sexta-feira, 31 de maio de 2019

Rocketman



“Rocketman”- Idem, Inglaterra, 2019
Direção: Dexter Fletcher

Uma silhueta contra a luz tem um vermelho que brilha. É Elton John (Taron Egerton) que sai fantasiado de um show com asas e chifres, finalmente procurando ajuda numa clínica de reabilitação.
Dessa forma engenhosa, o roteiro de Lee Hall nos leva a ouvir confissões do popstar sobre sua vida, seus conflitos, suas vitórias e derrotas, amores e decepções. Até então procurando alívio de suas frustações na bebida, drogas, sexo e consumismo, ele vai se despir da fantasia e reencontrar-se.
Elton John vai procurar o menino prodígio que ele foi, Reginald Dwight, que aos 11 anos ganhou uma bolsa de estudos para ter aulas de piano na Academia Real de Música.
Mas bem pequeno ainda já surpreendia a avó (Gemma Jones) e a mãe (Brice Dallas Howard) ao mostrar seu ouvido privilegiado, tocando a música que ouviam no rádio.
O talento inato daquele menino tímido para a música era um jeito de chamar atenção sobre si. Mas, na família, apenas a avó mostrava carinho por ele, que era um ser carente de amor.
Então não será em casa que ele vai encontrar esse amor que tanto procura. O pai, objeto de adoração, não ligava a mínima para esse filho. A mãe tinha outros interesses e também era fria.
Parece que toda a carreira dele foi para provar que existia para os olhos daqueles pais que souberam aproveitar do dinheiro que ele ganhou mas se mantinham afetivamente distantes.
O show em Los Angeles no Troubador foi um sucesso de crítica e de público e o projetou para o mundo. Aos 25 anos já era um milionário.
Mas a transformação de Reginald em Elton John não ocorreu de forma fácil. Conflitos existiam dentro dele e não eram verbalizados. A timidez o levava para o fundo do palco mas seu talento o empurrava para a glória dos estádios cheios de fãs cantando e dançando com ele. Talvez quem mais o conheceu foi o amigo Bernie Taupin (Jamie Bell), parceiro nas letras das músicas de sucesso.
Pode ser que as roupas extravagantes, os óculos carnavalescos, as botas e as cores psicodélicas no palco fossem purpurina que ele jogava nos olhos do público para que não enxergassem o menino frustrado e carente que existia dentro dele. Um mal amado até por si mesmo.
E apesar de todos os conflitos e frustrações que o levaram à beira da morte, presa de seus impulsos autodestrutivos, havia ali um menino que só pedia que o amassem e confirmassem que ele era talentoso e bom.  A cena desse reencontro consigo mesmo é bela e comovente.
O filme é uma fantasia musical que mistura ficção e realidade. As canções que todo mundo conhece são apresentadas de maneira bem trabalhada nos cenários, luzes, ângulos, figurinos e coreografia. Destaque para o momento em que Elton John e seu público levitam.
Taron Egerton é um assombro. O ator galês, 29 anos, conseguiu mimetizar os gestos e o jeito de Elton John de forma surpreendente. Não dublou. Ele é quem canta.
No mais, o diretor Dexter Fletcher (que substituiu Bryan Singer em “Bohemian Rhapsody”) soltou-se mais e dirigiu cenas que vão ficar nos olhos da gente por muito tempo.
O elenco é ótimo desde o melhor amigo Bernie até o calculista John Reid ( Richard Malden) que foi o primeiro amor e empresário de Elton John por 28 anos.
Muitos prêmios certamente virão para o filme, produzido pelo próprio Elton John, que foi ovacionado no Festival de Cannes onde estreou.
Um delírio.


quinta-feira, 30 de maio de 2019

Mary Shelley



“Mary Shelley”- Idem, Reino Unido, Irlanda, Luxemburgo, 2017
Direção: Haifaa Al-Mansour


