sábado, 28 de novembro de 2015

Chico - Artista Brasileiro

“Chico – Artista Brasileiro” – Brasil, 2015
Direção: Miguel Faria Jr

Como se estivéssemos sentados no teatro, vemos as luzes se acendendo aos poucos no palco, os músicos se colocando em seus lugares, as cores se acentuando e Chico, de blazer vermelho, entra. Assobia “Sinhá”, letra dele, música de João Bosco. Um coro de cantores negros acompanha Chico, num fundo amarelo, ensolarado.
E pronto. O coração entra no ritmo desse documentário dirigido com talento por Miguel Faria Jr, que conta Chico pelo próprio Chico.
As montanhas do Rio, vastas na neblina e Chico fala sobre memória e imaginação, de como nos lembramos de coisas que não vimos:
“- Eu vi o Zeppelin, no colo de minha avó, sobrevoando a Baia de Guanabara. Não. Não vi não... Criei essa imagem na minha cabeça. Eu a vi e ficou minha.”
Ele trabalha com essa matéria prima, tanto nas músicas quanto nos textos dos livros.
Entra a voz de Miúcha, irmã mais velha, lendo um trecho do “Irmão Alemão”, último livro de Chico, (“...para mim as paredes eram feitas de livros...”), que serve como introdução para ele falar do pai, o historiador Sergio Buarque de Holanda de “Raízes do Brasil”. Um pai atarefado com seus escritos, que não tinha uma boa relação com o filho, que é criada através dos livros:
“- Peguei mania de ler em francês por causa do meu pai.”
Vemos fotos de infância, ele e os irmãos, a temporada na Itália com a família, onde Chico estudou num colégio americano, um retrato dele com um bilhete para a avó, a vinda da família para São Paulo na casa da Rua Buri.
E o Festival da Record em 1966 com “A Banda”. Sucesso. O público aplaudindo e cantando junto com Chico e o MPB4. A mãe dele, dona Maria Amélia, sobe ao palco trazida pelo filho de 22 anos:
“- Minha mãe tinha um pouquinho de vergonha de ter filho no “show business”...”
E foram até agora 500 músicas e a consagração que sabemos. Durante o documentário vamos ouvir Chico cantando e algumas músicas sendo interpretadas por cantores escolhidos a dedo.
Carminho canta “Sabiá” com intensidade, como se fosse um fado e a gente escuta as vaias, porque o público do festival no Maracanã queria música engajada. Estávamos em plena ditadura e dói o coração ver o rosto magoado de Chico, ao lado de Tom, autor da música, escutando os gritos de revolta pelo primeiro lugar deles.
Depois, Tom falando de Chico com carinho e admiração. A tragédia da censura e “Roda Viva”.
E, de repente, surge o irmão alemão, mencionado por Manoel Bandeira em 1967, na cobertura de Rubem Braga:
“- Você não sabia? Seu pai teve aquele filho...”
Chico levou a pergunta para casa mas nada foi esclarecido. O documentário vai se encarregar de mostrar algo surpreendente.
É precioso o depoimento de Chico sobre a ex-mulher Marieta, os anos de auto-exílio na Itália, a chegada da primeira filha, a falta de dinheiro.
Chico conta as histórias com humor, ri muito também, mas sabe ser sério e reflexivo quando o momento exige. E é muito doce com os netos.
E desfilam, frente aos nossos olhos, Maria Bethânia jovem cantando “Olhos nos Olhos”, Monica Salmaso “Mar e Lua”, Laila Garin com “Uma Canção Desnaturada” de dar nó na garganta, volta Carminho com Milton Nascimento e “Sobre Todas as Coisas”, Adriana Calcanhoto e Mart’nália, brejeiras, num dueto em “Biscate” e Caetano e Chico no violão, cantando juntos.
Tudo delicioso. Uma ilha de beleza e inteligência nesse mundo atrapalhado de hoje em dia.
Assistir “Chico – Artista Brasileiro” é um privilégio. Não percam.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Três Lembranças da Minha Juventude


“Três Lembranças da minha Juventude”- “Trois Souvenirs de ma Jeunesse”, França, 2015
Direção: Arnaud Desplechin

