rani que a visita do noivo no dia seguinte vai cair como uma bomba:
“ - Rani, sinto muito, não posso me casar com você. Minha vida mudou. ”
Estão num pequeno café e Rani chama a atenção de todos porque é impossível não chorar com essa notícia abrupta que muda toda a vida e os sonhos dela.
Rani chega em casa e se tranca no seu quarto. A mãe chora e o pai não sabe o que fazer.
Rani relembra como se conheceram na loja de doces do pai dela. Ele a perseguia em todos os lugares e chamava Rani de “My Queen”. Um dia apareceu numa moto com balões vermelhos em forma de coração. Como não se apaixonar por aquele rapaz romântico?
Ele vai estudar Engenharia em Londres e diz que tatuou o nome dela no coração. Todas essas lembranças machucam.
Mas Rani, no dia seguinte, surpreende a família dizendo que vai fazer a lua de mel sozinha. Enlouqueceu?
Pois esse foi o primeiro passo na direção oposta a aquela para a qual se preparara. Sem noivo, sem amigas, mal arranhando o francês, ela voa para Paris. Sempre fora a cidade que ela quisera conhecer.
E lá vai nascer um nova Rani que enfrentará os obstáculos do caminho enfrentando tudo com forças internas que ela não sabia que tinha.
Adeus à Rani chorona. Benvinda a nova Rani, de cabelos soltos, aberta para as coisas boas que a vida tinha para oferecer. Mas sem perder seu jeitinho correto de ser.
O filme foi sucesso de público e crítica. A atriz principal, Kangana Ranaut, é muito expressiva e o elenco dá uma piscadela para o tema do racismo e da aceitação do diferente, já que reúne jovens de todas as cores de pele.
Como o orçamento era baixo foi filmado “in loco”, tanto em Paris como em Amsterdan, o que deu bastante cor local ao filme, com cenários verdadeiros e uma bela fotografia.
“Queen” nos fala também da nova mulher que nasce na Índia, se aventurando sozinha pelo mundo e aproveitando as oportunidades que a vida oferece. O casamento não será o único destino dessa nova mulher que pode escolher o que quer viver, sem a tutela dos pais e dos casamentos arranjados respeitando castas.
É um filme sem pretensão mas que diverte. E como em todo filme indiano, muita música mas que aqui segue o roteiro e as aventuras de Rani.
Vale ver.


quinta-feira, 30 de julho de 2020

Sexo Sem Compromisso



“Sexo Sem Compromisso”- “No Strings Attached “, Estados Unidos, 2011
Direção: Ivan Reitman

Emma (Nicole Portman) e Adam (Ashton Kutcher), se conheceram há 15 anos atrás numa colônia de férias para adolescentes.
Adam está tristonho:
“- Vim para cá porque meus pais se separaram “, diz ele.
“ - Olha, eu não sou uma pessoa carinhosa por natureza mas não acredito que as pessoas tenham que ficar juntas pelo resto da vida “, responde ela.
E, pelo jeito que ela deu a resposta seca à tristeza dele, já vemos que Emma é complicada. Nada sentimental. Empatia zero.
Cinco anos depois, numa festa de pijama, onde as meninas vestem sempre algo sexy, Emma aparece de pijama mesmo. Não entendeu a proposta.
Adam reconhece Emma e se aproxima dela.
“- Gosto de você “, diz ele com naturalidade.
“- Você nem me conhece ... “
Uma pausa e ela pergunta:
“-Quer vir comigo num lance de família super chato?”
Ele vai e é o funeral do pai dela. O único gesto de carinho que Adam observa é o momento em que ela leva um xale para a mãe que estava só.
Um ano depois esses dois se encontram novamente por acaso. Ela conta que está fazendo residência no hospital da cidade. Adam está com a namorada Vanessa (Ophelia Lovibond), uma loura sexy e ciumenta. A pedido de Adam, Emma coloca o número dela no celular dele.
Mais um ano e Adam está gravando um programa de televisão. Ele faz parte do time técnico mas não é reconhecido, ganha mal e está escrevendo um roteiro que não tem coragem de mostrar. Brigou com a namorada loura e está sozinho.
Na casa do pai, que chamara ele para conversar, sentam-se na piscina. O pai (Kevin Kline) é rico e famoso. Tem um programa na televisão há anos.
De repente Adam leva um susto. Vanessa, de biquíni e cãozinho no colo, aparece onde eles estão.
“- Você está pegando minha ex namorada?”
Sai furioso e vai a um bar. Toma todas e de manhã está  numa cama que ele não conhece, com uma moça de quem ele nem sabe o nome. O embaraço dele é enorme.
E fica maior ainda quando vê na sala outra garota (Greta Gerwig) com o namorado, um outro com a meia dele e Emma.
“- Transei com alguém aqui ontem? “ pergunta desesperado.
Todos ali trabalham no hospital e acalmam Adam. Já viram homens nus aos milhares.
Ele segue Emma que vai se trocar no quarto e ela conta que ele chegou muito bêbado, dançou, contou do pai, chorou e caiu duro.
E o clima entre os dois começa a esquentar enquanto ela se troca. Transa quente e rápida.
Apaixonados? Não. Essa não é uma comédia romântica como as outras. Emma não quer se envolver com ninguém. Trabalha muito. Homem? Só para transar. Será?
Ivan Reitman, o diretor eslovaco radicado no Canadá, 73 anos, foi o responsável por várias comédias, inclusive os “Caça Fantasmas”1 e 2. Mas aqui faltou inspiração. Não que o filme seja ruim mas o melhor de tudo é a presença de Nicole Portman, sempre uma graça.

