terça-feira, 30 de julho de 2019

A Última Loucura de Claire Darling



“A Última Loucura de Claire Darling”- “La Dernière Folie de Claire Darling”, França, 2018
Direção: Julie Bertuccelli


Nas primeiras cenas do filme já fica claro que a menina Marie precisa mais da mãe do que a mãe dela. Mas Claire, a mãe, compreende que um pouco de carinho é necessário, principalmente porque já se sente culpada. Ela vai sair e deixar a filha sozinha.
E o carinho dela é tirar o relógio com o elefante da sala e colocar no quarto da menina. Como companhia ela terá o tempo, as engrenagens do relógio, o barulho das horas e minutos e a preciosa tromba que se mexe, dando vida àquela peça original.
Este é o prólogo.
Mas já é dia. Quem é aquela na cama? Marie? E, mais intrigante ainda, porque ao acordar ela fala com evidente irritação:
“- Mas afinal quem é você?”
Os personagens que visitam Claire em sonhos vão desfilar ao longo do filme. Uma vida passada a limpo em 24 horas? Não. Mas vamos ver com ela o que ficou na memória, vivido, sonhado ou alucinado por essa colecionadora que tem uma casa linda, recheada de objetos, os mais diversos, mas todos preciosos.
Acontece que Claire teve uma intuição de que aquele seria seu último dia de vida. Por isso ela decide esvaziar a casa e vender, aliás quase doar, suas preciosidades porque não vai poder levar nada para onde vai.
O filme parece ser uma mistura de sonho e realidade. Existem os objetos, existem os mortos e os vivos que ela não vê há muito tempo. E existem as recordações.
Marie, a filha que abandonou a casa ao ser acusada de ladra, vai voltar porque uma amiga se preocupa com o que está acontecendo com Claire.
O filme se baseia no livro de Linda Rutledge, “Faith Ben Darling’s Last Garage Sale” e a diretora se diz uma colecionadora como a personagem Claire. Ficou encantada com o livro e escolheu mãe e filha de verdade para ser Claire (Catherine Deneuve, sempre uma presença magnífica) e Marie (Chiara Mastroianni).
Vamos ver as duas em diferentes fases da vida interpretadas por Alice Taglioni, que faz Claire jovem mãe e Colomba Giovanni que é Marie menina.
Como quase tudo é um sonho ou alucinação, nos atrapalhamos até entender que os personagens que se cruzam são elas, em diferentes tempos de vida. Aliás, nem ficamos sabendo direito o que é verdade e o que não aconteceu mas foi sonho ou pesadelo de Claire.
Há belas cenas na floresta à noite, o desfile das noivas, as bicicletas nas árvores e o tesouro de Marie.
Tudo se passa na fronteira entre o que é vivido e lembrado e muitas vezes distorcido pelas engrenagens da memória, que parece ser a doença de Claire.
Não importa. É um filme sobre mãe e filha e tudo que aconteceu quando sumiu um anel que era um amuleto de felicidade.
E o filme termina com a cena da explosão silenciosa, bela metáfora para o fim da vida.
Um filme poético.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

O Mistério do Gato Chinês



“O Mistério do Gato Chinês”- “Kukai”, China, Japão, Hong Kong
Direção: Chen Kaige


