terça-feira, 31 de julho de 2018

A Festa



“A Festa”- “The Party”, Reino Unido, 2017
Direção: Sally Potter

Um tango e um susto. Uma mulher descabelada, alteradíssima, abre a porta e aponta uma arma para a câmera. Mas o que é isso? Por que nos olha enfurecida?
E, na sequência, quase nos esquecemos dessa abertura tragicômica. Porque uma raposa está no pátio de um apartamento e olha para dentro da sala, onde Bill (Timothy Spall) com os olhos no vazio, bebe algo e ouve música. Será uma alucinação? Bem, estamos na Inglaterra e lá existe caça à raposa. Parece um mau sinal...
Na cozinha, a mulher de Bill, Janet (Kristin Scott Thomas) prepara o jantar, feliz.
O telefone não para de tocar e ela atende agradecendo os elogios. Há uma comemoração. Janet foi nomeada Ministra da Saúde e está recebendo os parabéns dos amigos.
Mas há alguém que liga várias vezes e que ela atende aos sussurros e rindo. Muito sexy. Um caso de amor secreto?
Chegam os convidados, April (Patricia Clarkson) a melhor amiga e Gottfried (Bruno Ganz), azedos um com o outro e logo Tom (Cillian Murphy), que trabalha no mercado financeiro, sem a mulher Marianne, que virá para o café. Ela é assistente de Janet e todos concordam que ela é muito bonita e jovem.
Quando Tom corre para o banheiro, antes mesmo de cumprimentar Janet, percebemos seu nervosismo. E para nosso espanto, cheira cocaína na borda da banheira, sua muito e vemos que ele tem uma arma. Que estranho...
Outras duas convidadas, uma mais moça Jinny (Emily Mortimer) e a professora mais velha Martha (Cherry Jones) saem no pátio para discutir e parece que tem a ver com a gravidez de trigêmeos da mais nova.
Filmado em preto e branco, “A Festa” convida a plateia a prestar atenção nos diálogos e notar como pessoas aparentemente tranquilas perdem a cabeça quando ficam sabendo de certos segredos.
Sally Potter, a diretora de cinema inglesa, escreveu o roteiro com muito humor negro e ridicularizando os personagens, todos se achando inteligentes e civilizados, mas incapazes de lidar com situações nem tão inusitadas assim.
Contar mais é estragar a graça do filme que é uma sucessão de viradas numa montanha russa de acontecimentos inesperados.
Um filme bem inglês, com tiradas engraçadas e quase sempre cínicas. Patricia Clarkson, como a melhor amiga da dona da casa, rouba muitas cenas com suas falas ferinas disparadas a torto e à direito.
E, com outro tango, a cortina se fecha sobre a cena do início, que agora faz mais sentido.
Gostei muito.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