terça-feira, 28 de julho de 2020

Elizabeth



“Elizabeth”- Idem, Reino Unido, Estados Unidos, 1998
Direção: Shekar Kapur

Ela foi um das rainhas mais famosas da História, a última da dinastia Tudor. Seu reinado durou 44 anos, de 1558 até sua morte em 1603 e ficou conhecido como a Era do Ouro. Mas Elizabeth teve que vencer vários e severos obstáculos para conseguir governar o seu país.
O filme começa em 1554 quando a futura rainha era ainda bem jovem e se divertia dançando e cavalgando nos prados ingleses com Lorde Robert Dudley, seu amigo de infância. Ela era filha de Henrique VIII e de sua segunda esposa, Ana Bolena, condenada à morte por crime de adultério, na verdade não comprovado.
Elizabeth, muito jovem foi surpreendida com uma acusação de traição à rainha Mary, também filha de Henrique VIII e Catarina de Aragão e portanto sua meia irmã. Foi presa na Torre de Londres e lá ficou por dois anos.
Elizabeth não entendia a briga entre católicos e protestantes:
“- Por que nos dividirmos por essa questão de religião? Todos acreditamos no mesmo Deus...”
“- Não Madame. Só há uma religião verdadeira,. O catolicismo. O resto é heresia,” diziam os bispos ligados ao Papa Pio V. A futura rainha vai descobrir que não era a religião mas o poder o que estava em jogo. E esse poder se fazia por alianças.
Catarina de Aragão era espanhola e católica fervorosa. Quando subiu ao trono, baniu a religião do pai para impor o catolicismo espanhol. Mas como não tinha filhos, Elizabeth era sua sucessora e fora criada na religião do pai, que voltou a ser a da corte e do país.
A cena da coroação, no filme, retrata um quadro famoso nos mínimos detalhes, mostrando toda a pompa da corte inglesa. Elizabeth, vestida em dourado com uma capa de arminho, recebe a coroa que a tornava soberana da Irlanda, Escócia e Inglaterra.
Cate Blanchett consagrou-se como atriz de primeira grandeza nesse papel. Olhos azuis, pele muito branca, longos cabelos ruivos, ela interpreta a rainha em sua evolução de jovem risonha, atraente e sedutora para uma mulher que abandona a ideia de casamento para tornar-se a Rainha Virgem. Uma deusa, bem acima dos pobres mortais. Não é certo que ela se fechasse às relações com homens mas é o que narrativa oficial relata.
Lorde Robert Dudley (Joseph Fiennes) aparece no filme como seu grande amor que a traiu, já que era casado quando jurava amor à Elizabeth. Não sabemos também se isso é verdade.
O fato é que Elizabeth tinha muitos inimigos que almejavam casar-se com ela para conquistar mais poder para si mesmos. Os espanhóis a queriam casada com seu rei, a França por sua vez queria impor o duque d’Anjou (Vincent Cassel), apoiado por Maria de Guise (Fanny Ardant), sua tia e mãe de Maria Stuart.
E havia ainda o duque de Norfolk (Chritopher Eccleston) que queria o trono para si mesmo e os bispos católicos que a preferiam morta.
O fato é que seu grande conselheiro, do qual não prescindiu até o fim do seu reinado, foi Sir Francis Walsingham (Geoffrey Rush) que lhe foi sempre leal.
O filme foi indicado para muitos prêmios e Cate Blanchett ganhou o Globo de Ouro.
“Elizabeth” é de um luxo e sofisticação próprios da era elisabetana. Transporta o espectador a um mundo de beleza mesmo que também ensine facetas negras da natureza humana.



terça-feira, 21 de julho de 2020

Maudie, Sua Vida e Sua Arte



“Maudie, Sua Vida e Sua Arte”- “Maudie”, Irlanda, Canadá,2016
Direção: Aisling Walsh