É num antigo cemitério, onde sua mãe estava enterrada, que a jovem Mary (Elle Fanning, ótima) lê romances góticos. Ela ama a solidão e a reflexão. Num caderno, escreve pensamentos, inspirações, esboços. Bela e  nostálgica, aos 16 anos, era já a semente do que se tornaria um dia. Uma escritora criativa como poucas, Mary Shelley (1797-1851), mundialmente famosa.
A filha de Mary Wollstonecraft, não conheceu a mãe, que morreu dias depois de seu nascimento. Filósofa e feminista, essa mulher adiante do seu tempo, vivia como acreditava que todas as pessoas deveriam viver: livres e apaixonadas.
Mary foi criada pelo pai, que também escritor como a mãe, era dono de uma livraria William Godwin (Stephen Dillane). Casado pela segunda vez com uma mulher que não tolerava Mary, tivera uma segunda filha, Claire (Bel Dowley), que era muito próxima de Mary.
Para afastá-la da madrasta, o pai resolve mandar Mary para a Escócia, na casa de parentes. Lá ela vai conhecer o poeta Percy Shelley (Douglas Booth), com quem viverá alegrias e tristezas. Os dois, unidos por uma paixão fulminante, eram almas diferentes. Mary sensível, impulsiva mas doce, Percy aventureiro e irresponsável. Mas se amavam.
Quando Shelley a convida para viver com ele, ela não titubeia. Vai ser livre como sua mãe fora.
Porém, essa união foi marcada também por sofrimentos vividos por Mary. Traições, mentiras e a morte de sua filha ainda bebê. Claire, a meia irmã, vivia com eles. E Percy, narcisista e egocentrico, se divertia com ela, durante a depressão de Mary por causa do luto.
Numa noite de tempestade é lançado um desafio na mesa do palácio de Lord Byron(Tom Sturrdge), que Claire queria para ser seu amante:
“- Vamos ver quem consegue escrever a melhor história de fantasma? “
Nessa noite, aceito o desafio, o médico de Byron escreve “O Vampiro”, que influenciou todas as histórias sobre o tema e Mary esboça o “Frankenstein”, que sabemos o quanto ficou famoso.
O livro do médico Polidori foi publicado como sendo da autoria de Byron e o de Mary só foi aceito para publicação com a condição de ser de autor anônimo. Ainda por cima foi exigido pelo editor que o prefácio teria que ser escrito por Shelley.Todos pensavam que era ele o autor.
Mas na segunda edição esse erro foi corrigido.
Mary Shelley fez do que viveu, o céu e o inferno, material para a criação do Frankenstein, monstro solitário e abandonado. Patético e incompreendido.
A menina que não conheceu a mãe, sentindo-se abandonada por ela quando morre, também vive um terrível abandono quando seu companheiro não está a seu lado quando mais precisava dele, a morte da filha de ambos.
Mais, Mary sentiu-se um monstro desde sempre, castigada com a morte de sua mãe que, inconcientemente, sentia como se fosse sua culpa e, novamente, quando morre sua filha.
Ela transforma todas essas angústias em um personagem que está dentro dela, temido, carente e solitário :  “Frankenstein ou o Prometeu Moderno”.
Mary Shelley casou-se com Percy e tiveram um filho. Depois da morte prematura do marido, Mary nunca mais se casou.



