domingo, 30 de julho de 2017

Monsieur & Madame Adelman



“Monsieur & Madame Adelman”- Idem, França 2017
Direção: Nicolas Bedos

Alguém tecla rápido numa máquina de escrever. Uma casa de campo, um lago. Interiores de um gosto refinado. Triste, uma ainda bela mulher, marcada pelos anos, arruma-se diante do espelho. A filha chama:
“- Você não vem mãe?”
No funeral de um escritor de sucesso, ninguém menos que Jack Lang (ex Ministro da Cultura), faz o elogio fúnebre:
“- Estamos em luto por um poeta. Victor Adelman foi um dos homens mais engraçados e talentosos que eu conheci. Ele nos deixa Sarah, sua mulher da vida toda...”
Na recepção, depois de tudo, um jornalista (Antoine Gouy) se apresenta a Sarah. É um dos biógrafos do marido, vencedor do prêmio Goncourt, que quer saber mais sobre o escritor.
“- Você não acha que já são muitas biografias? Original seria você escrever a minha. Porque todos nessa casa estão pensando: Essa é a velha que matou o marido?”
E passa a recordar as quatro décadas e meia do casamento deles. Como fundo musical os The Platters cantam “Twilight Times” de 1971, seguida de várias outras canções como “You’re a Lady”de 1973. Quem, com mais de 60 anos, não se lembra?
E a pergunta que se quer fazer é: ela fala a verdade? Conta mesmo tudo que se passou? Ele era mesmo assim? E ela?
Claro que a resposta é uma só, já que a “verdade” é sempre subjetiva. O fato contado é uma lembrança trabalhada por um afeto.
E Sarah é inteligente, divertida, culta, narcisista na medida certa e adora seduzir e ser seduzida. Então, o retrato que ela faz do casal, é charmoso, romântico, diálogos na ponta da língua e de um humor juvenil e intelectual. Isso no início. Depois o humor ganha acidez e aparecem os lados escondidos dos personagens.
Ele (o próprio diretor e roteirista, Nicolas Bedos) é um homem com cara de menino bonito e temperamento rebelde, de uma família conservadora, pai autoritário e burguês (Pierre Arditi) e mãe refugiada na bebida. Frequenta há anos o divã de um psicanalista paciente (o formidável Denis Podalydès).
Ela (Doria Tillier, também roteirista e atriz estreando com  talento), alta e boa estrategista, belo corpo e presença marcante, de uma família judia pobretona, imigrantes mas com laços verdadeiros entre eles e um pai de inteligência brilhante e simpático.
Na versão de Sarah, ela teria sido a eminência parda e ele um homem que fazia tudo que sua musa queria. Pelo menos por um bom tempo. O casal teve, como todo mundo, altos e baixos.
De qualquer modo, o roteiro a quatro mãos, de um casal da vida real, é muito bom e nos leva a reviver nossos “anos dourados”, para quem viveu naquela época onde os tabus foram quebrados e um vento de liberdade soprava .
Se alguém quiser dizer que o filme é comercial, feito para o entretenimento das pessoas que ainda frequentam salas de cinema, eu diria que sim, por que não? Quanto mais que tudo é bem feito, bem escrito, bem interpretado. A maquiagem na velhice dos dois é um pouco estranha? Ora, estamos no cinema. O truque faz parte.
O importante é que Nicolas Bedos, em seu primeiro filme, acertou em quase tudo. Risos e lágrimas, humor e seriedade, sabedoria e loucura, são os ingredientes dessa comédia dramática que agrada ao público por onde passa.

Um ponto a mais para o cinema francês que sabe fazer sucesso sem ter a necessidade de ser vulgar.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Dunkirk



“Dunkirk”- Idem, Estados Unidos, França, Reino Unido, Holanda
Direção: Chistopher Nolan