Ela sofria de artrite reumatoide o que causava dificuldade para andar. Quem a via pensava numa mulher aleijada, retardada e imediatamente voltava o olhar para outro lado. Porque incomodava testemunhar como se encolhia, a cabeça meio de lado, os cabelos escondendo o rosto e quase que arrastando uma perna porque os pés não se alinhavam.
Maudie Dowley (1903-1970) vivia na Nova Escócia, no Canadá, em uma cidadezinha à beira mar, a bucólica Marshalltown. Como era considerada incapaz de se cuidar sozinha desde criança, morava com a tia Ida, já que o irmão Walter não queria saber dela. Vendera a casa da mãe deles e ficara com tudo, com a desculpa que pagava à tia Ida para cuidar de Maudie.
Mas quem observasse mais de perto, veria que ela se vestia com simplicidade mas bom gosto, cores sóbrias bem escolhidas e tinha uma voz delicada. Era tímida mas observadora e havia nela um requinte que passava desapercebido para quem não tivesse um bom olho. Sua alma era sofisticada.
Maudie tinha quase 30 anos quando resolveu viver  longe dos parentes que a olhavam como se fosse um fardo.
De mala na mão, na loja de mantimentos, ficou sabendo que o vendedor de peixe, Everett Lewis (Ethan Hawke) precisava de uma empregada.
Contra todas as expectativas, ela vai conseguir convencer o homem rude e que a olhava com irritação, que ela seria útil para ele.
Maudie tinha uma força interior que usava em suas pinturas e passou a usar também em sua vida com aquele homem que não sabia o que tinha em suas mãos. A seu favor podemos dizer que ele era grosseiro e ignorante porque não tinha tido uma vida fácil.
Maudie foi conquistando espaço com suas pinturas que passaram a povoar as paredes da casinha minúscula. E sem muito alarde conquistou seu lugar como esposa.
E cada vez mais, todo um mundo de imaginação e celebração da natureza cercava aquele casal, abraçado pela delicadeza amorosa que surgia dos pincéis de Maudie.
Até que um dia, por acaso, Sandra, uma bela marchand de Nova York, se encantou com o mundo de Maudie que ela levou para o outro lado do oceano.
Maudie Lewis tornou-se uma artista conhecida e seus quadros passaram a ser disputados, representantes da arte “naif”, que era a visão de mundo de Maudie que dizia:
“- Adoro janelas. Tem tudo, já na moldura. ”
O filme é comovente, belo, com uma fotografia deslumbrante, atuação impecável e convincente de Sally Hawkins que entendeu quem foi Maudie Lewis. Uma fada num corpo difícil de levar vida afora, do qual reclamava pouco e sempre com bom humor. E uma alma leve e inspirada.
Um filme que é uma joia.


domingo, 19 de julho de 2020

Como Estrelas na Terra



“Como Estrelas na Terra”- “Taare Zameen Par”, Índia, 2007
Direção: Aamir Khan

Pequeno e franzino, notas baixas na escola, comportamento agitado, ele é invariavelmente  mandado para fora da sala pela professora. Nunca faz a lição direito, mesmo quando a mãe se senta ao lado dele.
O que acontece com Ishaan (Darsheel Safary) que tem 8 anos e não conseguiu ainda aprender a ler e escrever? Ele não acompanha a classe. Sua atenção está dirigida para fora. Olha pela janela como se sonhasse com a liberdade.
Os créditos do filme encantam pelas cores e pelos personagens como o relógio que nada, peixes que sorriem, dois sapos disputam uma minhoca, passam estrelas e planetas, golfinhos pulam nuvens e pipas de todas as cores cobrem o céu. Este é o mundo da imaginação de Ishaam que adora pintar e desenhar. A lousa da escola e os livros não podem competir com esse lugar atraente onde ele se refugia.
No dia da entrega do boletim, a mãe orgulhosa recebe as notas do filho mais velho. E o boletim de Ishaan? Está em tiras porque ele brincou com os cachorros, que o destruíram. De qualquer forma, suas notas eram um desastre.
Num outro dia, jogando bola com as outras crianças errou o alvo e ela foi parar não se sabe onde. Um menino e ele rolam pelo chão, aos socos e pontapés. Sujo, bravo e machucado, ele sobe a escada descarregando nos vasos de plantas dos vizinhos toda a raiva que sente.
Na hora do jantar, o pai mostra seu desagrado com o caçula:
“- Estou cansado de tantas reclamações, você vai para o colégio interno. ”
Como todo filme de Bollywood, as canções e a dança acompanham os personagens ilustrando seus sentimentos. Isso ajuda a animar bem como a mostrar tristezas e decepções. Aqui esse recurso é bem usado e ajuda a compreender como o garoto estava perdido.
E não teve remédio. Contrariado, nervoso e deprimido o menino segue para o colégio interno. Mas tudo continua como antes. Ele não entende nada do que se passa na sala de aula. Na tela olhamos a confusão de linhas que é como Ishaan enxerga essa página e todas as outras do livro.
Muitas crianças no mundo inteiro passam pelos mesmos problemas mas o nosso menino indiano não foi levado a um especialista para um diagnóstico. Os professores o tratam como retardado e insolente.
A sorte de Ishaan é que um professor de arte, jovem e criativo (o próprio diretor do filme), identifica a dificuldade do menino e trabalha com ele a sós, com muita paciência e técnicas acertadas. Através de brincadeiras e jogos, o professor estimula o aluno a prestar atenção ao que acontece entre os dois, que não é mais uma mera lição mas uma convivência calorosa e bem humorada. Ishaan vai surpreender a todos quando florescer sua inteligência, criatividade e talento.
Cores belíssimas e uma câmera que mostra tanto cenas de rua como da escola e closes do rosto de Ishaan, que é um excelente ator infantil, nos conquistam ao longo do filme.
“Como Estrelas na Terra” comove e envolve o espectador, seduzido pelas imagens que explicam visualmente mais do que mil palavras.
“Toda criança é especial” é o bom lema de um professor excepcional. E vale a pena conhecer um pouco da Índia através dos olhos dessa criança com uma visão especial do mundo.

