“Aqueles que Ficaram”- “Akik maradtak”, Hungria, 2019
Direção: Barnabás Toth
Sabemos do sofrimento nos campos de concentração na Segunda
Guerra. O extermínio dos judeus nas câmaras de gás horrorizou o mundo. As fotos
das vítimas nas valas comuns, corpos maltratados, expressões vazias, nos enchem
de dor.
Mas “Aqueles que Ficaram” conta a história dos que escaparam
desse destino. O diretor Barnabás Toth, 42 anos, em seu primeiro filme, quer
passar algo que ele não viveu pessoalmente mas encontrou no romance de F.
Zsuzsa. Aqueles que ficaram não estavam bem.
A culpa pela sobrevivência é um sentimento estranho e forte
que abate quem poderia estar de luto mas aliviado porque foi poupado.
Em 1948, Aldo, médico ginecologista e obstetra (Károly
Hajuk), 42 anos, que tinha conseguido sair vivo dos campos onde perdera a
mulher e dois filhos, voltara a trabalhar em seu consultório no hospital de
Budapeste. Seu semblante liso e calmo não deixa ver seu interior onde ele
sufoca uma solidão melancólica.
Klara (Abigél Szoke) era menina ainda aos 16 anos e não
menstruava quando foi levada pela tia Olgi (Mari Nagy) para uma consulta com o
médico. Reclama que a sobrinha não ia bem na escola, estava sempre de mal humor
e revoltada. Negava a morte dos pais escrevendo longas cartas para eles.
“- É a entrada na puberdade. Os hormônios estão provocando
tudo isso. Volte daqui a 6 meses. ”
De tranças na primeira consulta, ela agora tem os cabelos
soltos, o mesmo rosto de anjo e olhos muito claros, quando volta só ao
consultório de Aldo. Desembaraçada e falante, acabam indo juntos para o
apartamento dele. No caminho, critica as colegas da escola, muito chatas, a tia
que não a entendia e o casaco dele que ela achava horrível. O chá oferecido ele
quase recusa mas resolve provar.
“- Você não deveria estar na sua casa? ”
“- Minha tia gostaria que eu nunca mais voltasse...”
Aldo que sabe o que Klara sente mas que não expressa, não se
surpreende com o abraço dela na cozinha da casa dele. Não se retrai e fica em
silêncio.
Esses dois vão desenvolver um relacionamento que vai uni-los
na mesma necessidade de ternura, carência explícita e cuidados mútuos. Quando
Klara vem dormir na cama dele, Aldo não faz nenhum gesto para tirar ela dali.
Compreende o que é o medo e a solidão que a menina sente. Ela tem uma
enorme necessidade de calor humano e silêncio.
Até a tia vai entender que Klara precisa da companhia de
Aldo que ocupa o lugar de um pai provisório.
“- Seu pai também era médico? ”pergunta um dia a ela.
“- Era não. É. Está preso mas vai voltar. ”
Tal era a postura de Klara em perene negação ao acontecido.
Foi preciso muita compreensão para que ela pudesse finalmente fazer o luto.
Enquanto durou, a relação paternal amorosa foi salutar e
terapêutica para os dois envolvidos.
“Aqueles que Ficaram” é um filme sutil e delicado, mais de
sentimentos interpretados em silêncio do que de falas dos protagonistas.
Representante da Hungria para o Oscar de melhor filme
internacional, já está na primeira lista dos 10 indicados.