O Orgulho




“O Orgulho”- “Le Brio”, França, 2017
Direção: Yvan Attal

Preconceito e racismo são questões candentes na França atual. Dado o passado de colonização, o país herdou milhares de pessoas que buscam ali abrigo de guerras, fome e perseguições políticas em seus países natais. Tais pessoas e seus descendentes são malvistos por membros de uma França aristocrática e orgulhosa de sua cultura.
O filme do israelense, filho de argelinos, Yvan Attal, atual companheiro de Charlotte Gainsbourg, coloca na arena dois típicos contendores: a filha de argelinos, Neila Salah (Camelia Jordana) e o representante da França preconceituosa e que julga inferiores os imigrantes, Pierre Mazard (Daniel Auteil).
Ela mora no subúrbio de Paris e chega atrasada no primeiro dia de aula na Universidade Panthéon-Assas, escola da elite.
Já na entrada do prédio, ela é discriminada. O porteiro pede sua carteira de estudante, o que não faz com nenhum outro aluno. Suas roupas e a cor de sua pele a denunciam como uma “avis rara” naquela escola.
Neila está inscrita no curso de Direito e a aula inaugural no anfiteatro é do professor Mazard, conhecido por suas ideias antiquadas e preconceituosas. Parece que ele se diverte ao torturar a aluna atrasada com comentários irônicos sobre sua origem, levando os colegas à indignação. Filmam tudo com seus celulares.
Viralizou. E agora? Como fica o nome da Universidade?
O professor Mazard é chamado pelo reitor e é obrigado, para redimir-se de sua atuação xenófoba e antipática à imagem da instituição, a convencer Neila a participar de um concurso de retórica, como representante daquela universidade. O objetivo não é ganhar tal concurso, que reúne os melhores alunos das escolas de Direito prestigiadas, mas limpar o nome da Panthéon-Assas.
E é o mais delicioso combate que iremos ver na pele de dois atores brilhantes. Camelia Jordana ganhou o César de atriz revelação por esse papel e o famoso Daniel Auteil, filho de argelinos na vida real, faz com ironia ácida o professor racista que engole com dificuldade a tarefa imposta mas que descobre pelo caminho que Neila é inteligente e aprende rápido.
“- Vou ensinar você a ter sempre razão. A verdade pouco importa. Entende?”
Ela custa um pouco a levar a sério o professor e suas aulas mas é uma guerreira e, quando percebe que falar bem, articular as palavras e conseguir bons argumentos é peça fundamental na profissão que escolheu, aplica-se cada vez mais. Incluindo a ideia de que é imprescindível uma boa apresentação, vestir-se de acordo e mostrar-se orgulhosa de si mesma.
É bem verdade que passa a estranhar um pouco seus amigos da periferia e se pega corrigindo o francês deles. Mas isso não impede seu amor por Munir (Hiasin Houicha).
Mas o roteiro não se aprofunda e parece que essa não é a intenção de Attal.
“O Orgulho” sugere a ideia de que, para vencer em uma determinada profissão, temos que nos comportar e apresentar como é o costume do local que escolhemos para viver. Pode parecer preconceito mas é o que funciona. Respeitar as regras não significa rebaixar-se mas reinventar-se, como fez Neila.
Puro bom senso.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Custódia




Direção: Xavier Legrand

Acompanhamos uma mulher pequena, de óculos, pelos corredores de um prédio, com uma assistente. Depois nos damos conta de que é uma juíza que vai presidir uma audiência de custódia de um menino de 11 anos.
O casal de pais, recém-divorciados, cada um com sua advogada, exibem rostos sérios, apreensivos. Nada sabemos sobre eles.
Quando a advogada da mãe de Julien (Léa Drucker) começa a falar, muito rápido, ficamos sabendo que há outra filha do casal, Joséphine, que vai fazer 18 anos logo e que, portanto, não entra na questão da custódia. Abruptamente, uma carta é lida e desperta em nós um desconforto. A advogada acrescenta:
“- Julien não quer ver seu pai. Há uma total rejeição. Joséphine foi tratada com violência pelo pai. A criança em questão quer ficar com a mãe.”
A outra advogada, de óculos e muito segura de si, diz simplesmente o oposto do que a advogada da mãe afirmou:
“- Pai e mãe são responsáveis pela educação dos filhos. A mãe acusa o pai de violência. Não há provas. Ele é descrito por pessoas que convivem com ele como sendo equilibrado, generoso, normal. Não combina com o que a mulher diz dele. Meu cliente está aterrado com a imagem que a mãe faz dele. Se ele não foi um bom marido, isso não quer dizer que foi mau pai. Pedimos a guarda compartilhada de Julien.”
E, apesar de haver um relatório da enfermeira da escola sobre sinais de comportamento violento do pai contra a filha, a juíza decide pela guarda compartilhada.
“Custódia” merece ser visto pelo espectador que não tem informações sobre o  filme. Porque o diretor nos convida a fazer um juízo próprio sobre essa cena da introdução. Paira no ar uma dúvida. Afinal, quem fala a verdade?
Mas se a juíza deu a guarda compartilhada...
E vamos ver acontecer as discórdias familiares cada vez que o pai vem buscar Julien para o fim de semana com ele. Alto, corpulento, ele se mostra empenhado em ter a companhia do filho, que o olha com apreensão. O close da câmera em seus olhos assustados, diz tudo.
Mas nos perguntamos ainda se a mãe ou uma outra pessoa não foi o responsável por fazer a cabeça do filho contra o pai (Denis Ménochet).
O filme do estreante Xavier Legrand, 39 anos, é um convite para o espectador viver essa relação de pai, mãe e filhos. Dentro da casa, do carro, onde eles estiverem. Vamos sentir na pele o que está acontecendo ali.
A tensão inicial vai num crescendo até que o filme vira um thriller. E o espectador se envolve e fica também muito assustado com tudo aquilo, até a aterrorizante cena final.
“Custódia” é um filme surpreendente, com excelente direção de atores bem escolhidos e menção especial para o ator mirim Thomas Gioria. O roteiro inteligente foi escrito pelo próprio diretor.
Grande filme, que não somente conta uma história bem contada, mas faz também uma reflexão sobre a violência doméstica e suas vítimas.