terça-feira, 14 de julho de 2020

Pecados Íntimos



“Pecados Íntimos”- “Little Children”, Estados Unidos, 2006
Direção: Todd Field

Ela destoava das outras mães de crianças pequenas que, conversando sobre banalidades, inclusive sexo com os maridos, olhavam os filhos brincando.
Recém chegada no bairro, morando na casa imponente herdada da sogra, parecia que Sarah (Kate Winslet, maravilhosa atriz) não queria estar ali. Meio mal vestida, cabelos um pouco desgrenhados, ela dava a impressão de que não estava no parquinho por vontade de socializar com as outras mães. Vinha por Lucy mas que também não fizera amigos.
Na hora do lanche dos pequenos, ela já esquecera de trazer o de Lucy duas vezes, lembra uma das mães, com olhar desaprovador. E manda o filho dar a ela um biscoito.
De repente, todas olham para um homem bonito (Patrick Wilson) que chega com o filho nos ombros. Elas se agitam:
“- Quem é ele? ”, pergunta Sarah.
“- O rei do baile, que já não aparecia há algumas semanas”, explica uma delas. “Se bem que era melhor que ele não viesse. Porque a gente não precisava se arrumar, por um pouco de maquiagem...”
“- Como é o nome dele? ”
“- Ninguém conversou com ele”, responde a outra, olhando de um modo meio escandalizado para Sarah.
Mais tarde vemos o alvo das mães em casa e ele é casado com uma linda mulher (Jennifer Connelly) que trabalha com documentários para a televisão. Ela é a provedora da casa, estrita quanto aos gastos do marido e espera que ele cuide do filho de dia e estude à noite na biblioteca. Ele precisa fazer o Exame da Ordem para poder advogar. Mas não se esforça. Ao invés de ir para a biblioteca, ele ficava admirando os garotos do skate, lembrando de quando era livre como eles. Como Sarah, ele parecia entediado com a vida. E sentia a mesma irritação.
No dia seguinte, as mães do parquinho estavam mais agitadas do que o normal. A grande novidade era que o pedófilo que fora preso por exibir-se a uma criança, saíra da cadeia e voltara a morar com a mãe, ameaçando a paz do bairro.
O bonitão estava no parquinho e quando ele se preparava para sair, Sarah num ímpeto diz que vai perguntar o nome dele. Uma das mães tira uma nota de 5 dólares e, ironicamente, aposta que ela não iria ter coragem de pedir o número do telefone dele.
E Sarah vai. Ele comenta que ela é a primeira pessoa a falar com ele:
“- Você põe elas nervosas! Sabe o que seria divertido? Me abraça na despedida.”
E, boquiabertas, as mães veem os dois conversarem, o abraço e para escândalo maior, Sarah dar um beijo inesperado na boca dele. Debandada geral.
O filme tem um narrador mas sua função não se refere a fatos. Ele descreve o que acontece no íntimo dos personagens.
Por isso sabemos que Sarah está no seu limite. Formada em Literatura Inglesa sente-se desperdiçada naquela vidinha sem graça. O marido nem a nota e, para cúmulo, ela pega ele se masturbando na frente do computador.
Assim, Sarah e Brad, tinham algo em comum: sonhos de uma felicidade improvável. Inseguros, imaturos, carentes, sob a capa de proteção que encontraram nas suas vidas, fervilhavam as insatisfações.
“Pecados Íntimos – Little Children” baseado no romance de Tom Perrotta que escreveu o roteiro com o diretor Todd Fields, mostra que ninguém ali cresceu. O título em inglês parece mais apropriado para aqueles adultos imaturos, sem coragem de mudar algo em suas vidas insatisfatórias.