Desde a cena inicial, quando panfletos ameaçadores alemães caem do ar sobre os assustados soldados britânicos e franceses nas ruas de Dunquerque, uma cidadezinha francesa com longas praias frias e nenhum porto bastante profundo para abrigar navios de grande calado, você vai se sentir em pleno pesadelo.
Com os alemães levando vantagem no início da Segunda Guerra, final de maio de 1940, ganhando a batalha de Dunquerque, nada resta aos 400.000 homens do exército dos aliados, a não ser esperar.
Há uma luta sombria e melancólica contra o tempo. Só um milagre poderia salvar aqueles homens derrotados. Os alemães podem chegar a qualquer minuto e exterminar aquele exército que, ironicamente, vê ao longe as terras da Inglaterra, onde estariam a salvo, do outro lado do Canal da Mancha.
Miragem impossível.
Trata-se de uma espera terrível. O inimigo invisível ataca. Ouve-se o estrondo das bombas lançadas pelos aviões e submarinos afundando os navios ingleses. Na praia, o ricochetear das metralhadoras e explosões matam  homens anônimos.
Tudo é som e fúria. Medo, impotência, morte à espreita.
Jogando fora seu rifle e capacete, um soldado entra na água do mar, observado por seus companheiros que não se movem, petrificados. Todos hipnotizados, pensando se aquela não seria a melhor solução. Matar-se antes da morte certa, precedida de terror.
É o mago Chritopher Nolan que dirige esse filme de guerra sem sangue mas tão tenso e apavorante que chegamos a sentir na pele o que é estar numa guerra.
Também dele é a história contada em três palcos: terra, mar e ar.
Na terra, soldados jovens (Fionn Whitehead e Aneuris Barnard que se juntam depois a Harry Styles) fazem fila na praia, alvos sem defesa para as bombas lançadas dos aviões de nariz amarelo.
No mar, um pequeno barco de passeio, Mimosa, é requisitado, como muitos outros civis, para fazer a evacuação dos homens sitiados em Dunquerque.
Mr Dawson( Mark Rylance, ótimo), seu filho (Tom Glyn- Carney) e um amigo (Barry Keoghan) recolhem do mar um soldado enlouquecido (Cillian Murphy).
No ar, pilotos da RAF (Tom Hardy faz o principal) dançam uma coreografia mortal de perseguir e ser perseguido.
Em terra, a espera dramática durará sete dias, no mar levará um dia para atravessar o canal até a França e no ar, há uma hora para tentar abater os aviões inimigos.
A fotografia espetacular, fria e sinistra, de Hoyte Van Hoytema, alivia ou aumenta a tensão, conforme avança a dramática Operação Dynamo.
Filmado em câmaras IMAX, “Dunkirk” deve ser visto, de preferência, em salas que exibem o filme nesse formato. Nolan é um defensor da película, da granulação, das cores matizadas e como seu filme tem muito poucos diálogos, melhor não poderia ser. Porque o problema da filmagem em IMAX é que o diálogo tem que ser superposto à imagem, depois do filme pronto. Uma complicação a mais.
A trilha sonora de Hans Zimmer, com seus violinos estridentes, percussão que é como se um coração fosse explodir de tanto bater e o tique-taque de um relógio ouvido nessa corrida contra a morte, é a sonoridade ideal para completar a experiência sensorial que é “Dunkirk”.
O tema principal é o quanto a sobrevivência é importante para cada um dos indivíduos colocados nesse drama. Pacifista, como quase todos os filmes de guerra, há também uma lembrança sobre algo tão raro nos dias de hoje, a solidariedade.
Um grande filme.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

De Canção em Canção




“De Canção em Canção”- “Song to Song”, Estados Unidos, 2017
Direção: Terrence Malick