segunda-feira, 27 de maio de 2019

A Juíza



“A Juíza”- “RBG”, Estados Unidos, 2018
Direção: Betsy West e Julie Cohen

Foi em Washington que a juíza Ruth Bader Ginsburg fez o seu nome. E é por isso que esse documentário sobre ela abre com cartões postais da capital dos Estados Unidos.
A “Notorius RBG”, ou seja, “A Famosa RBG”, como é chamada, lutou na Suprema Corte contra a discriminação baseada em gênero. Ou seja, ela se perguntou desde cedo: por que as mulheres são tratadas como cidadãos de segunda categoria?
“Não peço favores para o meu sexo. Só peço que tirem os pé do meu pescoço”, diz ela repetindo a frase de uma abolicionista.
E pela lista de seus inimigos podemos deduzir de que lado ela está. Se não, vejamos o que dizem alguns:
“Uma absoluta desgraça para a Suprema Corte.” - Trump.
“Essa bruxa. Essa malfeitora, esse monstro. ” - Michael Savage
“Ela é um dos seres humanos mais desprezíveis.”- Rick Wiles
Tem gente portanto que detesta a juíza.
Essa mulher pequena, judia do Brooklyn, onde nasceu em 1933 e lá foi criada, é agora, aos 86 anos, uma “rock star”. A internet e a nova geração encarregaram-se de chamar a atenção para essa juíza tímida, séria, que desde sempre nunca jogou conversa fora.
Com a idade, ela passou a ser menos tímida, tornou-se mais visível e menos severa. Ri de si mesma interpretada por uma atriz cômica na televisão. E, mesmo que alguns queiram que ela se aposente, diz alto e bom som:
“- Enquanto eu conseguir trabalhar, vou continuar a fazer o que sei fazer.”
E ela trabalhou a vida inteira em favor daquelas que não tinham voz. Formada advogada por Columbia, onde era a única mulher da turma, emprestou sua inteligência e convicção à causa das mulheres. Seus argumentos sempre foram falados com uma voz calma e serena, nunca com raiva, como aprendera com sua mãe.
Foi feliz no casamento com um também grande advogado, Martin Ginsburg (1932-2010), que conheceu em Harvard. Homem bem humorado e compreensivo, percebeu a brilhante inteligência da mulher que ele amava. E não cerceou seus passos. Ao contrário, ajudou-a na carreira e assumiu um posto na cozinha, sem problemas. Entendeu com generosidade que ela tinha mais importância no cenário do país do que ele.
Ruth Ginsburg mudou o modo como era o mundo para as mulheres. Confirmada na Suprema Corte em 1993, com Clinton presidente, em seu discurso disse que não estaria ali se homens e mulheres americanos não tivessem lutado por um sonho de direitos iguais.
Durante a história de sua vida, no documentário, vemos fotos dela criança, bela jovem de olhos azuis, depois noiva e mãe. Na carreira, filmes e fotos de sua posse na Suprema Corte e com o presidente Clinton. Depoimentos dos filhos, marido, amigas e amigos. Outros juízes também falam sobre ela.
Incansável batalhadora e sempre elegante, ela brinca:
“- Tenho 84 anos e todos querem tirar foto comigo! ”
Sua mãe, de quem era muito próxima, aconselhou:
“- Seja uma dama mas seja independente.”
Esse conselho, seguido à risca, levou-a a se tornar uma mulher poderosa, usando o brilho de sua inteligência e o magnetismo pessoal em prol de um mundo melhor para todos.
Este é um documentário imperdível para quem quiser conhecer uma grande mulher. E talvez aprender algo com ela.

sábado, 25 de maio de 2019

Tolkien



“Tolkien”- Idem, Reino Unido, 2018
Direção: Dome Karukoski

Quem leu “O Senhor dos Anéis”, maravilhou-se com a criatividade desse escritor que imaginou mundos à parte, seus habitantes e suas histórias. Há magia em tudo que John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973) escreveu.
O filme mostra como, tendo perdido o pai muito cedo, a influência da mãe Mabel (Laura Donnelly) foi forte na construção de sua imaginação e no gosto pelos dragões, pelo escuro da floresta e o brilho de tesouros escondidos.
Depois, menino ainda, vemos ele brincando com os  outros meninos, usando armas de madeira e entoando gritos de guerra.
E nessa idade, um acontecimento trágico. Aquela que convidava para beijar as árvores morre, deixando os dois filhos órfãos, sob a tutela do padre Frances Morgan (Colm Meaney).
Mais tarde Oxford, vivido por Nicholas Hoult, apesar de órfão e sem dinheiro, dependendo de bolsas para continuar seus estudos.
E lá acontece a confraria dos quatro amigos, interessados em mudar o mundo através da arte. Robert Gilson, Geoffrey Smith, Chistopher Wiseman e Tolkien aprendem o que é a verdadeira amizade, a fraternidade.
É também nessa época que ele conhece Edith Bratt (Lily Collins), o amor e a companheira de sua vida.
Mas “a guerra das guerras”, aquela que iria acabar com todas as guerras, é um pesadelo para Tolkien, que cai doente com a “febre das trincheiras” e não consegue salvar seu amigo Jeff, que vê morrer com uma granada.
O filme mostra cenas brutais, mas também de uma poesia dura, de uma guerra sem piedade. Corpo a corpo. Explosões que matam. Fogo que tudo destrói. Água negra e pestilenta das trincheiras. Cavalos relinchando amedrontados. Morte por toda parte.
Traumatizado pelos horrores que viveu, Tolkien só consegue escrever as primeiras linhas da história da Terra Média quando tem seus próprios filhos e Edith a seu lado: “Era uma vez algo que vivia num buraco no chão...”
“- O hobbit...” diz Tolkien. O livro será publicado em 1937.
É nessas histórias que vão aparecer os idiomas que ele inventara em Oxford, na verdade desde criança encantado que foi por vários idiomas. Até que criou linguagens novas e mágicas.
Tolkein foi um gênio criativo. Suas histórias fascinam gerações de crianças e adolescentes, nas quais ele semeia o poder da fantasia e da imaginação, grandes armas para a sobrevivência frente às dificuldades da vida.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Madame Bovary