quinta-feira, 9 de julho de 2020

Lendas da Paixão



“Lendas da Paixão”- “Legends of the Fall”, Estados Unidos, 1994
Direção: Edward Zwick

Cenário idílico, campos cercados por altas montanhas, um lago cristalino e o céu imenso, ali o coronel Ludlow (Anthony Hopkins), vive com seus três filhos, Samuel (Henry Thomas), Alfred (Aidan Quinn) e Tristan (Brad Pitt).
O coronel se opõe à maneira cruel como são tratados os índios e se afasta da Cavalaria Americana, vivendo em sua fazenda em Montana. Sua esposa lhe deu três filhos mas não se adaptara à falta de conforto a que estava acostumada e abandonou-os no cenário selvagem. Era um lar masculino, onde os sentimentos não se expressavam facilmente. A falta do carinho de uma mãe era sentida.
O narrador da história é o índio Facada (Gordon Toutoosis) que mora ao lado do rancho, com sua mulher e uma filha mestiça adolescente.
Tudo vai mudar com a chegada da noiva de Samuel, Susannah (Julia Ormond), uma bela jovem morena. Ela vai ser a desculpa para o desentendimento entre os irmãos, fadados a amar a mesma mulher. Talvez o trauma do abandono da mãe os empurrasse para esse destino.
O certo é que a presença feminina muda o clima naquela fazenda. Susannah se entrosa e se diverte com os três. Toca piano, tira fotos, aprende a cavalgar e parece adorar ser o foco das atenções
Mas, quando estoura a Primeira Guerra, apesar da proibição paterna, Alfred diz que vai se alistar, Samuel também e Tristan promete que vai para cuidar dos irmãos.
O filme é um drama bem contado. É também uma história de um amor impossível, unindo os irmãos na discórdia e na sombra da ausência materna. Aqueles seres não parecem ter nascido para a alegria de um amor compartilhado. Algo trágico os impede de viver em paz. A desunião entre o pai e a mãe é um fantasma que os empurra para a infelicidade.
Tristan, o mais selvagem dos irmãos é caçador de ursos e tem o prazer de arrancar do peito os corações ainda quentes. Mas é capaz também de ser carinhoso e amoroso com os animais e com a indiazinha mestiça. Dele o índio Facada diz:
“- Algumas pessoas ficam loucas. Ou se tornam lendas.”
Samuel, o mais inseguro, confessa ao irmão Tristan que é virgem e teme não estar à altura da noiva. Tavez por isso é o primeiro a ir para a guerra.
Alfred, o mais ambicioso, vai ter uma vida aparentemente mais completa, sem se dar conta de um lado sombrio que existe numa pessoa próxima.
“Lendas da Paixão”, baseado num conto de 1979 de Jim Harrison tem intensidade dramática e não poupa as coincidências trágicas e os obstáculos perversos. É um filme de faroeste diferente dos outros, no qual o amor é o grande perigo. Não adiantou fugir dele. O amor veio cobrar suas dores de todos os personagens. Ninguém escapa às circunstâncias em que vive...

sábado, 4 de julho de 2020

Encontros e Desencontros



“Encontros e Desencontros”- “Lost in Translation”, Estados Unidos, 2003
Direção: Sofia Coppola