sábado, 21 de julho de 2018

Uma Casa à Beira Mar





“Uma Casa à Beira Mar”- “La Villa”, França, 2017
Direção: Robert Guédiguian

O barulhos das ondas antecede a visão do terraço debruçado sobre o mar. Um pequeno porto rodeado de rochedos, casas e árvores. Atrás da casa, um antigo aqueduto romano tornou-se ponte para o trem que vem e vai.
Um homem velho, cabelos brancos, olhos azuis e pele crestada de sol, olha a paisagem do por do sol e pensa em algo:
“- Azar...”, diz com impotência e cenho franzido.
Acende um cigarro e um close em sua mão que tenta agarrar a mesa, mostra que ele não está bem. As imagens do mar ficam desbotadas, quase em preto e branco.
Mas ele não morreu. Pior. Está na cama, com uma respiração agônica e olhos abertos que nada veem. Teve um derrame que o deixou paralisado e sem fala.
A doença do pai e, por que não dizer, a expectativa que ele morra, traz de volta à casa seus outros dois filhos, recebidos pelo irmão mais velho Armand (Gérard Meylan). Ele ficou na casa da infância e cuida do pequeno restaurante modesto fundado pelo pai.
“- Por que veio? Não precisava. Mas estou contente de te ver. Você não?”, pergunta a Angèle, sua irmã.
Ela (Ariane Ascaride, mulher do diretor e um rosto sempre presente em seus filmes) é atriz de sucesso e não volta à casa paterna há 20 anos. Está angustiada, já que essa visita vai trazer à tona memórias funestas, que ela quer evitar. Nunca perdoou o pai por causa de uma tragédia acontecida naquele lugar.
E Joseph (Jean-Pierre Darroussin) chega com uma namorada bem mais nova (Anais Demoustier) e traz consigo uma amargura e acidez que pioraram com o tempo e os infortúnios. Ele é um escritor que não consegue escrever nada há muito tempo.
A primeira parte do filme vai contar a história dos irmãos e como eles vão lidar com as recordações boas e más, que aquela casa traz de volta. Um balanço da vida é inevitável e e eles vão ter que encarar a realidade que foi possível, apesar de querer que quase tudo tivesse sido diferente.
Há também histórias de amor que ajudam a pensar em dias melhores, contadas com humor e doçura.
Na segunda parte, há uma reversão das preocupações por causa das crianças imigrantes que sobreviveram ao naufrágio que os trazia da África do Norte. São encontradas vivendo escondidas e à mingua pelos irmãos. O coração deles vai se abrir à essa tragédia
que roubou pais e país daqueles refugiados.
Robert Guédiguian, 65 anos, faz um filme com uma  visão humanista e parece que nos acena com esperança de um mundo melhor, baseado não em ideias de progresso ou de um retorno ao passado, mas na possibilidade das pessoas se reinventarem enquanto é tempo.
A vida é curta mas enquanto ela palpita em nosso coração, há sempre tempo para rever nossos passos e se inspirar para trilhar novos caminhos.