É em torno à sua vida afetiva que Paul Dédalus vai nos manter curiosos.
O filme começa com ele adulto (Mathieu Amalric), na cama, com uma bela mulher, que pede para ele fazer uma “mágica” para que ela o esquecesse. Ele está de partida. Vai deixa-la.
É então que começa o desfile de suas lembranças, divididas em três capítulos.
Na “Infância”, um menino assustado, tentando defender-se com uma faca, da mãe louca, que ele diz odiar e que morre quando ele tem 11 anos. A tia Rose, que lhe dá colo e um lugar na casa dela e que se preocupa com a relação de Paul com seu pai. Os dois perdidos em sentimentos dolorosos, depressivos. Tão parecidos e tão distantes.
Em “Rússia”, a ajuda generosa e idealista a um jovem judeu, que se torna seu “irmão gêmeo”, que encontra a terra-mãe.
E na terceira lembrança, a mais longa, o encontro com a mulher de sua vida, Esther, seu único amor.
“- Alguém já te amou mais do que a própria vida? Pois é assim que eu vou te amar” diz Paul no primeiro encontro, depois do primeiro beijo, a uma mocinha surpresa.
Mas ele a deixa e vai para Paris, fazer sua formação como antropólogo, com a maternal doutora que o acolhe em seu coração africano.
E, durante dez anos de pouca presença e muitas cartas, já que se escrevem quase todo dia, esse amor ficará “intacto”, como Paul diz para um amigo, justamente porque nunca se transforma num convívio de um casal normal.
“- Você sabe que não sou homem para casar e ter filhos” diz ele a Esther, que sofre com suas ausências e o ama desesperadamente e faz tudo que o  ele pede.
Porque o amor de Paul é caprichoso. Ele mais quer ser amado por uma mulher intangível do que amar uma mulher real, de carne e osso e exigências femininas.
Esther vai ser a única mulher que Paul amou, sem poder realizar esse sentimento longe do sofrimento mútuo. Há uma forte ênfase em sentimentos masoquistas em Esther, e disfarçadamente sádicos em Paul. É quase com satisfação que Paul arrasta Esther a se envolver com seus amigos e amigas.
O melhor do filme de Arnaud Desplechin é o frescor dos jovens amantes no começo da paixão. Quentin Dolmare e Lou Roy-Lecollinet, com espontaneidade e naturalidade, expõe seus corpos jovens e descobrem o que o outro tem de melhor e pior, descobrindo-se também através dessas trocas íntimas que envolvem corpos e mentes.
Poderia ter sido uma banal história de adolescentes mas Desplechin faz o espectador participar de uma sofrida procura dos abismos do ser, que sempre nos assombra.
Em “Três Lembranças da Minha Juventude” o que é lembrado é aquilo que não se pode esquecer. Não obrigatoriamente o que foi vivido.
Um filme para quem gosta de se perguntar sobre o amor.

sábado, 21 de novembro de 2015

Os Maias - Cenas da Vida Romântica



“Os Maias – Cenas da Vida Romântica”, Portugal, Brasil, 2014
Direção: João Botelho