“- Pensei que a gente podia continuar se virando de canção em canção, de beijo em beijo...”, diz uma das personagens.
Aqui, tudo é um longo “flashback” de três: Faye (Rooney Mara) que diz a frase que dá título ao filme, é uma novata que quer ser cantora e compositora, mas que trabalha como corretora de imóveis; dois homens, Ryan Gosling, o BV, é compositor, bom caráter, que está próximo do sucesso e Cook (Michael Fassbender), um milionário produtor musical, mau caráter, exibicionista, que gosta de fazer pessoas sofrer. Os dois são amigos e se envolvem com Faye.
Outros personagens vão aparecer como Rhonda (uma comovente Natalie Portman), moça simples que confundiu casamento com felicidade, Amanda (a bela Cate Blanchett), caso de BV e Zoey (Bérénice Marlohe), que tem um namoro breve com Faye. Todos eles marcados por uma tristeza existencial. Belos e infelizes.
Como o filme se passa em Austin,Texas, lugar de grandes festivais ao ar livre de músicas de todas as tendências, astros de verdade aparecem em pontas como Iggy Pop, Val Kilmer e Patti Smith, que faz uma participação importante, cantando e funcionando como uma espécie de conselheira de Faye sobre o amor. Ela está fascinante, passando uma verdade singela em suas falas, com uma autoridade indiscutível.
Belas imagens de Emmanuel Lubensky, o mago da fotografia. A câmara se aproxima e se distancia dos atores que não param de se movimentar. Há uma coreografia de corpos que falam de uma excitação, enquanto a narração é em “off”. Cada um deles vai sendo conhecido por essas falas, que são confissões íntimas.
De um jeito ou de outro, cada um dos personagens acaba sofrendo em consequência de seus atos.
Mas há também uma desilusão saudável em Faye e BV, que são os únicos que conseguem conviver, finalmente, com a realidade da pessoa que o outro é. Isso inclue parceiro e familiares. E, para chegar aí, há que sofrer com a perda do sonho infantil de uma vida para sempre feliz, sem obstáculos nem conflitos. E aceitar-se como são.
O retorno a uma vida simples, encarando a verdade e compartilhando os momentos bons que fazem esquecer os maus, parece ser a saída da busca existencial vivida por todos os personagens.
E as poças de água lá no alto das pedras do deserto é o lugar de purificação, de misericórdia e perdão. O casal se une e encontra a paz.
“- Não quero parar de amar você.”
Diretor e roteirista, Terrence Malick não faz apenas um  cinema estético. Ele ensina lições sobre a natureza humana. E, dessa vez, de uma maneira menos filosófica e mais realista.
Tenha paciência, junte as imagens como se fossem peças de um quebra-cabeças e aproveite essa viagem.



quarta-feira, 19 de julho de 2017

Gatos


“Gatos”- “Kedi”, Turquia, 2016
Direção:Ceyda Torun

Istanbul, capital da Turquia, é uma cidade antiga e mágica. Debruçada sobre o mar, acolhe-o quando ele avança pelo estreito de Bósforo, que liga o Mar Negro ao de Marmara.
Já foi chamada Constantinopla e Bizâncio. Foi sede de vários impérios ao longo dos séculos. Gregos, romanos e venezianos estiveram por lá.
A cidade é dividida em duas e uma ponte movimentada liga a Europa à Ásia, nessa cidade que se estende em dois continentes.
A imagem inicial do documentário “Gatos” é uma bela visão panorâmica da cidade, vista do alto. Vemos o mar, os prédios antiguinhos, as ruas estreitas e as impressionantes Mesquita Azul e Hagia Sophia.
Mas a câmara desce e passa a se interessar por uma outra população: os gatos de rua de Istanbul.
E um dos amigos de felinos, resume numa frase o que  muitos dos habitantes da cidade acham sobre esses animais:
“- Os cachorros pensam que os humanos são Deus mas os gatos sabem que as pessoas são executoras da vontade de Deus.”
E, por essa e por outras, os gatos de rua de Istanbul não são seres abandonados. Eles andam com graça e majestade pelas ruas e telhados, no meio das pessoas. E vemos como são acariciados, mimados e bem-vindos pelos humanos que eles escolhem.
Ao longo das histórias de alguns gatos e seus guardadores, a câmara vai mostrando não só os bichanos e sua vidinha boa e livre, mas como são aqueles que dão voz a seus gatos.
A diretora Ceyda Torun, nascida em Istambul e vivendo agora nos Estados Unidos e o fotógrafo do documentário, Charlie Wuppermann, assumidos amantes de felinos, mostram um outro lado da cidade através dos gatos e das pessoas que os acolhem, alimentam, levam no veterinário, sem jamais deixar de respeitar sua privacidade. Ou seja, os gatos de Istanbul são livres para ir e vir e são recebidos com portas e janelas abertas.
“- Eles absorvem a energia negativa” diz uma dona de loja. “Me fazem bem”, acrescenta ela.
Outro, conta como se curou de uma crise de depressão quando começou a cuidar dos gatos que apareciam para ele:
“- São a minha terapia.”
Quem gosta de gatos vai adorar os “closes” dos focinhos e dos olhos sedutores e ternos, os pulos incríveis, as correrias e mesmo a braveza de alguns deles que não permitem invasões de seu território por outros gatos.
Para não falar dos gatinhos, acabados de nascer e mamando em suas mães pacientes e sempre atentas e, quando crescidinhos acompanhando a mãe nas explorações do ambiente onde vão viver.
Mesmo um pai gato aparece cuidando de uma ninhada.
Mas até quando? O documentário alerta para o perigo que ronda esses gatos, que passeiam hoje livres pelas ruas de Istambul e isso desde o Império Otomano. Istanbul cresce, as ruelas somem, prédios enormes são construídos no lugar onde existiam casas, seus velhos muros, quintais e telhados.
Feitos para a liberdade, talvez esses gatos desapareçam ou quem sabe, dada a sua esperteza, consigam sobreviver.
Porque onde os humanos não veem, existem os esconderijos secretos e os lugares impossíveis onde se acomodarão os enigmáticos felinos para meditar e velar pela sua bela cidade, como fazem desde há muito tempo.