“Madame Bovary”- Idem, França, 2015
Direção: Sophia Barthes


A primeira cena que vemos mostra uma mulher jovem, em desespero, correndo pelo caminho de uma floresta. Bem vestida em sedas mas descabelada e sentindo dores pois aperta com as mãos o lado de seu corpo.
Finalmente, cai e presenciamos sua agonia e morte. O que foi que aconteceu?
Ela é Emma, na pele de Mia Wasikowska, filha de um proprietário rural, que casa sua filha, educada em um convento, com um médico de província, Charles Bovary (Henry Lioyd-Hugues).
Ela é bela, jovem e romântica, adora ler os livros que narram histórias de amor e sonha viver como as heroínas desses livros.
Mas já na primeira noite, Emma se decepciona com a atitude nada sensual do marido, que marca o seu casamento com frustração.
Ela, que vestia roupas simples e tinha uma presença calma e obediente, muda aos poucos para o contrário, colocando para fora seu lado mais arrogante, que pensa que ela é mais do que na realidade é.
Com a ajuda prestimosa de M. Lhereux (Rhys Ifans), um sujeito astuto e manipulador, Emma vai conhecer luxos com os quais nunca sonhara e vai se entregar a eles. Passa a aceitar o crédito que o dono da butique lhe concede e nem pensa em perguntar quanto custam suas encomendas.
Para se esquecer do tédio de sua vida com o marido, que ela só vê à noite, Emma mergulha no consumismo e na vaidade. O que é um passo para atrair outros homens com os quais procura o que não tem no seu casamento.
Mas Emma não se dá conta de que é seu lado autodestrutivo que comanda essas ações. E por isso Emma será para sempre uma eterna insatisfeita.
Mia Wasikowska empresta à personagem seu talento para interpretar mulheres sofridas e complexas. Ela lidera um ótimo elenco e o filme é bonito de se ver com primorosa produção de arte, figurinos sofisticados e locações bem escolhidas.
Gustave Flaubert (1821-1880) é o autor do famoso livro que foi adaptado para a tela. Na época teve que se defender perante um tribunal que acusava o livro de ser imoral. Foi então que o escritor falou a célebre frase: “Emma Bovary c’est moi!” (“Eu sou Madame Bovary!”)
E escapou ileso e dito inocente.
O século XIX era uma época de forte patriarcado, eivada de preconceitos, moralidade e religiosidade acerbadas, que condenavam o adultério, como o pior dos males.
Hoje em dia existem por aí muitas “Bovarys” que continuam, como Emma, a não entender que a felicidade é algo a ser buscado, sem qualquer ilusão de que dure para sempre. Dá trabalho e é preciso paciência e muita boa vontade.

terça-feira, 21 de maio de 2019

O Gênio e o Louco



“O Gênio e o Louco”- “The Professor and The Madman”, Irlanda, Estados Unidos, França, 2019
Direção: Fahad Safinia