O século XIX, em Lisboa, é palco para uma encenação da vida da elite portuguesa, contada por ninguém menos que um dos maiores escritores da língua e interpretada com um toque de Manoel de Oliveira, o grande cineasta centenário (1908-2015).
No início do filme, um homem lê e a câmara passeia por cenários com móveis antigos, livros abertos, fotos de pessoas em preto e branco (os atores), figurinos de época, cadernos manuscritos com desenhos, sedas, rendas, bordados, cartas, fotos antigas, e um roteiro anotado. Tudo isso vai ser usado pelo diretor e roteirista João Botelho para dar vida a personagens de uma fração da sociedade portuguesa, para os quais o dinheiro não é obstáculo para viver uma vida de dissipação, entre refeições copiosas e conversas de uns sobre os outros, enquanto esperam a próxima ida a Paris.
Há, portanto, um olhar irônico e um comentário sem palavras sobre os costumes da época onde confirma-se a derrocada de Portugal, não mais dona de colônias e riquezas usurpadas.
A família Maia é acompanhada por três gerações e, através do que acontece com eles, vamos ter um retrato do que se passa no país.
Em 1825, um Maia casa-se, depois de um exílio na Inglaterra, sem mesada nem benção do pai, que descobriu que o filho era maçom e defendia liberdades e rebeldia contra os poderes estabelecidos. Mas sua mulher morre e o filho Pedro, em 1847, quer casar-se com uma senhora que o pai desaprova, Madame de Monforte.
O casal foge para Paris e  primogênito Carlos Eduardo recebe o nome dos Maia.
Durante um sarau onde casais rodopiam ao som do piano, Pedro fica sabendo que vai ter mais um filho. Mas logo a tragédia se abate sobre ele porque a mulher foge com um príncipe italiano. Naquela noite, mata-se com um tiro. O patriarca, Afonso da Maia, parte desolado com o neto, de sua casa Ramalhete, em Lisboa, para sua quinta no Douro.
Até então o filme de João Botelho, 66 anos, era em preto e branco. Ganha agora cores pálidas e a terra portuguesa, seus rios e matas, casarios e ruas de Lisboa, perdem a realidade e tornam-se pinturas esboçadas de um cenário onde se movimentam os atores.
Essa perda de vitalidade faz parte do projeto do diretor de mostrar a decadência, a falta de brilho, o provincianismo daquela gente.
Não por acaso, Carlos Eduardo da Maia (Graciano Dias), médico da alta sociedade de Lisboa, entretido em casos de amor descartáveis, apaixona-se por uma brasileira (Maria Flor) que não se sabe bem de onde surgiu. Mas é bela, e rica, cercada de criados, sua filha tem governante inglesa e viaja com mais de vinte malas . E é casada.
O sub-título do filme também é irônico já que os atores, quase todos homens, mais falam das mulheres entre si do que qualquer outra coisa. A exceção é a paixão de Carlos Eduardo e Maria Eduarda.
A introdução de um narrador que lê passagens do livro de Eça de Queirós (Paulo Betti), enriquece o filme de João Botelho, que usa diálogos e linguajar do livro.
Para alguns pode parecer teatral, tedioso e longo. Para outros, interessante e distante da visão romântica e estetizante da minissérie de Luiz Fernando de Carvalho de 2001. Uma produção que merece ser vista.



sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Chatô - O Rei do Brasil


“Chatô – O Rei do Brasil”, Brasil, 1995
Direção: Guilherme Fontes

A primeira cena do filme foi imposição do próprio Chatô, como o chamavam. Nela, ele e sua filha Teresa, vestidos de índios, comem bispos portugueses, “num deslumbrante piquenique” antropofágico.
Foi assim que Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, nascido em Umbuzeiro, Paraíba, em 1892 e falecido em São Paulo em 1968, exigiu que seus biógrafos o retratassem.
E assim fez Fernando Morais, que, em 1994, lança seu livro sobre o discutido Chatô.
Guilherme Fontes comprou os direitos do livro, brigou com Luiz Carlos Barreto que também tinha feito uma oferta e meteu-se numa embrulhada digna do próprio Chatô no financiamento de seu filme, que só veio a ser lançado agora, 20 anos depois.
Assim, o filme participa da lenda e havia alguns que o aguardavam ansiosos enquanto outros achavam que ele não existia. O diretor foi acusado de tudo mas, finalmente, demonstrou que as lutas judiciais valeram a pena e mostrou ao público na pré-estreia na semana passada, um filme que faz jus ao personagem.
Porque Chateaubriand (interpretado com brilho por Marco Ricca) foi louvado e atacado por amigos e inimigos e taxado de excêntrico e prepotente, aqui e na Inglaterra, onde foi embaixador entre 1957 e 1960. A cena da coroação da rainha Elizabeth II é exibida em preto e branco, com a participação, digamos, jocosa, de Assis Chateaubriand, aliviando-se numa garrafa vazia em plena Catedral de Westminster.
O diretor acertou ao descartar a cronologia ou mesmo a veracidade dos fatos e contar a vida do homem através de seus feitos, alguns execrados, outros exaltados, ainda outros exagerados.
Advogado, ele participou da vida pública e política do Brasil, foi senador e amigo/inimigo de Getúlio Vargas (Paulo Betti). Jornalista, começou jovem no “Correio da Manhã” e chegou a possuir uma rede de jornais, revistas (O Cruzeiro), rádio e televisão pioneira, a TV Tupi de 1951(“Os Diários Associados”).
Foi fundador do MASP em 1947, museu de arte de São Paulo, cujo acervo foi adquirido em meio a boatos os mais diversos, com o auxílio de Pietro Maria Bardi (1900-1999) cuja mulher, Lina Bo Bardi (1914-1992), foi arquiteta do prédio do museu.
No filme, em meio a um delírio provocado por uma trombose em 1960, que o deixou sem falar e andar, um programa de televisão imaginário, apresenta os personagens de sua vida, principalmente suas mulheres, que foram muitas.
Casado com Maria Henriqueta Barrozo do Amaral (Letícia Sabatella), separou-se dela para viver com uma menina argentina de 16 anos (Leandra Leal), mãe de sua filha Teresa. A fascinante Vivi Sampaio, um amálgama de mulheres a quem amou, na pele de Andréa Beltrão, que se divide entre Chatô e Getúlio, tem cenas memoráveis, inclusive a última.
Os figurinos caprichados e uma bela luz, conferem ao filme a magia necessária ao clima de sonho e pesadelo em que se desenrolam as memórias de Chatô.
Um filme original, farsesco, bem imaginado, bem dirigido, com um ótimo elenco.
Eu adorei. 