domingo, 15 de julho de 2018

Hannah




“Hannah”- Idem, Itália, 2017
Direção: Andrea Pallaoro

O curso de teatro que Hannah frequenta é um lugar onde poderia expressar emoções que na vida ela se proíbe. Talvez. Estranhamente, diálogos e pequenas cenas que ela representa lá, durante o filme, lembram idênticos momentos de sua vida. Parece que o diretor italiano Andrea Pallaoro avisa o espectador: prestem atenção nela.
Charlotte Rampling, atriz inglesa, 72 anos, é Hannah, uma mulher complexa e enigmática, até que entendemos melhor o contexto em que ela vive. No grupo de teatro ela interpreta como uma ficção, a terrível realidade.
E naquela mesa onde janta com o marido (Andre Wilms), o silêncio é o que resta, além de ações automáticas como comer, trocar a lâmpada que queimou, ir deitar. Mas uma massagem que ela faz com carinho nas costas do marido é um detalhe importante. Hannah expressa cuidado e amor.
O que aconteceu com aquele casal que parece caminhar para algo terrível ou ter vivido um drama pesado?
As duas opções parecem ser verdadeiras. Mas não ficamos sabendo logo. A história se desenrola devagar.
No dia seguinte, eles se vestem e ela pergunta:
“- Está pronto?”
Ele se curva e acaricia um cão, sussurrando palavras doces e amorosas. Uma despedida?
No taxi ele entrega a ela seu relógio. Entram num lugar que é uma prisão. Ele se entrega. Houve um crime?
Quando ela volta ao apartamento, ao colocar as roupas dele sobre a cama, temos a impressão de ver as roupas de um morto. Ela está de luto.
Seu rosto, filmado em close quase o tempo todo, expressa angústia, raiva, grande tristeza e um mergulho no lado mais escuro de sua alma.
Mas alguma esperança ainda resta. Porque ela trabalha como faxineira na casa de uma família rica e deita o menino cego em seu colo para fazer os carinhos que ele pede. Ela faz isso lembrando que tem um filho e um neto. Mas não mais. Foi expulsa da casa deles com um bolo de aniversário na mão.
O que aconteceu de tão grave? Que crime é esse que também a compromete?
Ouvimos uma mulher batendo na porta do apartamento e pedindo para falar com ela. Uma conversa de mãe para mãe, diz a voz. Ela não abre a porta. Mas há indícios que se confirmam quando ela encontra fotos escondidas.
O que interessa aqui não é a revelação de um crime. É o essa situação vivida faz com Hannah. Parece que ela afunda dentro de si mesma. Quando desce as escadas intermináveis do metrô, quando olha a carcaça da baleia na praia, quando joga fora os lírios mortos ou as fotos que encontrou.
Até quando ela vai aguentar?
Charlotte Rampling ganhou o prêmio de melhor atriz por sua Hannah no Festival de Veneza de 2017.
Merecido. Ela é o filme.

sábado, 14 de julho de 2018

Nos Vemos no Paraíso




“Nos Vemos no Paraíso”- “Au revoir là-haut”, França, 2017
Direção: Albert Dupontel