A história da amizade entre dois homens muito diferentes que acabam descobrindo uma paixão em comum. Essa é a pedra de toque desse filme que tem um assunto pouco popular, a criação do “Dicionário de Oxford”.
Adaptação do livro de Simon Winchester, a história se passa em Londres e começa em 1872, quando presenciamos ao julgamento de um assassinato. O criminoso é o Dr William Chester Minor, médico, 48 anos e ex militar do Exército americano.
Vemos as cenas em que, muito perturbado, o Dr Minor corre atrás de um homem pelas ruas escuras, perseguindo-o com um revólver na mão. O homem, que leva um tiro e morre, era George Merrett e não o suposto intruso que o Dr Minor pensava que ele fosse. A vítima, assassinada por erro tinha família numerosa e era um homem bom.
O médico americano consegue ser julgado inocente por insanidade. “Flashbacks” de uma guerra e a cena em que o então Capitão Minor marca a ferro no rosto um desertor, explicam em parte a culpa e o conteúdo das alucinações paranoicas que o levaram à loucura.
Ele é conduzido ao hospício Broadmoor, destinado a criminosos insanos.
Sean Penn interpreta o médico louco com uma força interna que se concentra em seus olhos alucinados e em sua figura assombrada por perseguidores que à noite aparecem. Suas alucinações não o deixam dormir.
Já o gênio será o Professor James Murray (Mel Gibson), que é um autodidata erudito, que domina várias línguas, vivas e mortas. O fato de não ter um diploma faz com que não seja aceito de pronto pelos encarregados de uma tarefa quase impossível ou seja, colocar todas as palavras da língua inglesa, com o seu significado e onde ocorrem em citações de livros conhecidos.
Mas Murray consegue a aprovação após ter sido posto à prova e devido à engenhosidade que sugere: todos os habitantes do Império Britânico poderiam mandar palavras e citações para o julgamento da equipe encarregada de escrever o dicionário.
James Murray era pai de muitos filhos e casado com Ada (Jennifer Ehle) que amava o marido e aceitava sua dedicação exclusiva ao sonho de uma vida, o dicionário.
Esses dois homens vão se encontrar porque o Dr Minor fica sabendo do modo como aceitavam colaboradores, convidados a participar do projeto. E o Dr Minor era um amante dos livros e das palavras. Nele, a procura das palavras e das citações para o dicionário tinham um efeito terapêutico, já que impediam que ele se entregasse às alucinações.
O fato de poder ver dois atores de grande talento dialogando e expressando suas emoções é um convite para ver esse filme. Pena que o roteiro, apesar de conseguir um elo entre os dois, não explore melhor essa amizade improvável que vai ser benéfica para os dois homens envolvidos.


domingo, 19 de maio de 2019

Questão de Tempo



“Questão de Tempo”- “About Time”, Reino Unido, 2013
Direção: Richard Curtis

Somos prisioneiros do tempo, uma dimensão intocável. Mas quem nunca sonhou em voltar atrás e consertar algo que deu errado? Ou reviver aquele momento precioso?
Richard Curtis (“Quatro Casamentos e um Funeral”, “Notting Hill”, “Diário de Bridget Jones”) é um diretor e roteirista de mão cheia. Sabe como poucos prender o público na história que conta.
Aqui, em “Questão de Tempo”, Tim (Domhnall
Gleason), um jovem de 18 anos, recebe com surpresa e incredulidade uma notícia dada pelo pai (Bill Nighy).
A sós, no escritório do pai na linda casa à beira mar, fica sabendo que os homens de sua família tem o dom de poder voltar ao passado e reviver certos momentos que foram muito agradáveis ou mudar os que foram mal vividos.
Na primeira vez, que Tim usa o poder secreto que acabara de descobrir, as coisas não correm tão bem. Leva um fora daquela que o encantou durante todo o verão.
Mas quando vai para Londres exercer o seu ofício de advogado, vai conhecer Mary (Rachel McAdams) e apaixonar-se perdidamente. Com ela ele terá que usar o poder de voltar ao passado muitas vezes, aprendendo assim a ser mais seguro de si e criativo.
Esta é uma comédia romântica inteligente e gostosa de se ver. Muito acima das historinhas bobas de sempre. Há novidade aqui e interpretações à altura do texto.
Alem disso, há um clima de simpatia que envolve os protagonistas. Gleason, ruivo e com um rosto expressivo, é um homem atraente e meigo. Tim, seu personagem, valoriza o amor e vive para as pessoas que ama.
Assim também é a Mary de Rachel McAdams que tem um rosto que encanta e consegue passar sempre muita graça no que diz e faz.
A relação pai e filho é tudo que um menino quer viver. Um pai super simpático e carinhoso, com um jeito maravilhoso de ensinar lições de vida para seu filho. Um dos pontos altos do filme, a presença de Bill Nighy como o pai é calorosa e atenta, fazendo passar para Tim que o dom que ele tem pode ser muito bem usado ou não. E admite que erros acontecem com todo mundo. O interessante do dom da família é poder aprender com a experiência repetida. Assim como na vida.
Enfim, “Questão de Tempo” é um filme que emociona e também diverte, com uma história e cenários que não deixam ninguém se entediar.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Mademoiselle Paradis