Aliança do Crime


“Aliança do Crime”- “Black Mass”, Estados Unidos, 2015
Direção: Scott Cooper

Johnny Depp está irreconhecível. Muito magro, pálido, ralos cabelos claros e olhos com lentes azuis. Mas a frieza é o que mais assusta.
Mesmo quando ele ajuda uma velhinha na rua com suas compras e o informante que está revelando para a polícia a história de James Whitey Bulger, o “Jimmy”, diz que ele era adorado por todos, na região de Boston onde viviam, o ator passa uma impressão de um ser que é uma sombra sem alma.
Tudo começa em 1975 e a história é contada pelos que conviveram e fizeram parte do grupo em torno a Jimmy, chamado “Winter Hill Gang”, que praticava todo tipo de crime como extorsão, tráfico de drogas e assassinatos.
Saído de Alcatraz, onde passou dez anos, o irlandês, representado na tela pelo ator preferido de Tim Burton, convivia quando menino com John Connally (Joel Edgerton, que está excelente). Esse amigo, que se torna membro do FBI, faz a tal “aliança do crime” com o antigo companheiro de infância:
“- Brincávamos de mocinho e bandido nessas mesmas ruas de agora. Mas hoje em dia fica difícil dizer quem é quem...”
Com a promessa de se tornar informante do FBI sobre a Máfia italiana, Jimmy consegue proteção para o seu grupo, que passa a agir livremente.
Os únicos contatos afetivos de Jimmy, a mãe dele e o filho pequeno, morrem, fazendo com que essa figura arredia e de poucas palavras, fique ainda mais estranho.
Seu irmão menor, Billy (Benedict Cumberbach), um senador, também parece ser alguém que Jimmy quer poupar de maiores sofrimentos, mas o filme não aprofunda essa ligação fraterna.
Os assassinatos dos que traem Jimmy são cometidos à queima-roupa pelos que o cercam, mas à medida que passa o tempo, o próprio Jimmy executa esse trabalho sanguinário. Aquilo que era frieza, tornou-se crueldade insana, fazendo do irlandês um psicopata muito perigoso.
Consequência, diminui o número dos que o adoravam e aumenta o grupo dos que tem medo dele ou rancor.
Estranhamente, depois de cometer assassinatos, Jimmy se refugia na igreja, onde uma câmara no alto mostra um ser isolado, minúsculo mas especialmente amedrontador. O título do filme em inglês alude a uma “Missa Negra” na qual todos os valores da outra estão invertidos e desrespeita-se aquilo que é venerado.
Há momentos em que Johnny Depp parece o próprio Satã, com os olhos vazios e fixos e um corpo descarnado. Será que é dessa vez que ele vai ganhar o Oscar?
O filme, dirigido com brilho por Scott Cooper, baseado em fatos reais, é pesado e não idealiza em nada a figura de James Whitey Bulger. Parece querer ensinar que o crime realmente não compensa.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Olmo e a Gaivota



“Olmo e a Gaivota”- “Olmo and the Seagull”, Brasil, Portugal, Dinamarca, França, Suécia, 2014
Direção: Petra Costa e Lea Glob