Uma bela mulher, pele muito branca e envolta em sedas, está à beira do lago em seu jardim quando um misterioso gato negro se aproxima e fala com ela. Pede o que ela come e, como agradecimento, indica o lugar de um tesouro enterrado. Moedas de ouro.
Quando ela volta ao lago, depara-se com um peixe ensanguentado, ainda vivo e sem os olhos.
“Que gato estranho”, pensa a mulher, “fala e come só olhos...prometeu voltar.”
À noite, mostra para o marido, chefe da guarda imperial, seu tesouro. Mal sabem eles que esse foi o primeiro passo de uma vingança que vai atingir muita gente. Estamos no século 8, no reinado do Imperador Dezong, da dinastia Tang, em Chang’an.
O Imperador está doente, não come nem dorme há muitos dias. É chamado para atende-lo o especialista em exorcismos, o monge japonês Kukai (Shota Sometani) que estava na capital em visita, para estudar textos budistas.
“- O Imperador tinha um gato preto?” pergunta o monge ao escrivão e poeta da corte Bai Zahian (Huang Xuan).
“- Não que eu saiba” responde ele.
O monge lamenta mas não pode salvar o Imperador.
Agora juntos, o monge e o escrivão e poeta vão tentar esclarecer o mistério. Kukai está certo de que há um gato negro envolvido na morte do Imperador. Encontrou seu pelo junto ao morto.
Nessa tarefa complicada os dois terão que entender o que aconteceu há 30 anos atrás no reinado do Imperador Xuanzong. Vão se envolver em um enigma que terão que decifrar.
Sabe-se que o Imperador tinha como favorita uma mulher deslumbrante e muito bondosa. Certamente Lady Yang está no centro dessa história que envolve intrigas palacianas, ciúme e inveja, estratagemas mágicos, reviravoltas, misericórdia, injustiça e um grande amor.
Uma aventura extraordinária espera o monge e o poeta, num mundo de ilusão.
Beleza e opulência, com um toque “kitsch”, vão agradar as plateias do novo filme de Chen Kaige, 69 anos, da 5ª geração de diretores de cinema chineses. Ele ganhou a Palma de Ouro em 1993 em Cannes, com seu filme “Adeus Minha Concubina”, que acompanha a história da Revolução Cultural na China através de uma companhia de ópera.
“O Mistério do Gato Chinês” tem cenas belíssimas com acrobatas, fogos de artifício, danças e a espetacular Lady Yang (Sandrine Pinna), que encanta a todos e desperta paixões.
Mesmo que um pouco confuso, pelos muitos personagens, o filme vale ser visto principalmente pelos cenários admiráveis, que levaram seis anos de trabalho e custaram 154 milhões de dólares. E hoje são um parque temático para o público.
Belo filme.


sábado, 27 de julho de 2019

Ted Bundy - A Irresistível Face do Mal



“Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal”- “Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile”, Estados Unidos, 2018
Direção: Joe Berliner

Os adjetivos que servem para descrever Theodore  Robert Bundy parecem não pertencer à mesma pessoa. Ele é bonito, charmoso, atraente, brilhante mas também extremamente mau, chocantemente diabólico e vil. Também não tem remorsos e nem sentimento de culpa pelos atos criminosos que cometeu. Fascinava suas vítimas seduzindo com facilidade crianças, mulheres e homens.
E isso acontece porque a personalidade de um psicopata apresenta uma dissociação que faz ver sómente uma de suas faces, a que ele quer mostrar. 
Muito se discute entre os especialistas sobre como distinguir a psicopatia de outros transtornos da personalidade, mas uma coisa é certa. Ele é uma pessoa que se esconde atrás de uma máscara para ser aceito. A falsidade é uma característica que não pode faltar. E tem que ser ousado ou seja, capaz de enfrentar riscos que outra pessoa evitaria. Ele é audacioso.
Zac Efron faz o personagem da vida real, Ted Bundy, com talento e compreensão do que seria esse homem que ele interpreta na tela.
Lily Collins é Liz Kendall que conhece Ted Bundy num bar de faculdade em 1969 e se sente imediatamente atraída por ele e ele por ela.
Liz é secretária e mãe solteira e tem uma vida monótona. Esse homem atraente que não a trata como uma pessoa invisível, que é como ela se vê, vai ser sua perdição.
Inclusive Liz vai ter muita dificuldade de aceitar que é ele mesmo, o homem dos seus sonhos, o “serial killer” que finalmente é desmascarado.
Enquanto estava com Liz, Ted continuou a ser ele mesmo, ou seja, um psicopata. O que assusta e até confunde, é que ele não a maltratou e foi bom com a filha pequena dela. Embora mentisse o tempo todo.
Pelo menos ela não conta nada disso no livro que serve de base para o filme, escrito em 1981, “The Phantom Prince – My Life with Ted Bundy”.
Ted dizia que a amava e queria sua presença nos julgamentos. Foi ela que se esquivou e não atendia os telefonemas dele. Mas tinha que beber para sufocar a mágoa e até poder não pensar que o sonho dela era o pesadelo de outras mulheres como ela. Por que foi poupada?
Será que esse lado carinhoso dele era falso também? Talvez esse lado de Ted era como um oásis num imenso deserto. Era ele também. E aparecia com Liz. Ninguém é totalmente mau.
Um personagem real é o juiz interpretado com astúcia por John Malcovitch, que dá a sentença final a Ted Bundy, lamentando o desperdício de humanidade, brilho e inteligência na vida de Ted, que poderia ter sido um ótimo advogado mas perdeu-se e seguiu por um caminho perverso e vil.
Talvez a fascinação que ele exercia, e que é regra em todo psicopata, seja o espelhamento de nossa parte perversa, controlada por um bom superego mas, ainda assim, fascinada com a liberdade que essas pessoas tem de fazer o mal e se deixar levar pelo prazer de dominar e matar.
O filme não explora imagens chocantes mas avisa que essas pessoas estão entre nós.