“Mademoiselle Paradis”- “Licht”, Alemanha, Áustria, 2017
Direção: Barbara Albert

Uma visão estranha e algo constrangedora. Uma moça de uns 18 anos, com uma peruca enorme e pluma, vestido de seda listrada com capa e laços, está tocando o piano. Vemos no início apenas seu rosto infantil que expressa emoções em conflito, tenacidade, envolvimento com a música mas também um desagradável revirar de olhos  que não é natural, acompanhado por movimentos de balanço com o corpo.
Alguém diz ao outro na plateia:
“- Bonita não é mas toca bem”.
“- Pobre, tenho pena dela”, retruca outra.
“- Mademoiselle Jeunehomme é melhor”, responde outro ainda.
“- Mas ela não é cega”.
Essa última observação explica tudo. Estão ali para ver a cega tocar piano. Tem algo de circense nisso.
Quando ela termina é aplaudida e rodeada de nobres que comentam a performance de Maria Theresia von Paradis.
“- Fique de boca fechada”, adverte a mãe dela.
“- Você toca tão bem que me levou às lágrimas”, vem dizer uma dama.
Outras comentam o tratamento anterior da pianista que fazia com que caíssem seus cabelos e cheirasse mal.
“- Melhorou muito”, comenta uma delas.
Estamos em Viena, 1777 e a pianista cega vai ser levada pelos pais ao dr Franz Anton Mesmer (1734-1815), última chance para Theresia, já que outros médicos nada tinham conseguido.
O dr Mesmer (Devid Striesow) era o teórico do magnetismo animal, o mesmerismo, que acreditava existir uma força natural invisível em todos os seres vivos e que essa força tinha propriedades curativas. Seus seguidores o consideravam um sábio e os detratores o diziam um charlatão.
A diretora Barbara Albert faz um filme onde a romena Maria-Victoria Dragus brilha como a pianista cega, figura da vida real. Com o dr Mesmer, Resi, como a chamavam em casa, não vai sofrer torturas como foi com os outros médicos. Ele vai conseguir, com uma firme delicadeza e paciência, destravar algo que acontecera quando ela era muito pequena e perdera a visão, da noite para o dia.
Desde então Theresia fora treinada para o piano. Certamente teria um talento natural. Com Mesmer ela encontrou acolhimento e a oportunidade de descobrir o mundo visual.
Mas ela vai ter que escolher em que mundo quer viver. Irá privilegiar sua arte ou seus olhos? O que nos leva a perguntar também qual seria o papel que a autossugestão teria na cegueira dela?
O filme tem uma bela produção de arte e fotografia inspirada. E o elenco foi muito bem dirigido.
“Mademoiselle Paradis” é um filme interessante que traz à cena a figura envolvente de Mesmer, adaptação do livro “Mesmerized” de Alissa Walser.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Garota Interrompida




“Garota, Interrompida” - “Girl, Interrupted”, Estados Unidos, 1999 NETFLIX
Direção: James Mangold