Foi perturbador para Petra Costa, 32 anos, atriz e diretora de cinema, constatar que nem na literatura, nem no cinema, havia material psicológico importante sobre o tema que ela queria trabalhar em seu segundo filme, a gravidez. Compreendeu que, assim como o suicídio, abordado em seu primeiro documentário, o belo “Elena”, havia um tabu no tema da maternidade. Sempre que se falava nela, evitava-se tocar no que se passava na cabeça de uma mulher grávida. Nada sobre dúvidas, nem problemas, nem medos.
Ora, a gravidez coloca sempre em jogo a soberania da mulher sobre seu próprio corpo. Era disso que Petra Costa queria tratar.
Convidada para fazer parte de um projeto dinamarquês, que une em duplas diretores do país com estrangeiros, ela foi escolhida para fazer parceria com Lea Glob, que havia filmado um curta sobre o suicídio do pai. O tema era comum às duas e Petra sempre admirou o cinema dinamarquês.
Outro desejo das diretoras era trazer o teatro para o cinema. Daí a escolha da atriz Olívia Corsini do Théatre du Soleil, conhecida companhia francesa, com quem Petra nutria laços desde muito tempo.
Nesse momento inicial, a ideia era fazer algo como o que acontece no livro de Virginia Wolf, “Mrs Dalloway”, que conta o dia na vida de uma mulher. Enquanto ela faz coisas triviais, o passado e o futuro a invadem.
Mas, quando Olivia contou que estava grávida, chamaram seu companheiro Serge Nicolai e o projeto transformou-se numa já antiga vontade de Petra de falar sobre maternidade. Foram meses de filmagem sobre a atriz que tem que ficar presa em casa porque sua gravidez corre risco. E, desolada, vê o companheiro continuar com o projeto que era dos dois, a encenação da peça “A Gaivota” de Tchekhov, em Nova York e Montreal.
Realidade e ficção misturam-se frente aos nossos olhos.
Em closes reveladores, a câmara vasculha a mente de Olivia, que traduz em seu rosto e olhos expressivos, o que se passa com ela. Dúvidas e medos sobre o futuro, a carreira, o momento presente:
“- Não sei ao que me agarrar...”
E quando fala, muitas vezes grita suas angústias em francês e italiano com o companheiro:
“- Tenho um “alien” crescendo dentro de mim...”
“- Você está sensível demais”, diz Serge que é carinhoso com Olivia mas toca sua vida.
O filme é uma mistura muito íntima entre os atores, que vivem sua própria relação e o resto da equipe de filmagem que se intromete entre o casal. Há momentos em que ouvimos em “off” a voz da diretora, questionando a cena filmada e pedindo para que os atores repitam o que fizeram, de outra maneira.
“O Olmo e a Gaivota”, vencedor do prêmio de melhor documentário do Festival do Rio 2015, não é um documentário realista. É um olhar denso e questionador sobre a vivência da maternidade.
“Olmo e a Gaivota” é, no dizer de Petra Costa, “a luta entre as raízes e a liberdade”. O medo de não mais voar, está presente em Olivia, que sente que o bebê realiza uma grande mudança nela e ela se pergunta se vai perder asas ou transformar-se numa nova combinação, quase impossível, de voo e raízes.
Excelente.