Uma Lição de Amor




“Uma lição de Amor”- “i am sam”, Estados Unidos, 2001
Direção: Jessie Nelson

A imagem do pai de primeira viagem olhando encantado para a filha bebê já nos comove. E mais ainda quando ele a chama de Lucy Diamond Dawson, por causa da música dos Beatles, de quem ele é fã. Ouvimos a canção identificados com a emoção de Sam (Sean Penn, indicado ao Oscar por esse papel).
A mãe que engravidou porque queria um teto para a sua cabeça e seduziu Sam, foge correndo das suas responsabilidades na porta do hospital.
E lá vai ele no ônibus com a bebê no colo. A essas alturas já percebemos que Sam tem um retardo mental. E sentimos preocupação. Mas, pensando bem, ninguém nasceu sabendo ser pai ou mãe de um recém nascido. Isso inclui Sam e o resto de nós.
Felizmente Annie (Dianne Wiest), a vizinha, dá as primeiras dicas para Sam. E ele aprende, movido pelo amor que brilha em seus olhos, quando sussurra para Lucy, trocando a fralda:
“- Você está linda!”
E Sam leva a filha por onde ele vai. No trabalho, nas compras de super mercado, nos passeios no parque e às vezes a deixa com a vizinha, que não sai de casa porque é agorafobica, isto é, tem medo de espaço abertos.
Lucy cresce e chega a idade das perguntas:
“- Pai, Deus quis que você fosse assim ou foi um acidente?”
“- O que você quer dizer?”
“- Você é diferente. Mas você e eu somos sortudos, Nenhum outro pai vai no parque com a filha.”
Há em Lucy um cuidado com o pai que é comovente. Na escola ela aprende com muita facilidade a ler mas quando percebe que o pai não consegue ler palavras difíceis, ela sugere que voltem ao primeiro livro, na hora de dormir, quando o pai lê historias toda noite para ela.
Assim, o desenho que faz de si mesma na escola mostra Lucy (Dakota Fanning, uma graça) enorme e feliz, de mãos dadas com um pai menor que ela.
Mas a assistente social se preocupa com Lucy e quando Sam é preso por um mal entendido, aparece a chance de questionar se ele pode ficar com a filha ou se é melhor para ela ser adotada por uma boa família.
Entra em cena Rita (Michelle Pfeiffer), que é uma advogada brilhante que não quer fazer feio diante do pessoal do escritório dela e aceita defender Sam “pro bono”, ou seja, de graça.
Mas então há um dilema que o filme não discute em profundidade. Se por um lado Sam se mostra à altura de educar Lucy e tem um amor irrestrito de pai para dar a ela, atenção cuidadosa, tempo de dedicação e até mesmo esforço para ganhar mais para que Lucy possa crescer  saudável e amada, há um preconceito contra ele. Haverá situações que ele não vai dar conta? Ele vai passar a ser um peso para Lucy?
O filme tem um final aberto e mesmo que a própria Lucy diga para os que querem tirar ela do pai tão amado: “All I Need is Love!”, o público pode se imaginar no lugar de Sam e Lucy e refletir sobre a melhor solução para eles.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

