“Um Homem que Grita”- “Um Homme Qui Crie”, França, Bélgica, Chade 2010
Diretor : Mahmat- Saleh Haroun
Esse filme é um pequeno milagre.
Filmado no Chade, um país muito pobre, chamado de “coração negro da África” por seu clima desértico e sua distância do mar, é um raro filme africano premiado em festivais. Ganhou o Prêmio do Júri em Cannes 2010 e em São Paulo, a Mostra concedeu-lhe o Prêmio Humanidade.
“Um Homem que Grita” é o quarto longa do diretor Mahmat- Saleh Haroun, de 50 anos, nativo do Chade, para quem o cinema foi paixão à primeira vista. Seu tio levou-o a ver um filme de Bollywood e o menino de 9 anos caiu de amores pela linda indiana que sorria na tela, em “close”, só para ele.
“ - A sensação foi tão marcante, que até hoje me lembro desse rosto”, conta ele.
Aos 15 anos vê “Roma, Cidade Aberta” de Roberto Rossellini. Diz:
“ - Pensei: tenho que fazer a mesma coisa que ele.”
Aos 19 anos foi ferido na guerra civil e depois de algumas aventuras, fugiu para a França.
Aos 21 anos cursou o Conservatório de Cinema de Paris.
Seus filmes falam sempre sobre o seu país:
“ - Quero ajudar a construir a memória do Chade. Quando comecei a filmar me perguntei: o que tenho dentro de minha cabeça como imagem de meu país? Nada. Porque ninguém nunca o filmou.”
“Um Homem que Grita” conta a história de um ex-campeão de natação (Youssouf Djaoro), aos 60 anos, a quem só resta cuidar amorosamente da piscina de um hotel em N’Dajema, capital do Chade, de ruas de areia, cruzadas por pequenos lagartos indiferentes aos homens.
Quando isso lhe é tirado, ele afunda em um poço negro, destituído de sua identidade e dignidade.
“- A piscina é a minha vida “, repete Adam. Desconsolado.
Substituido por seu filho Abdel (Diouconda Koma) nessa função, a ele compete ser o novo porteiro do hotel, vestido com as roupas muito curtas do antigo funcionário. É a imagem do desânimo, com seus longos braços e pernas sem outra coisa a fazer que abrir e fechar a cancela do hotel.
Em casa, fazendo abdominais no escuro da noite, seu corpo negro brilha com o suor e seu rosto reflete o impacto dos anos que já lhe pesam.
“- Está parecendo um leão velho”, diz Abdel de 20 anos ao pai envelhecido.
Tudo isso vai fazer Adam, a quem todos chamam de Campeão, tomar uma atitude da qual vai se arrepender para sempre.
A guerra civil grassa no país há anos e a todos é pedido um ”esforço de guerra”: dinheiro ou um filho. A outra opção é fugir do país.
O diretor Haroun disse, em uma entrevista, quando veio ao Brasil no lançamento de seu filme:
“- Não é um filme sobre a guerra, mas sobre aqueles que sofrem com ela, experimentando o sentimento de o seu próprio destino lhes escapar.”
E é isso que comove o espectador. A história é contada com poucas palavras, muito silêncio e imagens impactantes pelo desespero e solidão que retratam.
Às tantas, um personagem, abalado pela situação terrível que o país vive, diz:
“- Nosso problema é que colocamos nosso destino nas mãos de Deus.”
De forma simples, direta, e com longos “closes” no rosto expressivo molhado de lágrimas de Adam, compreendemos todo o seu drama e sua impotência.
“- Meu protagonista é alguém que compreende, dolorosamente, que o seu grito de sofrimento tem como única resposta o silêncio de Deus,” diz Haroun.
Uma das cenas mais emocionantes é a do lamento cantado em língua africana pela namorada do filho de Adam, com seus mega-brincos e sua barriga grávida, ao ouvir a fita cassete gravada que ele lhe envia, desesperado, do “front” de guerra.
O pai, que todo escuta, prepara-se para uma ação perigosa.
E a bela cena final, na qual o rio assume a importância de um lugar sagrado, não será esquecida fácilmente.
Depois do filme, palavras de um poema de Aimé Césaire aparecem na tela e nos faz pensar no sofrimento da África, esquecida pelo mundo:
“Não fique indiferente,
A vida não é um espetáculo.
Pois o homem que grita,
Não é um urso que dança...”