Tóquio é uma cidade que tem várias atrações. Nos hotéis a sofisticação, nas ruas de comércio de produtos caros pessoas “cool” desfilam vestes excêntricas, nos jardins a perfeição da natureza, o povo no metrô tão limpo e os restaurantes para todos os bolsos. As garotas coloridas e risonhas vestidas em quimonos são turistas também. Se você der sorte pode ver uma gueixa de verdade se for no bairro delas.
É nessa cidade bela e fria que chegam dois americanos que lá vão se encontrar. Talvez isso só fosse possível  em Tóquio que deixa o estrangeiro perdido e solitário.
Bob Harris (Bill Murray), um ator americano de uns 50 anos, veio fazer um comercial para o whiskey Suntory. Sonado, ele é recebido no Park Hyatt Hotel por um séquito de japoneses que se curvam e dão as boas vindas. Ele só quer dormir. Mas o pior é que o fuso horário é tão louco que ele não consegue.
E vai para o bar famoso do hotel. Mas está inquieto e quando dois sujeitos se aproximam para puxar conversa e dizem que são fãs dele, é a gota d’água. Volta para o quarto. São 4:20 da manhã. Chega um fax de Lydia, sua mulher.
Charlotte (Scarlet Johansson), muito jovem, loura e linda, também não consegue dormir. O marido, tão jovem quanto ela, ronca alto.
A hora de acordar chega e os dois desconhecidos estão no mesmo elevador. Ele nota a loura. Mas ela ainda não acordou direito.
O filme do whiskey é muito atrapalhado. O fotógrafo, jovem e estrelíssimo, grita em japonês e a tradutora não passa tudo que ele diz para Bob. Mas finalmente a coisa sai.
Charlotte não está bem. No templo budista que ela vai visitar, sozinha, porque o marido foi trabalhar, ela acompanha de longe uma noiva e um noivo num ritual no templo. Seu rosto expressa comoção com a cena. E tristeza.
No quarto olha a cidade pela janela, telefona chorosa para alguém que não tem tempo para consolá-la, espalha flores artificiais pelo quarto. Está perdida.
Os dois desconhecidos procuram um ao outro mas ainda não sabem. Até que, à noite, seus olhares se cruzam e ela sorri. É só o começo de algo que não é fácil de encontrar. Um homem mais velho e uma mulher bem jovem vão se aproximar para um encontro que vai preencher um lugar único na vida deles, apesar de tão pouco tempo juntos. Há uma compreensão e empatia instantâneas.
Sofia Coppola, 59 anos, era bem mais jovem quando escreveu, dirigiu e produziu esse filme, que lhe deu um Oscar de melhor roteiro original e um Globo de Ouro de melhor filme. Tinha 42 anos e “As Virgens Suicidas” de 1999, seu primeiro longa, tinha sido muito bem recebido. Depois vieram “Marie Antoinnete” 2006, “Um Lugar Qualquer” 2010 que ganhou o Leão de Ouro de Veneza, “Bling Ring” 2013, “O Estranho que Nós Amamos” 2017 e o novo filme “On the Rocks” 2020 que também tem Bill Murray.
Filha do cineasta Francis Ford Coppola (“Godfather”), ela tem uma família de diretores de cinema. A mãe Eleanor que fez sucesso com “Paris Pode Esperar” 2016 e Roman, o irmão de “Moonrise Kingdon” 2012.
“Encontros e Desencontros” no título em português e “Lost in Translation” no original, sugerem aquela comunicação entre seres humanos que é rara e sem grandes arroubos, nem sexualidade explícita. É bem mais do que isso e não pode ser posto em palavras. Está além. E é só deles dois. O que explica o sussurro final, só para ela ouvir.
Adoro.


quinta-feira, 2 de julho de 2020

The English Game



“The English Game”- Reino Unido, 2020
Direção: Brigitte Staermose e Tim Fywell

Em fins do século XIX aconteceu algo impensável até então. Um tradicional jogo inglês, o futebol amador, ganhou o mundo, tornando-se o popular esporte que todos conhecemos. Julian Fellowes, o criador de “Downton Abbey”, escreveu para esta série a história desse jogo, que era visto anteriormente apenas como um bom exercício para meninos.
Foi uma dura luta fazer o futebol do povo ter acesso a competições oficiais, com os times de trabalhadores, já que só eram considerados para a Copa da Inglaterra, os times da elite, que jogavam só por esporte.
Essa série da Netflix, que tem 6 capítulos, torna-se interessante porque o futebol é contextualizado. Vamos ver a diferença dos costumes do século XIX frente aos nossos e perceber valores ligados à classe social privilegiada que se traduziam em preconceitos inabaláveis.
Os ricos aristocratas gostavam do futebol e jogavam muito bem entre eles. Claro que não ganhavam nada com isso. Nem precisavam. Era um jogo de cavalheiros, não de gente do povo. Até isso mudar.
E já vou avisando. Se você não é fã de futebol não se deixe levar pelo pensamento que a série é chata. O autor escreve um roteiro que se interessa pela vida dos personagens fora do campo. Tanto os ricos quanto os pobres.
Assim, enquanto a elite morava em mansões rodeadas de belos jardins, frequentavam jantares sofisticados, com cristal, cerâmicas finas e talheres de prata, os operários chegavam em casa exaustos, depois de um dia de trabalho duro e mal tinham convivência com a mulher e os filhos. E era só nos fins de semana que tinham tempo para o futebol e as conversas depois no “pub” local. Havia um abismo entre o modo de viver dos da elite e o povo de trabalhadores.
Claro que as preocupações também eram totalmente diferentes e eram quase mundos à parte.
Tudo começou a mudar com a chegada em Windsor, perto de Londres e onde ficava a Universidade de Eton, dos personagens principais, Fergus “Fergie” Sutter e Jimmy Love, que realmente existiram. Fergie é considerado o primeiro jogador profissional de futebol da história, ou seja, ganhava para jogar e incrementar o time. Os dois começaram suas carreiras na Escócia, comprados depois para jogar nos times ingleses, Darwen e Blackburn, ambos de jogadores que eram operários.
Todas as histórias da série vieram da imaginação do criador porque, apesar das pessoas serem reais, sabe-se pouco sobre eles. O que se sabe é que, no começo, foi um escândalo saber que os dois ganhavam dinheiro para jogar.
Quem entendeu a necessidade dos jogadores operários serem pagos para jogar futebol nos times de trabalhadores foi um aristocrata da Universidade de Eton, Arthur Kinnaird (Edward Hulcroft, belo homem e bom ator). Ele se aproximou mais dos operários e viu como viviam. Isso não passava pela cabeça de sua família de banqueiros.
Kinnaird viu com seus próprios olhos que quem trabalhava duro durante a semana não tinha fôlego nem tempo para se exercitar e realmente jogar dentro do campo. Ele entendeu que para ser um jogo com resultados justos, todos deveriam ter a mesma oportunidade.
Quando a Associação de Futebol da Inglaterra, com Kinnaird como presidente, admitiu e aceitou a profissionalização, os jogadores passaram a ser disputados pelos times. Para isso as regras tiveram de ser mudadas em 1885 e nenhum time de amadores ganhou a Copa da Inglaterra depois disso.
aram a ser disputados pelos times. Para isso as regras tiveram de ser mudadas em 1885 e nenhum time de amadores ganhou a Copa da Inglaterra depois disso.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Destacamento Blood