O Rei Leão



“O Rei Leão” - “The Lion King”, Estados Unidos, 2019
Direção: Jon Favreau


Deslumbrante. É o mínimo que se pode dizer do remake da animação de 1994, uma das melhores da Disney de todas as épocas. E, por isso mesmo, foi sábia a decisão do diretor Jon Favreau de respeitar a história e  se concentrar nos atores que dublam os personagens e no
“foto realismo” ou o que seja essa fusão de técnicas que faz com que os animais e a natureza ganhem uma vida que parece real.
Na apresentação da Pedra do Rei, que inicia o filme, com todos os animais indo celebrar o nascimento do herdeiro do reino, que beleza o desfile das zebras, girafas, elefantes, guepardos, flamingos, impalas e muitos mais.
E o leãozinho nos braços do feiticeiro babuíno tem uma graça que só os filhotes possuem.
Tudo isso já mexe com o coração dos amantes dos animais. Porque parecendo reais, os animais da África da Disney ganham maior proximidade com as crianças e os adultos que gostam dos documentários do “Animal Planet”.
E passa imediatamente com empatia, de um jeito que comove, a mensagem ecológica de proteção aos animais, tão necessária nesses dias que vivemos com gente querendo matar animais e queimar florestas.
O nascer e o por do sol ganham cores e dimensões magníficas. E as paisagens africanas são de uma beleza incrível, inspiradas em fotos de lugares que realmente existem no continente africano. Uma viagem no cinema.
A história todo mundo conhece. Simba (nas vozes de JD McRay e Donald Glover) é o herdeiro do reino de seu pai, o sábio rei Mufasa (Earl Jones, o mesmo que dublou o rei em 1994, a mesma majestade) e de Sabi, a rainha (Alfre Woodward). Atraiçoado por Scar (Chivetel Egiofor), seu tio, Simba pensa que matou o pai, por acidente, e vai viver no exílio obedecendo ao mau conselho de seu tio.
Por sorte encontra o javali Pumba (Seth Rogers) e o suricato (Billy Echner), o Timon, dois personagens divertidos e simpáticos, que tiram Simba da depressão.
Lá nesse canto escondido da floresta reina a alegria de viver e existe amizade entre todos os animais. Todos respeitam a filosofia do “Akuna Matata” ou seja, viver sem preocupações.
Mas claro que um dia Simba vai voltar e vencer o tio Scar e suas hienas. E evidentemente, casar com Nala (voz de Beyoncé).
As músicas são ótimas, as mesmas da animação dos anos 90, da autoria de Elton John e Tim Rice, com exceção de uma só. A mais popular é “The Lion Sleeps Tonight” que ganha um belo cenário noturno de estrelas no céu.
Em 1994, “O Rei Leão” ganhou o Oscar de melhor trilha sonora e melhor canção (“Can You Feel the Love Tonight).
Prêmios virão para essa nova versão do “Rei Leão”, acerto em beleza, talento e mensagem.


sábado, 20 de julho de 2019

Atentado ao Hotel Taj Mahal



“Atentado ao Hotel Taj Mahal”- “Hotel Mumbai “, Austrália, Índia, Estados Unidos
Direção: Anthony Maras

A Índia conseguiu sua independência da Inglaterra em 15 de agosto de 1947 mas um alto preço em vidas foi cobrado por decisões geopolíticas erradas. Hindus e muçulmanos que conviviam no país foram obrigados a habitar países diferentes devido à partição do território em dois, Índia para os hindus e Paquistão para os muçulmanos. Muito depois surgiria a outra divisão que criou Bangladesh.
Um banho de sangue marcou a data e ainda não parou de jorrar. Nunca mais houve paz nessa região. O filme “Hotel Mumbai” é um triste exemplo.
Começa mostrando um barquinho com os10 jovens muçulmanos a bordo chegando à terra, a cidade de Mumbai em 26 de novembro de 2008.
Ainda no barco um celular tocara e o líder Bull dera instruções aos rapazes que levavam metralhadoras e granadas em suas mochilas.
Vários pontos de Mumbai foram atacados mas o filme se concentra na invasão do hotel, que foi inaugurado em 16 de dezembro de 1903, e que é um patrimônio da cidade, tendo o Portal da Índia, monumento histórico, à sua frente.
O roteiro baseou-se no documentário “Surviving Mumbai” e foi escrito pelo diretor Anthony Maras e John Collee.
Os rapazes paquistaneses eram membros da milícia islâmica Lashkar-e-Taiba. Sentimentos de ódio aos indianos, ficam claros já no começo do filme, quando o líder fala pelo celular para todos ouvirem:
“- Irmãos! Olhem o que eles roubaram de nós!”
Ao fundo, o perfil da cidade que brilha ao sol.
Assim, quando a invasão do Taj Mahal começa, os primeiros alvos dos quatro terroristas, que entraram em meio à confusão promovida pelos outros ataques, são os indianos e depois os ocidentais ricos cujas mortes chamariam a atenção do mundo inteiro.
Acompanhamos a noite de terror e pânico do casal David (Armie Hammer) e sua mulher Zhara (Nazanin Boniadi), indiana muçulmana, com seu bebê de colo e a babá (Tilda
Cobhan-Harvey).
Os funcionários do hotel protegeram os hóspedes e foram os mais perseguidos pela fúria das metralhadoras, atirando sem parar. O garçom Sikk, Arjun (Dev Patel), que usa turbante por causa de sua religião e o Chefe da cozinha Hermant Oberoi (Anupam Kher), um personagem real, foram verdadeiros heróis.
Ao final, com quase 100 mortos e muitos feridos, ficamos emocionados ao saber que a metade dos mortos era de funcionários do hotel que fizeram de tudo para salvar os hóspedes, à custa de suas próprias vidas.
E mantiveram a tradição do Taj Mahal, através do Chefe Oberoi, que abriu um dos restaurantes em três semanas. A restauração do hotel levou 21 meses e continua sendo um cartão postal de Mumbai.
Um filme violento, com muito suspense e que conta uma história que aconteceu de verdade por causa de uma vingança que marcou a vida dos dois povos, hindus e muçulmanos. O Mahatma Gandhi muito lutou para que vivessem juntos e em paz na Mãe Índia. Em vão. Venceu o ódio.