Numa cena original, vemos um cão pastor alemão, correndo entre crateras de um campo de guerra, para levar às mãos do oficial encarregado, dentro da trincheira, um aviso secreto de cessar as hostilidades.
O Tenente Pradelle (Laurent Lafitte) ignora a ordem oficial e faz uma maldade. Manda dois soldados, em plena luz do dia, para uma missão de reconhecimento. Estão condenados à morte.
E outros também morrerão porque os alemães revidam. São de novo o alvo a ser riscado do mapa. O Tenente comanda o inútil combate, a poucos dias do Armístício.
Isso é contado por Albert Maillard (Albert Dupontel) durante um depoimento à polícia em 1920, no Marrocos. Por que? Saberemos aos poucos, num longo “flashback”.
Percebemos que, ambientado no fim da Primeira Grande Guerra, novembro de 1918, vamos ouvir falar nesse filme sobre as consequências das guerras no comportamento dos homens, que ganham muito dinheiro em negócios escusos.
E é também a história de uma grande amizade.
Assim, vemos que durante a última batalha, Albert fica conhecendo Édouard Péricourt (Nahuel Pérez Biscayart). O escriturário e o jovem, filho de uma família rica, não tem nada em comum, a não ser o laço criado na luta pela sobrevivência, naquele campo de batalha. O jovem salva Albert numa situação difícil e por causa disso é atingido por uma bomba e tem o rosto desfigurado.
No hospital, Albert ajuda Péricourt a ter um alívio de suas dores. Rouba morfina. A gratidão de Albert é enorme e faz tudo que Édouard pede a ele. Inclusive dizer à sua família que ele morreu. Está brigado com o pai (Niels Arestrup).
Os dois vão viver juntos em Paris. E o jovem artista, além das belíssimas máscaras que faz para esconder seu rosto, vai convencer Albert sobre dois planos de vingança.
O filme ganhou cinco Césars, inclusive o de melhor diretor e melhor roteiro, adaptado do livro de Pierre Lemaitre, ganhador do Prêmio Goncourt, além de melhor cenografia, fotografia e figurinos (Mimi Lempicka).
“Nos Vemos no Paraíso” é um espetáculo visual bem cuidado nos mais ínfimos detalhes e o elenco convence com interpretações dramáticas que nunca descambam para o ridículo, apesar das extravagâncias da história.
É um filme que merece ser visto por um público exigente.


sexta-feira, 13 de julho de 2018

Lida Baarova




“Lida Baarová”- Idem, Alemanha, 2016
Direção: Filip Renc

Aquela velha senhora que aceita dar entrevista a uma jornalista, aos 86 anos, ainda guarda gestos de Lida Baarová, que foi uma das mais famosas estrelas de cinema na antiga Tchecoslováquia, onde nasceu em 1914.
Inicia-se assim um longo “flashback” que mostra como comçou sua carreira, aos 17 anos, incentivada por sua mãe. Ela, que já fora atriz sem sucesso, acompanha a filha nas gravações e fica radiante quando as duas vão para Berlim em 1934 a convite dos estúdios UFA, o mais importante da época, bancado pelo governo de Hitler, o Fuhrer nazista, a quem todos deviam obediência.
A mocinha teve que trabalhar seu alemão com sotaque para ser convidada para o papel principal em “Barcarole” onde contracenaria com o galã alemão, seu ídolo, Gustav Frohilich (Gedeon Burkhard).
E claro, os dois vão viver um romance, apesar de Gustav ser casado. Lida muda-se para a casa dele e torna-se vizinha do Ministro da Propaganda Nazista, Joseph Goebbels.
E Lida Baarová vai ser a amante, por dois anos, daquele que mandava no cinema da Alemanha, inclusive.
O narcisismo exaltado parece ser o traço de personalidade que os une, além da atração pelo poder. Não há em nenhum dos dois uma avaliação das consequências de seus atos. Pensam apenas na própria satisfação de seus desejos.
Lida, totalmente alienada do que acontecia na Alemanha, ou talvez não querendo ver nada além de sua imagem no espelho, fechada em sua redoma de egoísmo, se envolve com o homem que a humanidade vai chamar de monstro.
Goebbels, pequeno e manco, era considerado um perigo para as mulheres. Possuia todas que queria. Seu poder era imenso. Era o ideólogo do nazismo.
Será o ponto final nas ambições de Lida, que é barrada em suas intenções envolvendo Goebbels pelo próprio Hitler.
Começa a derrocada de Lida Baarová, proibida de filmar na Alemanha. Ela ainda faz alguns filmes na Itália e Espanha, mas seus sonhos de grandeza não tinham mais a menor chance de acontecer.
O filme é bem cuidado e o elenco funciona bem. Mas seu principal mérito é alertar para o fato de que uma vida é consequência das escolhas que fazemos e da maneira que as vivemos.
Lida Baarová, que tinha sido convidada para trabalhar em Hollywood e recusara por seu amor a Goebbels, diria no fim de sua vida, com sua habitual presunção:
“- Eu poderia ter sido maior que Marlene Dietrich...”