terça-feira, 11 de julho de 2017

Em Ritmo de Fuga



“Em Ritmo de Fuga”- “Baby Driver”, Inglaterra, Estados Unidos, 2017
Direção: Edgar Wright

Você vai ficar muito surpreso com esse filme.
De cara, uma perseguição em carros, perfeita e de tirar o fôlego.
E quem está com o volante na mão? É Baby, o “driver” mais incrível da história. Ansel Elgart de “A Culpa é das Estrelas” faz o garotão calado mas ligado. Uma mistura de Marlon Brando com Paul Newman, sem os olhos azuis mas carismático como foram esses dois.
De poucas palavras, ele tem um drama em sua vida. Perdeu a mãe num acidente de carro quando era menino, causada por uma briga. Mãe e padrasto, aliás, viviam brigando. Ele saiu vivo daquele carro mas ferido para sempre. Desde então, luta com um zumbido crônico no ouvido, sequela do acidente.
E logo percebe que a sua salvação é a música. Porque distrai a mente desse som que enlouquece. Fones de ouvido, adereço constante, óculos escuros (ele tem uma coleção), um andar de felino e agilidade tanto no carro quanto no solo. Um atleta bailarino.
Baby tem que trabalhar para Doc (Kevin Spacey), um chefão do crime para quem deve dinheiro. Tornou-se o piloto de fuga da quadrilha que tem Bats (Jamie Foxx), Buddy (Jon Hamm) e Darling (Eliza González) mas que pode variar de integrantes de acordo com o humor de Doc. O único que não pode faltar nunca é o talismã, Baby.
Mas quando ele entra naquela lanchonete e encontra a mulher de sua vida, Deborah (Lilly James, bela e charmosa), que via passar sempre cantando para logo desaparecer como um cometa, Baby sabe que sua vida vai mudar. Porque sente que é sério esse amor.
Mais um trabalho para Doc e depois vai viver com Deborah e a música, na estrada da vida.
Baby mora com seu pai adotivo Joseph (C.J. Jones), que ele cuida com carinho. Fala com ele pela linguagem de sinais, porque ele é surdo-mudo.
É lá que Baby guarda o dinheiro que ganha dos assaltos de Doc e, principalmente, esconde o seu tesouro, sua coleção de iPods, com as músicas de sua vida. Cada um deles serve para um estado de ânimo.
E o mais amado é o de sua mãe, que era cantora.  Ela estará para sempre no coração do filho.
Vindo de séries da TV, vídeos para músicas e cinco longas (“Shaun of The Dead”de 2004 e “Scott Pilgrim vs The World” de 2010) o britânico Edgar Wright é um prodígio como diretor, materializando com “Baby Driver” ou “Em Ritmo de Fuga” como foi traduzido o título do filme em português, uma ideia que ele teve há 20 anos atrás.
O filme não é só sobre carros e fantásticas perseguições. É também uma história de amor e um musical, não no sentido de “ La La Land” com músicas cantadas pelos atores, mas com ação e diálogos sincronizados com a música maravilhosa que vem do iPod de Baby e que vai de Simon & Garfunkel a Queen e Emicide. Tantos. Alguém contou 43 créditos na lista final.
A música é importante porque dá o clima. Tudo do ponto de vista de Baby, que é dado pelo que ele está escutando e nós também. Uma loucura de imagens e sons que hipnotizam a plateia.
Entretenimento de primeiríssima qualidade, o filme vai agradar a muita gente. E aposto que veremos prêmios merecidos no ano que vem para esse delicioso “Baby Driver”.


segunda-feira, 10 de julho de 2017

O Estranho que Nós Amamos


“O Estranho que Nós Amamos”- “The Beguiled”, Estados Unidos, 2016
Direção: Sofia Coppola