quarta-feira, 10 de julho de 2019

A Árvore dos Frutos Selvagens





“A Árvore dos Frutos Selvagens”- “Ahlat Agaci”,Turquia, França, Alemanha, Bulgária, 2018
Direção: Nuri Bilge Ceylan


Recém chegado em sua aldeia natal, formado professor, a profissão de seus pais, Sinan (Aydin Dogu Demivkol) recebe más notícias. O pai dele deve dinheiro e não pagou. O homem diz que até aceitaria o cão de caça dele para saldar a dívida, mas não houve acordo. Idris (Murat Cemcir) é viciado em apostas e pelo jeito só piorou, pensa o filho aborrecido. Tudo continua igual.
Mas a preocupação maior de Sinan é arranjar dinheiro para publicar o livro que escreveu. Visita alguns possíveis patrocinadores, mas percebemos que Sinan entra em discussão com essas pessoas e sai sem o dinheiro que queria.
Um encontro no campo, em meio a folhagens estremecidas pelo vento, com o sol filtrado pelas folhas verdes da árvore antiga, parece que vai amansar Sinan.
Nada feito. A bela Hatice vai se casar, apesar de sonhar com outras cidades, ruas cheias, boa comida e navios, noites de verão e paixão.:
“- Tudo está tão longe,,,”
E a moça se vai depois de um beijo mordido.
Ruptura e separação estão à espreita para destruir coisas belas, pensa Sinan.
Em casa o clima é de briga e Sinan não tem vontade de estudar. Vai prestar o exame para um concurso público mas não tem esperança de conseguir uma das disputadas vagas.
“- São 300.000 professores desempregados”, diz para o pai.
Existe uma postura de resignação pelos sonhos não realizados. A mãe de Sinan fala do pai na juventude deles, bonito e exímio com as palavras. Agora tem que cuidar do dinheiro para que ele não gaste tudo em apostas:
“- Mas eu me casaria com ele mesmo assim, se pudesse voltar ao passado e escolher novamente.”
Ouve-se um tema musical nostálgico em algumas cenas. As pessoas mais velhas ainda vivem como sempre viveram mas os jovens estão irritados e decepcionados.  A alternativa para os desempregados é a polícia ou o exército.
Um sonho de Sinan mostra ele fugindo por ruas estreitas e acabando dentro de um cavalo de Tróia. Tudo leva a um engano?
Numa visita à casa dos avós com o pai que teima em furar um poço num local tido como seco há milênios, Sinan encontra algo que vai vender para publicar seu livro. Um meta-romance responde ao escritor local que também acaba brigando com ele por causa de seu jeito arrogante.
“- Será que vão gostar do meu livro? A verdade nem sempre é popular”, diz para a mãe que recebe o primeiro exemplar, com uma dedicatória carinhosa.
“Sono de Inverno” deu a Palma de Ouro ao cineasta turco Nuri Bilge Ceylan, autor de filmes poéticos, diálogos inteligentes e  natureza belamente fotografada. Ao longo das três horas de filme, “A Árvore dos Frutos Selvagens”, título do livro do personagem principal, ele faz o público viajar para a Turquia rural e reconhecer-se nos seus personagens tão humanos.
Imperdível para cinéfilos.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Graças a Deus


