37ª Mostra Internacional de Cinema de São
Paulo
Na segunda semana da Mostra gostei dos filmes que
comento abaixo: “O Grande Mestre”, “Ana Arábia” e “Pais e Filhos” que ganhou o
prêmio de Melhor Filme de Ficção Internacional do Público, ontem na premiação.
Abaixo dos filmes coloquei o dia, hora e local onde serão reexibidos na
repescagem da Mostra. Vale a pena!
1 – “O Grande Mestre”- “The Grand
Master” Hong Kong,
2013
Direção: Wong Kar Wai
Já na primeira cena do filme, o diretor, nascido em
Shangai mas que vive em Hong Kong, 55 anos, mostra o espírito do que vamos ver.
Uma luta marcial que é uma arte esquecida.
Um contra muitos, no meio de uma chuva torrencial, sem
nenhuma arma a não ser ele mesmo, suas mãos, braços, pernas e uma sensibilidade
aguçada. Vence a todos sem deixar cair da cabeça o chapéu Panamá, que o
identifica nas cenas brilhantes de água na noite
escura.
Ip Man (Tony Leung convincente no papel), o grande
mestre que realmente existiu, faz uma entrada
triunfante.
A câmera de Wong Kar Wai acompanha a luta de perto e é
estonteante ver o mestre em ação. Vai de um em um, certeiro e econômico,
deixando todos no chão.
O ballet do kung fu, mostrado de perto, fascina com sua
precisão, agilidade e graça.
Vamos seguir a história do mestre, com “flash backs”,
sua aceitação como discípulo do mestre Gong Yutian, no fim dos anos 30, no sul
da China e o respeito com que é tratado por seus pares no bordel dourado , onde
se reunem.
Até que chega ela, Er Gong (Zhang Zyi), a filha do
mestre morto, que aprendeu com ele as 64 formas do bagua, outra linha do kung
fu.
A luta deles é a mais bonita porque não é para que
ninguém se machuque. É pura beleza e arte. Um homem e uma mulher, colocados
frente a frente, para que o melhor domine o outro.
Os perfis que se roçam, as mãos que sustentam o outro
para que tudo possa recomeçar, os
olhares que não se perdem um do outro, os voos na escada e a mocinha sobre o
corrimão, qual pássaro pousada, vencedora, encanta os olhos da
plateia.
Há cenas que são quadros (fotografia de Phlipe
LeSourd),
como a do antigo mestre treinando na neve do jardim,
observado por sua filha pequena que vai aprender a arte do pai e não terá para
quem passá-la por ironia do destino.
Depois da cruenta guerra com o Japão e da Segunda
Guerra, o kung fu torna-se em Hong Kong uma luta mais popular e menos
sofisticada. Vemos uma rua inteira com escolinhas que pretendem ensinar algo que
não é mais a arte milenar.
Como tudo na vida, o kung fu tem que mudar e é então que
aparece o menino que será Bruce Lee. Ele vai encantar o Ocidente com a beleza e
a graça letal de algo que não conhecíamos e que o grande mestre ensina ao seu
discípulo mais famoso.
Bela homenagem do diretor de “À Flor da Pele”2001, à
milenar arte marcial de seu país natal.
(O filme será reexibido domingo 3/11 no CineSesc às
21:50 hs)
2- “Ana Arabia”, Israel, França,
2013
Direção: Amos Gitai
Quem é Ana Arabia?
Certamente não a mocinha ruiva que conversa com uns
senhores, num lugar pobre mas ajeitado. Onde? Também não
sabemos.
Mas ela se apresenta como Yael, parece judia e
entrevista Yussef, um árabe que foi casado com uma judia que já morreu.
Ele conta de seus filhos e filha Miriam. E também fala
sobre a atual situação dos árabes e dos parentes espalhados por lugares do
Oriente Médio.
Os homens daquele lugar vivem hoje de maneira diferente
do que costumavam. Um dos filhos de Yussef era pescador mas o mar de Haifa não
tem mais peixes, poluido e mortal para os peixes com as explosões que ocorrem.
