Direção:
Juliana Rojas e Marco Dutra
“Era uma
vez uma bela princesa”, está escrito em latim no capacho do apartamento de Ana.
Clara, uma moça negra que procura trabalho, não sabe ler latim. Ela sai do
elevador de serviço para onde foi mandada pelo porteiro, olha com espanto os
dizeres do capacho e toca a campainha.
Ana
(Marjore Estiano, esplêndida) está grávida e veio do interior, onde morava na
fazenda dos pais, para São Paulo. Clara (Izabel Zuaa, magnífica) não tem
referências porque parou de trabalhar para cuidar da avó no fim da vida. Ficou
incompleto seu curso de enfermagem. E experiências de vida não constam no
currículo. Porém é isto que chama a atenção de Ana, que está à procura de
ajuda. Só que nem ela sabe bem do que precisa...
Só com esse
detalhe o filme mostra a que veio. Há um entendimento espontâneo, que faz com
que o abismo social entre essas duas mulheres não impeça que vivam juntas um
drama. Uma história de horror e amor.
Clara, com
seu olhar sério e grave, por trás do qual brilha uma alma maternal, parece
entender de imediato que vai precisar apoiar aquela menina carente.
E é assim
que a história começa. A menina branca expulsa de seu reino e a negra que tem
no sangue a senzala dos antepassados, vão se aproximar e as diferenças vão
uni-las.
Sinhazinha
precisa da mucama e da ama de leite que habitam em Clara. E ela tem muito amor
para dar.
Ana
esqueceu as “boas maneiras” e foi castigada. Quer esquecer também que o filho
dela nunca vai ter um pai, fruto de uma relação fortuita com um desconhecido.
Mas como quem canta seus males espanta, ela dança e canta na frente do programa
brega da televisão.
Quem pinta
de azul o quarto e monta o berço é Clara. E a caixinha de música antiga encanta
as duas.
“As Boas
Maneiras” tem duas partes. Mas não convém entrar em muitos detalhes e tirar a
graça da história. Basta saber que é um filme sobre mulheres, não apenas no
tema maternidade biológica ou de coração, mas no jeito de ser e conquistar, na
criação de mundos, no instinto que defende a cria, no gosto pelas cantigas e
pelas histórias que contam e que ouviram de suas mães e avós.
Se na
primeira parte, o mundo de Joel (Miguel Lobo, muito expressivo) e sua origem
desapareceram em segredo, na segunda, Clara tenta ensinar “boas maneiras” a um
menino aparentemente tranquilo, na esperança de ludibriar sua natureza, que ela
conhece tão bem.
Belo,
comovente e original, “As Boas Maneiras” compartilha uma tendência de revigoração
dos mitos, já que eles ensinam aquilo que a cultura quer expulsar. O mito em
questão nesse filme fala da essência do humano e nos relembra que também somos
bicho. O que é bom não esquecer porque quando a coisa fica feia, é ele que nos
defende do pior. A cena final é antológica e surpreendente.
Elogios para
a direção e o roteiro de Juliana Rojas e Marco Dutra, a fotografia de Rui Poças
que pinta imagens estonteantes, sem esquecer a produção de arte de Fernando
Zuccolotto que encontra o caminho certo entre a fantasia e a realidade nos
elementos escolhidos.
“As Boas
Maneiras”, merecidamente, ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de
Locarno.
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