“Graças a Deus”- “Grâce à Dieu”, França, Bélgica, 2018
Direção: François Ozon


Premiado com o Urso de Prata, o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim 2019, o diretor e roteirista François Ozon, 51 anos, de filmes sempre interessantes, como “Dentro de Casa” 2012, “Jovem e Bela” 2013, “O Amante Duplo” 2017, faz aqui um quase documentário dramático sobre um fato recente acontecido em Lyon, França.
Causou escândalo por se tratar do caso de um padre pedófilo, Bernard Preynat (Bernard Valey), que assediou mais de 70 crianças, quando chefiava o grupo de escoteiros ligado à sua paróquia. Pior, quando os pais das vítimas se revoltaram contra a conduta do padre Bernard, o Cardeal Barbarin tomou conhecimento do caso e não puniu o sacerdote culpado.
Através do primeiro que resolve abrir a boca para contar esse segredo da infância, Alexandre (Melvil Poupaud), 40 anos, pai de família com cinco filhos, católico praticante, toda uma série de vítimas do mesmo padre resolve também se juntar numa associação, a Palavra Livre.
Mas demorou para isso acontecer porque Alexandre queria que o padre Bernard fosse punido pela própria Igreja. Quando percebeu que suas cartas ao Cardeal Barbarin não tiveram nenhuma repercussão mais séria, sendo que esse padre continuava a exercer o ministério sacerdotal rezando missas, resolve mudar de atitude e apelar para ajustiça dos homens.
São três as vítimas sobre as quais a câmera de Ozon se debruça: Alexandre, François e Gilles. Quando aparece Emmanuel (Swann Arlaud), um dos que mais sofreu com as sequelas do assédio do padre, podemos avaliar com mais precisão as consequências desse acontecimento para um homem que nunca conseguiu levar uma vida normal, apresentando distúrbio psiquiátricos graves.
O caso de pedofilia envolvendo meninos pequenos vai mexer no futuro com a culpa, que martiriza a consciência moral desses homens. Pelo menos dois deles assumiram abertamente que, quando crianças, sentiam orgulho de serem os preferidos do padre.
É também importante notar como alguns dos pais e mães se ressentem do fato dos casos envolvendo os filhos virem a público e assim envergonharem o nome da família.
A solidariedade com as vítimas de assédio, inclusive na própria família nem sempre acontecem. Por isso o silêncio impera e perpetua os crimes.
O título do filme vem de uma frase do Cardeal Barbarin, numa entrevista à imprensa, quando ocorre um ato falho e ele diz:
“- Graças a Deus a maioria desses casos está prescrito.”
O filme é necessário para a tomada de consciência da população e não se coloca contra a Igreja Católica mas contra a falta de punição dentro da própria Igreja.
Aliás o Papa Francisco não faz segredo de que é da opinião que esses padres criminosos, por assédio ou outros crimes, devem ser julgados também pela justiça comum e de maneira nenhuma devem ser acobertados.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Homem-Aranha : Longe de Casa



“Homem-Aranha: Longe de Casa”- “Spider-Man: Far From Home”, Estados Unidos, 2019
Direção: Jon Watts