terça-feira, 10 de julho de 2018

As Boas Maneiras




“As Boas Maneiras”, Brasil, 2017
Direção: Juliana Rojas e Marco Dutra

“Era uma vez uma bela princesa”, está escrito em latim no capacho do apartamento de Ana. Clara, uma moça negra que procura trabalho, não sabe ler latim. Ela sai do elevador de serviço para onde foi mandada pelo porteiro, olha com espanto os dizeres do capacho e toca a campainha.
Ana (Marjore Estiano, esplêndida) está grávida e veio do interior, onde morava na fazenda dos pais, para São Paulo. Clara (Izabel Zuaa, magnífica) não tem referências porque parou de trabalhar para cuidar da avó no fim da vida. Ficou incompleto seu curso de enfermagem. E experiências de vida não constam no currículo. Porém é isto que chama a atenção de Ana, que está à procura de ajuda. Só que nem ela sabe bem do que precisa...
Só com esse detalhe o filme mostra a que veio. Há um entendimento espontâneo, que faz com que o abismo social entre essas duas mulheres não impeça que vivam juntas um drama. Uma história de horror e amor.
Clara, com seu olhar sério e grave, por trás do qual brilha uma alma maternal, parece entender de imediato que vai precisar apoiar aquela menina carente.
E é assim que a história começa. A menina branca expulsa de seu reino e a negra que tem no sangue a senzala dos antepassados, vão se aproximar e as diferenças vão uni-las.
Sinhazinha precisa da mucama e da ama de leite que habitam em Clara. E ela tem muito amor para dar.
Ana esqueceu as “boas maneiras” e foi castigada. Quer esquecer também que o filho dela nunca vai ter um pai, fruto de uma relação fortuita com um desconhecido. Mas como quem canta seus males espanta, ela dança e canta na frente do programa brega da televisão.
Quem pinta de azul o quarto e monta o berço é Clara. E a caixinha de música antiga encanta as duas.
“As Boas Maneiras” tem duas partes. Mas não convém entrar em muitos detalhes e tirar a graça da história. Basta saber que é um filme sobre mulheres, não apenas no tema maternidade biológica ou de coração, mas no jeito de ser e conquistar, na criação de mundos, no instinto que defende a cria, no gosto pelas cantigas e pelas histórias que contam e que ouviram de suas mães e avós.
Se na primeira parte, o mundo de Joel (Miguel Lobo, muito expressivo) e sua origem desapareceram em segredo, na segunda, Clara tenta ensinar “boas maneiras” a um menino aparentemente tranquilo, na esperança de ludibriar sua natureza, que ela conhece tão bem.
Belo, comovente e original, “As Boas Maneiras” compartilha uma tendência de revigoração dos mitos, já que eles ensinam aquilo que a cultura quer expulsar. O mito em questão nesse filme fala da essência do humano e nos relembra que também somos bicho. O que é bom não esquecer porque quando a coisa fica feia, é ele que nos defende do pior. A cena final é antológica e surpreendente.
Elogios para a direção e o roteiro de Juliana Rojas e Marco Dutra, a fotografia de Rui Poças que pinta imagens estonteantes, sem esquecer a produção de arte de Fernando Zuccolotto que encontra o caminho certo entre a fantasia e a realidade nos elementos escolhidos.
“As Boas Maneiras”, merecidamente, ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Locarno.



quinta-feira, 5 de julho de 2018

A Noite Devorou o Mundo




“A Noite Devorou o Mundo”- “La Nuit a Devoré le Monde”, França, 2017
Direção: Dominique Rocher