A metáfora sobre o feminino da cena inicial mostra uma menina cantando e atravessando uma floresta de grandes árvores à procura de cogumelos. Ela é cuidadosa e sabe onde encontra-los. Mas, de repente, qual Chapeuzinho Vermelho, ela encara um soldado ianque, inimigo, ferido e precisando de ajuda.
Sem pensar no lobo e querendo fazer o bem, a menina (Oona Laurence) leva o homem para dentro do internato onde ela e suas quatro coleguinhas adolescentes (Elle Fanning, a mais velha e sexy, Emma Howard, Angourice Rice e Addison Rieche) moram com a professora de francês Edwina (Kirsten Dunst, maravilhosa) e a dona da escola (Nicole Kidman, perfeita).
Estamos em 1864 e a guerra civil americana, que opõe norte e sul, está chegando ao fim.
O soldado ferido, o irlandês cabo John McBorney (Colin Farrell, sedutor como nunca), é cuidado por Miss Martha, cristã devota e dona da casa. Encarado com severidade no início, já que era um desertor confesso e poderia ser perigoso, passa a ser o foco da atenção de todas as mulheres da casa.
Das gavetas saem broches e brincos, os vestidos mais bonitos são usados e os cabelos com tranças e fitas, cuidadosamente penteados. Uma a uma, elas procuram desculpas para visitar o soldado na sala de música em que Miss Martha o mantém trancado.
A sensualidade invade aquela casa.
“The Beguiled” é o título do livro de Thomas Cullinam de 1966, que foi filmado em 1971 por Don Siegel com Clint Eastwood no papel do soldado. Para alguns, o filme de Sofia Coppola é uma refilmagem.
Mas a diretora e roteirista não concorda. Ela diz que seu filme lança um novo olhar sobre a história do livro, sob um ponto de vista feminino, não feminista:
“...quis explorar aquela história sombria de tensão de forças e de poderes sob uma ótica feminina, buscando entender o lugar da mulher naquela América em guerra.”
O filme de Sofia Coppola passa-se num universo feminino, à parte daquela guerra da qual se ouvem as explosões longínquas. Esse mundo é invadido por um homem sedutor e enganador, que ilude a inocência e a fragilidade das meninas, enquanto estimula a rivalidade muda entre Martha e Edwina.
O casarão colonial que guarda vestígios da opulência do passado vai ser o cenário para envolvimentos perigosos e decisões difíceis.
Pode-se dizer que o poder feminino desafiado mostra sua força. E com uma pitada de humor negro.
Sofia Coppola, a diretora de sucessos como “As Virgens Suicidas”, “Encontros e Desencontros”, “Marie Antoinette”, já ganhou muitos prêmios, inclusive o Leão de Ouro de Veneza por “Um Lugar Qualquer”. Mas, ser considerada a melhor diretora de Cannes desse ano, é uma vitória. Em 70 anos do festival, só uma mulher havia sido honrada com esse prêmio: Jane Campion por “O Piano” de 1993.
O visual de “O Estranho que Nós Amamos”, de tons  esmaecidos, luz natural e velas, exibe o talento de Philippe Le Sourd na fotografia. A produção de arte se esmera nos pequenos detalhes e a quase ausência de trilha sonora faz o filme ganhar tons originais, com os sons da casa, o canto dos pássaros e os insetos do jardim.
“O Estranho que Nós Amamos” é um filme elegante e sóbrio. Um novo triunfo para Sofia Coppola.


sábado, 8 de julho de 2017

Homem-Aranha: De Volta ao Lar


“Homem-Aranha: De volta ao Lar”- “Spiderman: Homecoming”, Estados Unidos, 2017
Direção: John Watts