terça-feira, 10 de novembro de 2015

A Acusada

 
“A Acusada”- “Lucia de B.”, Holanda, Suécia, 2014
Direção: Paula Van der Oest

Quando mais um bebê morre numa UTI de um hospital na Holanda, os preconceitos das outras enfermeiras contra sua colega Lucia de Berk (Ariane Schluter, excelente atriz) , estimulados pela polícia, tornam-se alimento para acusações de supostos assassinatos de bebês e idosos, da noite para o dia. Ela é vista como arrogante, estranha, solitária e mandona.
E, no entanto, era conhecida sua dedicação ao trabalho e o jeito especial que ela tinha de acalmar os bebês doentes em seu colo.
A promotora encarregada do caso (Annet Malherbe, ótima) fica desconcertada com a rapidez com que a enfermeira é considerada suspeita de múltiplos assassinatos. Não havia provas contra ela. Nem testemunhas.
Mas a ansiosa assistente novata da promotoria, Judith Jansen (Sallie Harmsen), em seu primeiro caso, quer mostrar seu valor e convencer a promotora:
“- O diretor do hospital citou estatísticas de uma chance em 700 milhões de ser coincidência o número de mortes e reanimações de bebês e idosos quando Lucia de Berk estava de plantão.”
“- Não temos um caso aqui. Esse número é ridículo!”
“- É uma chance em 340 milhões. Um especialista reviu os dados”, responde a novata. “E os médicos que examinaram o sangue disseram que havia digoxina, uma droga fatal para bebês.”
“- Mas não há marcas de agulha no corpo do bebê! Como ela poderia ter ministrado a droga? E não houve autópsia nos outros bebês?”
“- Dois foram cremados e um era muçulmano...”
Mas colocam escutas no telefone de Lucia e, quando ela fala sobre haloperidol para ministrar ao avô doente, um mandado de busca é expedido às pressas, conduzido pela assistente da promotora e a polícia, que encontram “provas”: livros sobre assassinatos na prateleira da sala e um diário que fala sobre uma “compulsão” de Lucia, que ela guardaria em segredo até a sua morte.
Levada para a prisão algemada, Lucia parece calma com um olhar estranhamente vazio. A imprensa assedia o carro que a conduz e os repórteres gritam seu nome, enquanto os flashes e as câmaras entram em ação.
Quando a assistente encontra um hiato de tempo cortado do eletrocardiograma do bebê que morreu, é o bastante para ela convencer a promotora a abrir o caso:
“- Esse foi o tempo que ela precisou para injetar o veneno por gotejamento no dosador.”
“- Mesmo assim, não podemos provar os outros crimes”, questiona a promotora.
“- Como não? Os livros sobre crimes, o passado dela, manipuladora e compulsiva. As características de uma psicopata.”
Pronto. O “Anjo da Morte” como passam a chamar Lucia, vai ser julgado num clima de histeria coletiva. Vai ser difícil a luta da defesa para tentar salvar Lucia de Berk de uma “caça às bruxas”.
A justiça está condicionada a julgamentos subjetivos e  sabemos que, quando alguém é encarado como uma ameaça para pessoas doentes e indefesas, todos são tomados pelo medo. É a invasão das mentes pela fantasia apavorante do grande poder da mãe sobre a vida e morte de seu bebê, que todos fomos um dia. Uma alucinação coletiva.
Levado num ritmo acelerado e com excelentes atuações, o filme da diretora Paola Van der Oest, baseado em fatos reais assustadores, prende o espectador.
Foi o maior erro judiciário acontecido na Holanda.

domingo, 8 de novembro de 2015

007 Contra Spectre


“007 Contra Spectre”- “Spectre”, Reino Unido, Estados Unidos, 2015
Direção: Sam Mendes

Desde 1962, James Bond, então na pele do atraente Sean Connery, seduz multidões que vão ao cinema vê-lo lutar contra homens maus e transar com mulheres bonitas.
O agente secreto inglês, que tem licença para matar, já foi visto em 24 filmes da franquia bilionária, interpretado por cinco atores. Daniel Craig é o último.
No novo filme, a sequência inicial é espetacular e se passa na Cidade do México, no Dia dos Mortos, com uma multidão trajando caveiras, coveiros, santeiros, noivas da morte e onde Bond, ao lado de uma bela mulher, ambos mascarados, entram num hotel antigo em festa, só para ele despir seu terno pintado com a caveira e aparecer, arma na mão, atrás da Spectre, organização criminosa global.
Ele escala a fachada, pula para outro prédio, ouve uma conversa, explode o prédio que cai em cima dele e, sem um pingo de poeira, volta à multidão, perseguindo um italiano que luta com ele num helicóptero que pousa na praça e decola levando os dois.
Uma frase apareceu na tela : “Os mortos estão vivos”, numa alusão ao passado de James Bond, que virá à tona.
A italiana Monica Bellucci e a francesa Léa Seydoux são as belas da vez, a primeira numa ponta e a outra reservando surpresas para o agente secreto, filha de um inimigo dele, que parece que vai ganhar o coração de Bond , famoso por trocar de parceiras com a maior facilidade e frieza, sem se envolver com nenhuma. Bem, houve Vesper Lynd (Eva Green) em “Cassino Royale”, citada no filme em uma fita VHS antiga.
M (agora Ralph Fiennes), o chefe do agente 007, aparece mais dessa vez e se envolve na história, assim como Q (Ben Whishaw), o inventor das engenhosas armas secretas de Bond e Moneypenny (Naomi Harris). Até a falecida M, Judy Dench, aparece numa mensagem para Bond.
O vilão, interpretado por Christoph Waltz, é sádico e tem mais intimidade com James Bond do que poderíamos pensar, lembrando um Caim pós-moderno, que afirma que ele é o responsável “por toda a dor” do nosso herói.
As locações vão mundo afora, começando pelo México, depois Londres, Roma, lagos e montanhas nevadas na Áustria e Tanger no Marrocos, onde as perseguições em carros rivalizam com Bond pilotando helicópteros e aviões a hélices. Tudo isso ao som da estrondosa trilha sonora de Thomas Newman.
Sam Mendes, o diretor, entrega ao público um filme com um bom suspense, pitadas de humor e muito bem executado.
Daniel Craig está afinado com o personagem e deixa rolar uma química romântica com a bela e talentosa Léa Seydoux, a dra Madeleine Swan.
Será que a cena final é uma promessa de um 25º filme com James Bond apaixonado e feliz?