Já começo com um aviso. Não percam o trecho final do filme, com duas cenas no meio dos créditos finais. Sabe aquela hora que todo mundo se levanta no escuro? Vale esperar.
E talvez quem não está a par da saga dos “Avengers (“Vingadores”) precise saber que os super-heróis mostrados na homenagem do jornal de TV, no início do filme, morreram no último episódio. Mas não importa. A história é sobre o Homem-Aranha.
Dito isso, o garoto Peter Parker está querendo tirar umas férias com seus colegas de classe. Quer fazer uma viagem à Europa sem ter que correr para enfrentar um malfeitor.
Sabemos que ele era um menino normal que, de repente, picado pela aranha do laboratório, se vê com superpoderes. No começo ele estava ansioso para usar a roupa que o Iron Man (Homem de Ferro), Tony Starks, tinha dado para ele, como seu mentor. Com Starks também morto, quem protege agora o Aranha é Happy (Jon Favreau), que parece ter um caso com a Tia May (Marisa Tomei), com quem Peter mora.
Essas férias seriam por conta do medo das responsabilidades pesadas demais para um jovem de 16 anos? Pode ser. Mas pode ser também que a culpada por essa atitude do Aranha e que faz de conta que não sabe de nada, seja MJ, na pele de Zandaya (capa da Vogue americana de junho).
Já no avião, surge um par inesperado. Ned (Jacob Batalon) se encanta com a lourinha e o Aranha só de olho na mocinha que ele quer conquistar, com jeito de brava.
Seu plano romântico é declarar-se no alto da Torre Eiffel, em Paris.
Mas os projetos do coração encontram um obstáculo já na primeira parada do avião, Veneza.
Eis que aparece Nick Fury (Samuel L. Jackson) que conta ao Aranha sobre criaturas terríveis, os Elementais, que estão destruindo várias cidades pelo mundo. Em Veneza, quem enfrentara a criatura e venceu, fora o recém chegado de outra dimensão, Quentin Beck (Jack Gyllenhaal). Chamado de Mystério pelos italianos, vestido com capa e armadura, caiu nas graças de Nick Fury que pede que o Aranha o ajude.
Tom Holland, 23 anos, está sempre muito bem como o Homem-Aranha. Magrinho, mas com músculos delineados, ele parte para encarar suas responsabilidades de salvar o mundo de perigos mas não quer que seus colegas de classe descubram quem ele é. 
Ned já sabe e, dessa vez, mais gente vai ficar sabendo do seu segredo.
Os efeitos especiais são perfeitos e as lutas são aquelas de sempre. Visualmente atraentes a briga com os drones e a cena do pouso do avião no campo de papoulas.
“Homem-Aranha: Longe de Casa” vai agradar quem é fã e também quem não gosta muito do gênero. Porque esse filme da Marvel tem um belo roteiro com reviravoltas, fugas estratégicas, humor e romance. O melhor filme do Homem-Aranha? Tem gente achando que sim.


quarta-feira, 3 de julho de 2019

Boas Intenções



“Boas Intenções”- “Les Bonnes Intentions”, França, 2018
Direção: Gilles Legrand

Boas intenções justificam muita coisa. É o caso de Isabelle (Agnès Jaoui, ótima), uns quase 50 anos, que trabalha num centro social.
Um senhor idoso, cercado de outros imigrantes como ele a saúda:
“- Mon Soleil! (Meu Sol)”
Ela leva uma sacola com roupa para vestir aquelas pessoas que nada tem.
Isabelle é culta, poderia fazer outra coisa mas escolheu ser professora de francês num curso gratuito.
Ela não precisaria trabalhar. Mora num belo apartamento com o marido que conheceu durante a guerra da Bósnia com quem tem dois filhos, Zoé e Paul, 17 e 14 anos.
Parece que ela não fica muito tempo em casa e por isso o marido e os filhos a censuram. Dizem que ela dá mais atenção aos estrangeiros do que a eles. E é verdade.
Quando conhecemos sua avó, no hospital onde Isabelle vai visitá-la, compreendemos que algo dessa avó há nela, já que durante a guerra ela trabalhou na Cruz Vermelha.
Mas em Isabelle há demasia em sua dedicação aos outros, os desconhecidos. Com a própria mãe as relações não são afetuosas e ela é vista como menos merecedora de elogios que o irmão que tem sucesso em seu hotel.
Excêntrica, meio atrapalhada, muito louca?
Eu diria que ela é filha de uma mãe  problemática, que não consegue externalizar afetos e a doação exagerada de sua pessoa para desconhecidos é quase um insulto inconsciente que Isabelle faz à mãe.
Talvez exista em Isabelle uma parte “imigrante”, carente de calor, afeto, identidade. E sem se conhecer direito, Isabelle atua essa parte mendicante, ajudando nos outros a si mesma.
Mas essas organizações internas conturbadas não dão muito certo. E Isabelle começa a perceber isso quando se compara com a alemã Elke, outra professora de francês, que trabalha no mesmo centro social:
“- É difícil conviver com você. Você faz tudo de um jeito tão melhor do que os outros!”, reclama sorrindo para a ex rival, que faz uma massagem para que Isabelle relaxe um pouco.
O fato é que o filme fala sobre esse tema tão polêmico no mundo de hoje, a imigração, de um jeito divertido, já que se propõe a ser uma comédia.
Apesar de algumas críticas mal humoradas, o filme mostra que, com boas intenções, ao menos se faz algo que tenta ser uma ajuda solidária. E com isso, Isabelle consegue a gratidão e o afeto de que tanto precisa.
Não existe aquela frase que diz que alguém pelo menos tem boas intenções?