“Destacamento Blood”- “Da 5 Bloods”, Estados Unidos, 2020
Direção: Spike Lee

O genial diretor negro faz seu novo filme retratar o problema do racismo de maneira exemplar. Usa a Guerra do Vietnã como cenário, de 1965 a 1973, anos da participação americana, com o discurso do anticomunismo. Apoiavam o sul contra o norte do Vietnã. Os números dos mortos entre os negros eram escandalosos: 34% do exército era de negros na época que representavam 11% da população americana.
No começo vemos nomes famosos, líderes do movimento de direitos civis como Muhammad Ali, numa entrevista, chamando a atenção sobre o absurdo da guerra no Vietnã e o porquê de não se alistar: “...nunca me fizeram mal, nem me atacaram com cães nas ruas...” Depois Malcom X: “...os pretos cortaram algodão por 20 anos sem nenhuma paga, algum dia essas pessoas vão se voltar contra vocês”. E Angela Davis em 1961 enche a tela lembrando para todos nós o “Black is Beautiful”.
E lá do outro lado do mundo, monges se queimavam pela paz. Soldados morriam e matavam a população civil também. E um general vietnamita do Vietnã do sul, aliado dos americanos, dá um tiro na cabeça de um homem que cai morto na frente da câmera. E o horror no filme mostrando crianças desesperadas correndo com o corpo queimado pelo napalm. Saigon cai em 1975 e os refugiados do sul superlotam balsas.
Décadas depois chegam os “Bloods” em Ho Chi Min City, antiga Saigon. Esse nome não é familiar para nossas plateias. Trata-se de gangues violentas de Los Angeles, que usam a cor vermelha.
No hall do hotel se reúnem com alegria os quatro soldados americanos negros que lutaram juntos sob o comando do sargento “Stormin’ Norman”, que morreu na guerra. O número 5 do título do filme.
A razão da viagem era a recuperação do corpo do sargento, autorizados pelos americanos, para ser sepultado em Arlington. Bem, essa era a missão oficial. Mas por trás dela havia um segredo bem guardado: o ouro da CIA destinado a pagar os vietnamitas do sul.
O diretor insere filmes reais da guerra em preto e branco e faz flashbacks dos enfrentamentos em que participaram os quatro atores e não muda o visual deles. Talvez para mostrar que são lembranças onde o único que morreu aparece jovem. O ouro foi enterrado para ser resgatado por eles depois da guerra.
Assim Melvin (Isiah Whitlock Jr), o médico Otis (Clark Peters), Eddie (Norm Lewis) e Paul, o líder “cabeça quente” (Delroy Lindo, ator espetacular), se abraçam e fazem piadas, intimamente antecipando o tesouro enterrado.
De improviso chega no hotel o filho de Paul, David (Jonathan Majors), preocupado com o pai, que não gosta da presença dele.
“- Norman era uma religião para seu pai”, diz Otis para David que conta que o pai está perturbado e violento. Em pesadelos grita o nome de Norman.
Combinam ir com um guia vietnamita até certo ponto e depois seguir sozinhos. Claro, o segredo do tesouro era crucial. Tinham mapas e localizador de metais. Mas não antecipavam os perigos que teriam que enfrentar.
Hedy (Melanie Thierry) uma francesa de uma ONG, diz para David:
“- As guerras levam muito tempo para acabar. Não vê as minas terrestres ainda matando gente? E as bombas? “
Paul se destaca como o mais desequilibrado e traumatizado. Ele vai fazer uma viagem interna para um passado que quer esquecer mas não consegue. Seus demônios internos aparecem e ele vai sofrer uma catarse necessária, numa belíssima cena.
O filme de Spike Lee tem diversas camadas de entendimento e referências a filmes como “Apocalypse Now”, com “As Valquírias” de Wagner e o helicóptero negro contra o disco vermelho do sol, por exemplo.
E o belo som das canções de Marvin Gaye.
O filme termina com o discurso de Martin Luther King que foi também lembrado nas manifestações em torno ao assassinato de George Floyd por jovens do mundo todo contra o racismo e a violência.
“Black Lives Matter” porque “All Lives Matter”.