Confesso que não vejo filmes de zumbis. Gosto de filmes de horror quando há algo a pensar. O que é muito raro.
Mas sei que sentir medo e tudo acabar depois de duas horas, é diversão para muitos. Talvez porque se reasseguram que não há nada a temer fora da sala de cinema, onde gritaram e fecharam os olhos quando o clima apertava. Adrenalina na veia.
Mas o mundo de hoje em dia provê bastante terror real. É isso que os fãs de filmes de horror não querem ver? Porque não dá para controlar a ameaça real.
E quem algum dia imaginou Paris entregue aos zumbis?
Se no lugar dos mortos vivos pensarmos em imigrantes muçulmanos, não fica muito diferente o cenário para os xenófobos, os que temem os estrangeiros em geral e os árabes em particular, muito mais depois dos ataques terroristas que aconteceram na França.
Há mesmo uma paranoia crescente entre os que vivem com medo de homens bomba, os “zumbis” atuais.
“A Noite Devorou o Mundo” presta-se a esse tipo de reflexão. Mas também a leituras mais psicológicas.
Assim, Sam (Anders Danielsen, ator norueguês de “Oslo, 31 de agosto” de 2011, do genial diretor Joaquim Trier) é um garoto que está bravo e triste porque levou um fora da namorada. Quando ele volta na casa dela para pegar coisas dele ainda com ela (o coração?), depara-se com uma festa dada pela ex e o atual dela. Fica ainda mais raivoso, ignorado que é pelos outros convidados. E não aceita nem conversar com a menina que o desprezou.
Nesse estado de espírito, Sam vai se refugiar num quartinho dos fundos do apartamento onde, cansado de tanta injustiça contra ele, dorme.
E, claro, acorda num pesadelo.
Algo aconteceu porque todos morreram e viraram zumbis. Se pensarmos na raiva mortífera que o acompanhou naquele exílio voluntário no quartinho, foi ele mesmo o causador do massacre. E agora, está à mercê dos devoradores de gente. Dente por dente, olho por olho.
Quem era Sam antes desse apocalipse? Não sabemos grande coisa. Gosta de música porque o vemos com fones de ouvido e improvisando sons com copos, garrafas e coisas da cozinha, qual um Phillip Glass sem talento.
Isso quando não bate nos pratos e tambores da bateria que já foi de alguém. Nela descarrega sua raiva e também chama os zumbis para caçoar deles. Ele é onipotente e reina acima dos pobres mortos vivos que não conseguem atingi-lo.
Sam é um solitário. Talvez tenha o perfil daqueles garotos americanos que voltam à escola para matar.
O certo é que ele prendeu um dos zumbis (Denis Lavant, ótimo), que queria come-lo, no elevador. Toda noite senta-se a seu lado, ouve os grunhidos e, fora do alcance daquelas garras, fuma charutos e faz confissões.
Há uma garota que ele fere pensando que ela era um dos zumbis. A bela iraniana Golshifteh Farahani semeia um início de culpa e luto em Sam e parece que isso o liberta da prisão que ele habita.
Mas não ficamos sabendo de muito mais.
“A Noite Devorou o Mundo” é um filme de um jovem diretor estreante, Dominique Rocher, bem realizado e baseado no romance de Martin Page (sob pseudônimo de Pit Agarmen, em anagrama), com ideias originais e uma competente produção.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

O Vazio do Domingo




“O Vazio do Domingo” - “La Enfermedad de Domingo”, Espanha, 2017
Direção: Ramón Salazar

