quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Você vai conhecer o homem dos seus sonhos



“Você vai conhecer o homem dos seus sonhos”-

“You Will Meet A Tall Dark Stranger”, EUA / Espanha, 2010

Direção: Woody Allen





Sábios antigos advertiam que, quando os deuses queriam castigar os homens, satisfaziam os seus desejos...

Isso acontece porque é próprio da natureza humana estar sempre insatisfeita. Desejar, e frustrar-se depois, seria a marca do nosso jeito de viver no mundo...

Pior ainda, aprisionados pelo tempo, desejamos o que não sabemos como será. Porque é próprio do futuro esconder-se atrás de um véu inalcançável.

“Você vai encontrar o homem dos seus sonhos”, encena essa questão central do desejo na vida humana e suas complicações.

O filme começa e ouve-se a canção “When you wish upon a star”(Quando você vê uma estrela e pensa em um desejo), cantada pelo Grilo Falante e que encerra o desenho “Pinocchio”de Walt Disney, de 1940. Aliás, essa música ganhou o Oscar daquele ano.

Todo mundo se lembra que Gepetto, o marceneiro que fabricou o boneco, deseja que Pinocchio se torne um menino de verdade. Então, ele vê uma estrela e expressa seu desejo: seu sonho se realiza.

E tudo isso porque a crença na fada da estrela norteou o desejar de Gepetto.

Ora, Woody Allen pergunta nesse seu novo filme: será que as pessoas que tem uma crença são mais felizes do que as que não acreditam em nada?

E ele mesmo responde ao “The New York Times”:

“Para mim, não existe diferença real entre uma cartomante, um biscoito da sorte e qualquer uma das religiões organizadas. São todas igualmente válidas ou inválidas. E igualmente úteis.”

E esclarece para os seus fãs: “Não sigo essas coisas. Bem que eu gostaria. Seria uma grande ajuda naquelas noites escuras.”

Pois é...

Aos 74 anos, Woody Allen filma novamente em Londres (fotografada pelo magnífico Vilmos Zigmund) onde seus personagens vivem histórias entrelaçadas. Tudo tem a ver com a luta para se alcançar o que se deseja e o papel que as crenças desempenham na vida das pessoas.

Como sempre, Woody Allen é universal e contemporâneo, usando dessa vez o casamento para ilustrar suas conclusões sobre a natureza humana.

Os pais de Sally (a excelente Naomi Watts) se separam após quarenta anos de casados. Alfie, o pai (Anthony Hopkins), acredita que pode reconquistar a juventude perdida e casa-se com uma moça vulgar, de pouca moral e consumista (Lucy Punch). Helena, a mãe (ótima Genna Jones), ajuda financeiramente a filha que está passando um mau momento em seu casamento com Roy (Josh Brolin), um escritor bissexto que se encanta pela vizinha Dia (a sensual indiana Freida Pinto).

Acontece que Helena está deprimida por causa do divórcio e precisa de companhia. Terapias e remédios parecem não ajudá-la. É, então, incentivada pela filha a procurar uma vidente (Pauline Collins). Sally não tem tempo, nem paciência para cuidar da situação. E pensa que a vidente Cristal, apesar de ser uma charlatã, vai distrair a mãe e fazer-lhe uma companhia inócua.

Mas a cada visita que faz à vidente, a mãe de Sally se envolve mais e mais. Traz para a filha as previsões, nas quais acredita piamente, mas Sally a escuta com pressa e nem chega a prestar atenção ao que ela diz.

Essas conversas com a filha e seus encontros com o livreiro esotérico fazem da personagem Helena um foco de graça, em um filme que não tem a finalidade de fazer rir mas que convida a sorrir por empatia.

Embalada por seus sonhos de ter a sua própria galeria de arte, Sally também não dá muita atenção à atração que sente pelo patrão (Antonio Banderas, muito apagado nesse papel) e nem ao marido desanimado. Quando acorda é tarde demais.

No final, uma história de decepções e desencontros vai envolver a todos, ilustrando de forma exemplar o castigo dos deuses ao realizar o desejo dos homens.

Filme pessimista? Eu diria que é realista e amadurecido. Com leveza (que pode até ser confundida com superficialidade), Woody Allen se mostra, como sempre, um grande observador da natureza humana.

Ele nos ensina que o problema não é desejar isso ou aquilo, já que é próprio da nossa natureza viver assim. Daí a citação inicial com as palavras de Shakespeare sobre a vida humana ser "som e fúria" e acabar em nada.

E, mesmo admitindo ser um cético, explora o fato de que crenças irracionais podem ajudar os humanos a melhorar a auto-estima.

Eu acrescentaria que, se a coisa não der certo, apesar do nosso empenho, vale aceitar a vida como ela vem. Mudar o foco do desejo. Aliás, a única maneira de se viver bem.

3 comentários:

  1. Acho que mais uma vez, vc tem razão,
    Eleonora.
    Esse seu final me fez mto bem:
    "Eu acrescentaria que, se a coisa não der certo, apesar do nosso empenho, vale aceitar a vida como ela vem. Mudar o foco do desejo. Aliás, a única maneira de se viver bem."

    Mtas vezes penso, que aceitar a vida como ela vem e mudar o foco do desejo, são sinônimos de comodismo e conformismo, mas vai ver que aí está, realmente, o bem viver.

    Me deu mta vontade de assistir esse filme, mesmo ainda estar sp procurando na locadora o último do W.A que não vi ainda.

    Hj em dia, ando sp atrazada em matéria de cinema.
    Só hj assisti O SEGREDO DOS SEUS OLHOS, depois vim pro seu blog, reler a sua crítica e acho q vou ter q assistir de novo, pq aquela cena q vc disse q é de tirar o fôlego - no estádio de futebol - me passou meio desapercebida.

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  2. Sylvia querida,
    Adoro ter uma leitora tão atenta e que confia nos meus olhos. Dá muito prazer escrever e ser lida com tanto carinho e confiança.
    Obrigada a você e a todos que não tem essa sua facilidade para se expressar em palavras mas que me acompanham nesse nosso amor pelo cinema.
    Bjs

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  3. Confiança é a palavra mais certa, Eleonora e confiar é um sentimento sp mto quente, com cheiro de biscoito saindo do forno.
    Cobertor xadrez bem colorido e no melhor dos dias: sombra e água fresca.

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