quarta-feira, 24 de junho de 2020



“Coisa Mais Linda”- Segunda Temporada, Brasil 2020
Direção: Caito Ortiz, Hugo Prata e Julia Rezende

Quem viu a primeira temporada de “Coisa Mais Linda” estava esperando ansiosamente pela segunda. Mas o vírus atrapalhou a produção e a série só estreou a segunda temporada agora, um ano e três meses depois. Mas valeu a espera.
“Coisa Mais Linda” que conta a história de mulheres jovens no Rio de Janeiro nos anos 59 e 60, discute temas atuais mas que na época eram tabu. Eu diria até que a série ganha atualidade porque tais temas ainda não foram digeridos pela cultura.
Assim, a violência contra a mulher, o machismo, o aborto, o racismo, a desigualdade de salários, estão ainda mal resolvidos entre nós. Em 1960, que é o momento da segunda temporada, as questões das personagens giravam principalmente em torno da falta de liberdade da mulher numa sociedade que a queria submissa, cuidando do lar, marido e filhos.
Trabalhar nem pensar se ela tinha marido para cuidar dela. As solteiras que procurassem um bom partido, porque não eram vistas com bons olhos. E desquitadas não frequentavam as boas famílias.
Se bem que o dito acima era para mulheres de classe média alta, não para aquelas que moravam no morro ou nas periferias. Essas trabalhavam muito, eram mal pagas e ainda tinham que dar conta da casa, marido e filhos. Infelizmente esse cenário não mudou.
Na última cena da primeira temporada vimos, com horror, Ligia (Fernanda Vasconcellos) ser assassinada por seu marido louco de ciúmes (Gustavo Vaz), que também atira em Malu (Maria Casadevall).
Daí a nossa surpresa quando a primeira imagem mostra Ligia convidando Malu a nadar com ela. Estão na praia e o dia está lindo. Malu aflita diz que não quer ir mas Ligia vai. O sonho foi a maneira de Malu mostrar que não queria morrer. Ela volta de um longo coma para a vida. Arrasada com a perda de sua melhor e mais antiga amiga.
As outras também estão abaladas. O luto não está sendo fácil, especialmente para Malu que sobrevivera.
Mas outra surpresa desagradável vem chacoalhar a vida de Malu. Pedro (Kiko Bertholin), o marido sumido aparece sem mais aquela. E se dizendo dono do “Coisa Mais Linda”. Lembram que ela falsificara a assinatura dele? Naquele tempo só o marido podia assinar a escritura.
Nessa segunda temporada vamos ver nossa meninas lutando para enfrentar obstáculos e crescer. Sem perder a pose nem a formosura.
Adélia (Pathy Dejesus) vai sofrer com dúvidas de amor e, pior, testemunhar o racismo expresso, envolvendo sua filha pequena.
Ivone (Larissa Nunes), irmã de Adélia, vai ser desafiada a realizar um sonho. Ela é a nova integrante do círculo das amigas e Malu vai protegê-la sob suas asas.
Thereza (Mel Lisboa) vai se separar de Nelson (Alexandre Cioletti) e partir para outras aventuras porque ela nasceu para brilhar.
A americana Heather Roth é a roteirista talentosa e três diretores se revezam nos capítulos: Caito Ortiz, Hugo Prata e Julia Rezende. Os figurinos, um dos maiores acertos da série, são de Veronica Julian. Móveis de época compõe um cenário charmoso. E grandes vistas do Rio de Janeiro mostram que a cidade é mesmo maravilhosa.
Pelo jeito vamos ter a terceira temporada. Já estou ansiosa para continuar a acompanhar a vida dessas moças que me conquistaram.