Naquele palácio de mármore e espelhos, a dona da casa alta, cabelos brancos bem cuidados, vestida com uma saia longa de seda e suéter prata, dá as últimas instruções aos criados antes do jantar formal. Tudo tem que estar perfeito.
Anabele sabe receber bem. O jantar aconteceu, como sempre, às mil maravilhas, apesar do tédio que transparece no rosto dela.
Mas, acabado o jantar, quem é aquela moça que a encara num misto de atrevimento e surpresa? Como conseguiu entrar na casa? Não é um dos convidados.
Passado o primeiro susto, um papel amarrotado é deixado em cima da mesa. Um encontro está marcado.
E Anabele vai se ver frente a frente com Chiara, a filha que deixou com o pai aos 8 anos de idade.
Vão passar dez dias juntas. É o pedido que a filha faz. E a mãe, parecendo a contragosto, vai.
Quando chega na velha casa, nada parece mudado. E Chiara não se mostra simpática nem acolhedora. Por que então insistiu nesse encontro?
Ramón Salazar, diretor e roteirista coloca aquelas duas, a mãe (Susi Sánchez) e a filha (Bárbara Lennie), separadas há tanto tempo, juntas, para contar uma história comovente.
Dia após dia, mãe e filha vão se estranhar e se aproximar, numa coreografia de diferentes afetos, construída ao longo desse tempo que passam na mesma casa.
Não se conhecem. Os laços de sangue não ajudam. Será no mais profundo poço do abandono acontecido que Anabele vai reencontrar a filha Chiara.
Despida de luxos e da arrogância, a mãe vai comover-se com a filha. Tão distantes mas já tão próximas aquelas duas.
Há uma missão a ser cumprida. E a mãe vai oficiar um ritual de compaixão. Só ela vai entender, não sem dificuldade, do que a filha precisa. Eis o porquê do chamado.
Um clique de máquina fotográfica antiga une as diferentes fases do filme, fazendo menção ao tempo real e ao tempo imemorial do afeto.
Uma reconstrução do passado é necessária para que  mãe e  filha possam atuar, afinal, o ritual de passagem inspirado pelo amor, que une vida e morte.


terça-feira, 3 de julho de 2018

Uma Linda Mulher



“Uma Linda Mulher” - “Pretty Woman”, Estados Unidos, 1990
Direção: Garry Marshall

Todo mundo viu esse filme dos inícios dos anos 90 que marcou a última década do século XX. Foi um enorme sucesso de bilheteria e a música “Pretty Woman”, um “hit”
no mundo inteiro.
Mas o que explica a fama desse filme? Porque é gostoso vê-lo e revê-lo há 28 anos?
A resposta a essa pergunta é que, provavelmente, todos gostam de um conto de fadas. “Pretty Woman” é uma Cinderela com Príncipe Encantado (Julia Roberts e Richard Gere, esbanjando uma química rara de se encontrar), vivendo o velho tema do amor que vence barreiras, num cenário atual.
Quando Edward Lewis aparece, é um empresário milionário entediado, separado da mulher e sem tempo para a amante, de olho em empresas com dificuldades financeiras para comprar, desmembrar e conseguir muito dinheiro vendendo suas partes separadas. Ele é bonito mas “blasé”. Nenhuma alegria de viver.
É então que, perdido em Los Angeles, pede informações a uma moça, que esperava cliente na esquina.
Já tínhamos visto Vivian antes, se arrumando para sair. Peruca loura, vestido curto mostrando nua a bela curva da cintura e botas acima dos joelhos, negras e brilhantes. No recheio, Julia Roberts com 21 anos, iniciando uma carreira no cinema. Se bem que ele já recebera uma indicação ao Oscar como atriz coadjuvante por “Steel Magnolias” de 1989.
Quando vê o Lotus guiado por Gere, que pegara o carro emprestado ao seu advogado, Vivian se aproxima e pede 10 dólares para informar o caminho para o Beverly Wilshire Hotel.
Acaba dentro do carro, dirigindo e sendo convidada por Gere para passar uma semana no hotel com ele por U$3.000,00.
E acontece o que todo mundo adivinha mas em cenas bem realizadas e com o enorme encanto de Julia Roberts, perfeita no papel da garota deslumbrada com o hotel, esnobada pelas vendedoras das lojas elegantes da Rodeo Drive e finalmente belíssima na ópera com um sexy e deslumbrante vestido vermelho e o famoso colar Fred de corações de rubi.
O par se ajuda mutuamente e o empresário entediado e interessado só em dinheiro transforma-se em empreendedor, enquanto que a garota de programa permite-se o sonho da felicidade no amor.
O final feliz combina com o conto de fadas e ninguém vai discutir mais nada, porque o amor conquista tudo. E ponto final.