Uma garota pergunta:
“- Você já confundiu um sonho com a realidade? Já se sentiu triste? Já achou que o trem andou e estava parado? Vai ver sou louca mesmo. Ou então são os anos 60...”
Susanna Kaysen, aos 18 anos, interpretada por Winona Ryder, existiu realmente e conta sua história no livro bestseller que foi adaptado para o cinema.
Ela tomou uma garrafa de vodca e um vidro de aspirinas para acabar com uma dor de cabeça e foi parar no hospital. Mas, naqueles dias, se você fosse como Susanna e tentasse o suicídio, nada de bom viria a seguir.
Ela foi mandada para a clínica psiquiátrica Claymoore e lá ficou por quase dois anos. Foi a única de sua classe de “high school” que não entrou numa universidade.
“- Você está magoando todos que a amam”, diz o amigo do pai, psiquiatra. E ela é posta num táxi que a leva para o lugar de “descanso”.
Lá ela vai conhecer as garotas com quem vai conviver. E vai se aproximar de Lisa Rowe (Angelina Jolie), a encrenqueira sexy e desbocada que a polícia traz de volta
para a clínica, cada vez que ela foge. Esse papel fez de Angelina Jolie uma “star” que ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante daquele ano.
Susanna fica fascinada com o jeito livre e manipulador de Lisa, que era sempre a pessoa mais notada no lugar onde estivesse.
Cada uma das internadas tinha uma história de sofrimento que Susanna vai conhecendo aos poucos. E isso ajuda a não dar muita importância aos “rótulos”. O dela era “Transtorno de Personalidade Borderline”.
Susanna queria ser escritora e a experiência na clínica foi importante para que conhecesse outras garotas problemáticas. Isso permitiu que ela se perguntasse se era realmente uma “borderline” ou se era só alguém que queria viver em liberdade.
Remédios, claro e terapia com a dra Wick (Vanessa Redgrave) vão permitindo a Susanna amadurecer e parar de desperdiçar sua vida com falsas ideias sobre o que era bom para ela. Ela percebe que se maltratava.
No filme, destaque para a enfermeira interpretada por Woopi Goldberg, maternal e firme, que acolhia os surtos e os destemperos das garotas.
Afinal, Susanna se lembra com carinho desse tempo e conta que nos anos 70 quase todas que conhecera na clínica já tinham dado um rumo às suas vidas.
O filme é interessante porque mostra os anos 60 como aqueles que mudaram a mentalidade fechada das pessoas e, ao mesmo tempo, ensinaram limites a quem quisesse viver tudo muito intensamente e sem reflexão.
Vale a pena ver.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Tudo o que Tivemos





“Tudo o que tivemos”-“What They Had”, Estados Unidos, 2018
Direção: Elizabeth Chomko

O que são aquelas imagens um pouco desfocadas que passam na tela? Um carro antigo, um casal, ele levando ela nos braços, sorridentes. São memórias, lembranças de uma vida a dois. “What They Had”, o título em inglês, alude a algo que eles tiveram.
“- Um casamento para toda a vida”, diz o pai (Robert Foster) para a filha Bridget (Hilary Swank).
E agora a filha viera de longe, chamada pelo irmão Nicky (Michael Shannon) que quer resolver um problema da família Brickers. O que fazer com a mãe deles (Blythe Danner) que afunda na demência?
Na noite passada ela saíra, mal vestida para o frio, no meio da noite, sem que o marido percebesse. Sumira na neve que caia. Ele só entenderia o que acontecera quando vê as pegadas na neve. Onde ela estava?
Quando Bridget com a filha Emma (Vera Farmiga)  e Nicky chegam no hospital, o pai está bravo:
“- Por que chamou ela? Eu disse para não ligar. Sua mãe está ótima! Sabia que voltaria a fumar por causa daquele bar”, diz fuzilando o filho com os olhos.
Depois, os dois irmãos vão ao bar de Nicky conversar sobre o assunto que a trouxe a Chicago.
“- Ele está enlouquecendo, Bitty. Parece um fantasma. Ele vai ter que deixar ela ir para um lugar apropriado e esquecer essa besteira de viagem para a Flórida.”
E estende o folheto do lar para idosos para Bridget ver.
Ela parece relutante e pergunta:
“- E Rachel?”
Pronto. Não é só a mãe que tem problemas. Os relacionamentos afetivos dos filhos vão mal.
Por sua vez, a neta Emma só é carinhosa com a avó e trata mal a própria mãe.
Ou seja, o pai e a mãe desses dois irmãos tem um casamento sólido. E para sempre. Há crises? Mas o pai de Bridget e Nicky agarra-se à mulher dele e diz que melhor cuidador que ele não existe.
E ela, Ruth? Poucos momentos de lucidez que emocionam mas age quase o tempo todo como se fosse uma menina levada. Ela é a nota de humor nessa história, que não tem nenhuma graça, pensando bem.
O filme de estreia da até então atriz, Elizabeth Chomko, trata de família, casamento, velhice e amor.
Mesmo com a demência, Ruth sabe que é amada. O marido vive para ela. Dá para separar um casal assim?
Parece que os filhos vivem um problema insolúvel, existente antes da doença da mãe e do qual não tem consciência. É muito penoso ter inveja do amor dos pais. Tais filhos nunca se sentirão tão amados como gostariam de ser. No caso de Ruth e seu marido, eles tem algo muito precioso, um elo que os liga e une para sempre. Nicky e Bridget não tem nada parecido. Algum dia terão?
O roteiro da diretora é bem escrito, consegue olhar a demência de um outro ângulo e as atuações são convincentes.
Bom filme.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Amanda