Virou mecânico.
A vida deles é o que pode ser. A simplicidade é a marca
do que eles são no momento.
As mulheres contam histórias mais sentimentais para
Yael.
Miriam, que trabalha na horta, conta como como tudo
começou, ajudando a mãe a transformar um terreno pedregoso e cheio de lixo numa
pequena mata que protege a horta e o pomar.
Ela fala da natureza, da sabedoria de deixar crescer
ervas daninhas em torno ás árvores porque assim ficam mais protegidas e das
urtigas que deixa crescer para que os moleques não venham correr por ali e
estragar as plantas.
“- A natureza trabalha mais que os homens. O inverno
acabou faz pouco e tudo já brotou. Até frutos
apareceram.”
A viúva de um ds filhos de Yussef, Sarah, que é judia,
fala sobre o amor.
“- As pessoas fingem mas o amor verdadeiro é difícil de
encontrar...”
E por isso contenta-se em trabalhar na casa e cuidar dos
filhos. Não teve um casamento feliz.
E assim vai Yael perguntando e as pessoas contando
histórias do passado, quando os árabes se integravam mais com os judeus do que
hoje em dia.
Mas a mãe de Miriam, que nasceu na Polonia e teve que
enfrentar um campo de concentração antes de vir com a família para Israel, teve
que lutar contra tudo e todos, dos dois lados, para ficar com o seu
Yussef.
A história dessa convivência dentro dessa família e
naquele lugar que tinha judeus morando lado a lado com árabes, é o foco de
interesse de Amos Gitai.
Ele filma “Ana Arabia” num plano sequência de 81
minutos. Admirável, porque sem cortes, tudo tem que ser minuciosamente ensaiado
antes da filmagem. E, no entanto, os atores parecem tão à vontade, tão
verdadeiros em suas falas.
No fim, a câmera sobe e ficamos vendo que a cidade cerca
aquele lugar que parece fora do mundo.
( O filme será reexibido sábado 2/11 na Cinemateca- Sala
BNDES às 20:30 hs)
3- “Pais e Filhos”, Japão 2012
Direção: Hirokazu Kore-Eda
Tudo parecia tão em ordem naquela jovem família de
classe média alta.
O pai, Ryota, arquiteto de sucesso, trabalha muito num
escritório famoso, ganha muito bem e não tem tempo para a família. Chega tarde e
já está na hora de Keita, seu filho de seis anos, ir para a cama. Mas isso não
parece incomodar nenhum dos dois.
A mãe Midori é dedicada a esse filho, que ela trata com
carinho. Ele é bonzinho, afetuoso e não dá trabalho nem em casa, nem na
escola.
Tudo isso vai mudar.
A mãe recebe uma carta do hospital onde Keita nascera,
distante da cidade onde moram mas perto da mãe de Midori, que iria assisti-la
nessa época, já que o marido não podia largar o
trabalho.
E a notícia chega como uma bomba: houvera uma troca de
bebês. Keita não é filho de Ryota e Midori.
Depois do choque inicial vemos a consternação do casal
mas providências tem que ser tomadas.
Encontros com o pessoal do hospital e, inevitavelmente, com a outra
família.
“- Agora está tudo explicado!”, diz o pai quando voltam
de uma dessas penosas reuniões.
Essa frase vai ecoar na cabeça de Midori e assustá-la.
“Pais e Filhos” é um filme simples, bem feito e que conquista a plateia com o
drama dos dois meninos trocados.
A questão sangue versus convivência será visitada por
todos os envolvidos.
E a pergunta principal respondida: o que é ser pai de um
menino para um homem? É uma pergunta que se encaixa em qualquer
cultura.
Steven Spielberg comprou os direitos do filme quando ele
passou no Festival de Cannes e ganhou o Prêmio do Júri. Vai ser interessante
comparar as duas versões.
( O filme será reexibido no domingo, às 19:30 hs no
CineSesc)