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Sete Minutos Depois da Meia Noite




“Sete Minutos Depois da Meia Noite”- “A Monster Calls”, Estados Unidos, Espanha, 2016
Direção: J. A. Bayona

É sempre difícil crescer. Porque significa não só ficar maior em tamanho, mas aprofundar-se nos mistérios da própria natureza humana em nós mesmos.
E, quando tudo corre bem, pode ser que algo aconteça inesperadamente e, de repente, o mundo parece um lugar horrível de se viver.
Na história que o filme conta isso acontece com Connor (Lewis MacDougall, ótimo), 13 anos, que vive na Inglaterra. Ele “é velho demais para ser uma criança mas jovem demais para ser um adulto”. E vai ter que enfrentar algo que não quer aceitar.
Connor vive com a mãe (Felicity Jones), a quem é muito ligado. Vemos ele dormindo e debatendo-se com um pesadelo. Tudo desmorona e a mãe agarra sua mão para não cair no precipício... e ele acorda, sempre no mesmo momento daquele sonho recorrente.
Faz o próprio café. Entreabre a porta do quarto da mãe e ela está dormindo. Sai de casa e reparamos no jardim mal cuidado. Ele caminha para a escola ao longo do rio, perdido em seus pensamentos.
Na aula está longe, desenhando em seu caderno. O professor percebe e pergunta:
“- Você parece cansado.Tem dormido bem?”
No recreio, três meninos maiores que ele se irritam com Connor e ameaçam:
“- Você está perdido em seus sonhos. O que há de tão interessante? Meninos bonzinhos não falam?” e um deles joga ele no chão e puxa sua língua. Connor não revida. Castigo necessário para sua culpa? O que fez de tão errado?
Volta para casa e a mãe tem algo para lhe mostrar. Traz o antigo projetor do avô e preparam-se no sofá para ver um filme. É “King Kong” de 1933:
“- Por que querem matá-lo?”
“- Porque estão com medo. Não o conhecem”, responde a mãe que adormece. Connor vê a cena final quando King Kong, atingido, despenca do alto do prédio.
O título em inglês do filme é melhor do que o português:
“A Visita do Monstro”. Por que é exatamente isso que acontece.
Chove muito e Connor vai até a janela de seu quarto.
Galhos secos de uma grande árvore se alongam, olhos de fogo se abrem e um gigante vem em sua direção. A voz de Liam Neeson, majestosa e assustadora, ecoa forte:
“- Eu vim pegá-lo Connor O’Maley. Por que não corre para sua mãe?”
“- Deixe-me em paz. Não tenho medo de vc.”
“- Voltarei. Vou te contar três histórias e no final você contará a quarta, a verdade que você esconde. O seu pesadelo.”
O tema do filme, difícil, é tratado de maneira envolvente e delicada. A mãe de Connor está muito doente e, embora ele a veja definhar, os dois acreditam que ela vai se curar.
A histórias que o Monstro conta, sempre às 24:07 são ilustradas com desenhos simples e belos. Todas tem uma moral, uma lição de vida para o menino.
Quando a vida real mostra seu lado duro, ele vai ter que morar com a avó (Sigourney Weaver), já que o pai que o abandonou quando era um bebê mora longe e não parece querer ficar com ele. Isso inunda Connor de raiva e vontade de destruir tudo à sua volta. Na escola fica muito agressivo. Parece que pede punição.
E, quando vem a hora, o Monstro pede que ele conte seu pesadelo.
Essa mistura de realidade com ficção torna o filme esteticamente eloquente, já que as imagens falam mais que mil discursos.
O espanhol J. A. Bayona dirige seu filme com arte e não tem medo de lidar com sentimentos de luto e culpa.
Guilhermo del Toro, o mago mexicano, é uma espécie de
tutor de Bayona, que tem afinidades com o mestre de “O Labirinto do Fauno”, ao lidar com a fronteiras entre a realidade e o sonho.
Apesar de triste, “Sete Minutos Depois da Meia Noite” nos envolve também com uma lição de vida, ensinada por um Monstro que habita cada um de nós. É só escutá-lo.