“Amanda”- Idem, França, 2018
Direção: Mikhael Hers

A vida é cheia de surpresas, boas e más. Quanto às primeiras, aceitamos naturalmente como se tudo fosse natural. Quanto às más, custamos a acreditar e não as aceitamos facilmente.
Os personagens desse filme, simples e tocante, vão viver uma experiência traumática para a qual não estão preparados. Aliás ninguém nunca está.
Somos apresentados a Amanda (Isaure Multrier), a garota loura, de cabelos compridos, corada e cheia de vida, através de seu tio David (Vincent Lacoste), que tem vinte e poucos anos. Ela espera na rua que ele venha busca-la na escola. Está atrasado.
Quando chegam na casa dela, a mãe, Sandrine ( Ophélia Kolb), fica brava com o irmão dela:
“- David, ela só tem 7 anos! Como você deixa a menina na rua sozinha?”
Mas já numa cena seguinte, Sandrine que é professora e mãe solteira, dança um rock animado com a filha. São muito próximas.
Aliás, o rock apareceu porque Amanda pergunta para a mãe o que significa o título do livro que ela está lendo: “Elvis left the building”.
Sandrine explica então que essa é uma expressão que significa que algo terminou. O locutor avisa no microfone para as fãs, ainda emocionadas pelo show, que podem ir embora. Elvis se foi.
Essa é uma nota antecipada de perda que as duas compartilham, sem saber que esse tema será central na vida de Amanda.
David ajuda Sandrine a cuidar de Amanda. Ele tem tempo livre, já que é corretor de imóveis e jardineiro, especialista em poda. Cuida dos parques, praças e ruas de Paris.
Amanda e David são mais como se fossem irmãos do que tio e sobrinha. Um irmão mais velho, divertido, para quem ela pode contar, por exemplo, onde esconde a comida que tira do prato quando a mãe não está olhando. Riem juntos.
Quando Lena (Stacy Martin) chega em Paris, a nova locatária de um apartamento em frente ao de David, ele fica encantado com ela. Logo estão trocando histórias de vida num barzinho.
Lena vem de Bordeaux, é professora de piano e procura alunos. David diz que vai ajudar a encontrá-los. E logo lembra de Amanda. Talvez ela gostasse de aprender a tocar piano com Lena, uma garota doce e bonita.
David, Lena, Sandrine e Amanda vão estar juntos num drama que vai marcar a vida de cada um deles de maneira diferente. Esse filme delicado vai fazer os personagens saírem da zona de conforto onde vivem e ter que encontrar novos e inesperados caminhos.
“Amanda” é um filme que, sem grandes pretensões, trata de temas trágicos do mundo em que vivemos. Nunca estamos preparados para enfrentar um choque do tipo que acontece no filme.
Mas a vida traz desafios nos quais às vezes perdemos, às vezes ganhamos. O importante é enfrentar e continuar seguindo, como ensina Mikhael Hers, o diretor e co- escritor do roteiro desse filme caloroso.