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Grace de Monaco

 
“Grace de Monaco”- “Grace of Monaco”, França, Estados Unidos, Bélgica, Itália, 2014
Direção: Olivier Dahan

Ela era a princesa mais bonita do mundo.
Antes, tinha sido uma atriz festejada. Grace Kelly era loira, alta, aristocrática e bela. “O Cisne – The Swan” e “High Society – Alta Sociedade”, ambos de 1956, ela estrelou logo depois do Oscar de melhor atriz em “Amar e Sofrer – The Country Girl” de 1954.
E foi no Festival de Cannes que ela conheceu o príncipe com quem se casou em 1956, ela com 26 anos e Rainier com 33. Aquele vestido de noiva de sonho, a multidão aplaudindo nas ruas de Monte Carlo e acompanhando a passagem do Rolls Royce com a futura princesa, ajudaram a criar o mito. Nada poderia ser mais perfeito.
Fotografada por onde passava, ela tornou-se também um ícone da moda. Basta lembrar da bolsa Hermès que ela usava e que passou a se chamar “Kelly”.
A imagem de Grace Kelly tem, até hoje, 23 após sua morte, uma marca de graça e elegância atemporais. Por isso, fica difícil fazer um filme sobre ela.
Nicole Kidman é linda e boa atriz. Em “Grace de Monaco”, vestida como a princesa, ela consegue passar algo da magia que envolvia sua personagem na vida real. Mas há momentos em que o rosto da atriz fica duro, sem a expressão doce de Grace e a personagem vira uma caricatura, um arremedo infeliz.
O diretor, Olivier Dahan (“Piaf: Um Hino ao Amor” de 2007, que deu o Oscar de melhor atriz a Marion Cotillard), anuncia, antes que o filme comece, que vai fazer ficção e que seu filme é apenas baseado em fatos reais. Então, se é ficção, o público gostaria de ver Sua Alteza Sereníssima desfilando linda e plácida e não, como é o caso, tendo ataques histéricos e se descabelando porque o marido não quer que ela volte a fazer filmes em Hollywood (no caso, “Marnie” com Hitchcock).
Tim Roth, bom ator, está sofrível no papel de Rainier III, mas, se nem o próprio parecia ser um príncipe encantado, o ator consegue ser ainda menos charmoso, sempre com um olhar de tédio e fastio.
Quem mais brilha é Paz Vega, que arrasa como Maria Callas, com brilhantes e esmeraldas ofuscantes, chapéus extraordinários e maquiagem de deusa grega.
Frank Langella, como o padre que parece ser o melhor amigo e confidente de Grace, está ótimo e rouba todas as cenas em que aparece, fazendo pensar que a princesa precisava dele para entender o que veio fazer em Monaco:
“- Não sei como vou viver em um lugar onde não posso ser eu mesma”, choraminga ela.
“- Você veio aqui para interpretar Sua Alteza Sereníssima, Princesa de Monaco. É o maior papel de sua vida”, responde o padre.
O roteiro de Arash Amel às vezes beira o ridículo.
Salvam-se as belas paisagens, locações à beira do mar azul turquesa, a direção de arte impecável e os figurinos maravilhosos, graças à Dior e aos arquivos da Maison Balenciaga, como rezam os créditos finais.
Odiado em Cannes, onde abriu o Festival desse ano e rejeitado pela família de Grace Kelly por ser “baseado em referências históricas erradas e dúbias”, o filme “Grace de Monaco” poderia ter sido uma homenagem à princesa mais bonita do mundo. Está longe disso, apesar de ser um filme razoável.
Uma pena.