Quem viveu a adolescência nos anos 60, é íntimo do Homem-Aranha.  
Ele foi criado como personagem de gibi nessa época e a história de uma aranha de laboratório que pica o menino e dá a ele superpoderes, que ele descobre surpreso, tinha mais a ver com os adolescentes do que outros personagens adultos, como o Super Homem, identificados ao pai ou professores, mas distante da criançada mortal e normal.
A gente queria ser Peter Parker porque a vida dele era parecida com a nossa. Menos as teias.
E também porque a nossa fantasia infantil, alimentada pelos contos de fadas, já nos levara a imaginar que poderíamos voar como Peter Pan e ser como os abandonados João e Maria que enfrentavam ogros e bruxas do mal.
No filme “Homem-Aranha: De Volta ao Lar”. Peter Parker já é o Homem-Aranha, pelo menos em edição jovem, mas não acredita demais nisso. Põe mais fé na roupa tecnológica, que ganhou de Stark, do que em si mesmo, como todo adolescente.
O Homem de Ferro é mentor de Peter e com um jeito até severo demais, manda ele voltar para o bairro onde mora em Nova York, o Queens. Por ora ele tem que voltar a ajudar as velhinhas a atravessar a rua, lidar com os ladrões locais e ser um bom menino.
“- Mas eu não sou nada sem a roupa que você me deu!”
“-Se é assim, não deveria mesmo estar usando”.
Na verdade, Tony Stark quer dizer para Peter Park ter paciência e esperar. Porque com o tempo virá a experiência necessária para ele ser do time dos “Avengers”. É muito cedo ainda para o Aranha.
Mas, como todo adolescente, apesar da insegurança, Peter quer mais e se aventura por caminhos perigosos, precisando até da intervenção de seu mentor para sair de enrascadas.
O vilão que ele enfrenta nesse filme é o Abutre, vestido numas asas impressionantes, magnífico, interpretado por Michael Keaton ( “Birdman”), que é um empresário falido, que se revolta contra os poderosos e entra num negócio de contrabando de armas ilegais poderosíssimas.
E, como toda donzela tem um pai que é uma fera, como já dizia o título de uma peça dos anos 60, todo garoto adolescente daquela época sabia que o pai da menina cobiçada tem que ser temido. É como se ele fosse o dragão que guarda a princesa na caverna, só para ele. O príncipe vai ter que vencer o dragão, num combate fatal.
No filme, o Aranha ama Liz (Laura Harrier), a menina mais charmosa e bela da sua classe na escola. Mas treme diante dela e muito mais ainda na frente do pai dela.
O encanto de Tom Holland ( “Z- A Cidade Perdida”), o novo Aranha, é que, apesar dos 21 anos que ele tem, é a cara do menino magrinho da história em quadrinhos.
E o filme acerta também no visual de gibi em movimento e pop-art explodindo na tela em cores e imagens.
As cenas de ação são muito boas apesar de às vezes o filme perder o ritmo porque se alonga demais.
O forte é quando mostra a vida de Peter Parker, com a tia remoçada (Marisa Tomei) e com o amigo Ned (Jacob Batalon), que descobre o segredo de Peter e quer fazer perguntas o tempo todo, quase expondo a verdadeira identidade do Aranha. Mas aqui também o filme acerta porque mostra como todos precisamos de um confidente na adolescência. Compartilhar segredos e confissões. Mesmo que sejam bobas.
E na hora do baile, como todo adolescente inseguro, ficar espremido entre a vontade de querer saber dançar com a bela e, inesperadamente sumir. No caso do Aranha, sempre por uma boa causa.
O roteiro escrito a dez mãos é ótimo e a escolha de Tom Holland para o Aranha é a melhor que poderia ser feita.

Ágil, leve, engraçado e movimentado, o novo filme do Aranha merece ser visto mesmo por aqueles adultos que não seguem os filmes da Marvel. Porque a gente entende tudo que está acontecendo com o Homem-Aranha já que também fomos adolescentes. Sem as teias, mas com os mesmos problemas.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Uma Famíla de Dois


“Uma Família de Dois”- “Demain Tout Commence”, França, 2016
Direção: Hugo Gélin

O que é uma família? A tradicional tem na receita pai, mãe e filhos. Mas, a cada dia que passa, vemos surgirem novas fórmulas que funcionam bem, porque se prestam ao que as crianças precisam. A família existe para proteger, alimentar e preparar os filhos para o futuro. É uma instituição a serviço da sobrevivência da espécie.
Bem, mas não é todo mundo que tem vontade de formar uma família. Samuel (Omar Sy), por exemplo, está muito tranquilo e confortável na vida de solteiro à beira-mar, na famosa “Côte d’Azur”.
Ele é o encarregado de divertir os hóspedes do “résort” onde trabalha e, para ele, tudo está perfeito. Leva uma vida sem responsabilidades, muitas namoradas e noitadas intermináveis até o sol nascer. E tudo recomeçar.
Até que...Pois é. A vida boa de Samuel termina de repente. Uma bebê de meses é colocada em seu colo, sem maiores explicações, por uma ex-namorada da qual já havia se esquecido, Kristin (Clémence Poésy), que afirma que ele é o pai da criança. E, assim como aparece, do nada, desaparece.
Atônito, Samuel tenta em vão chamar a fugitiva de volta. Ela sumiu. E Glória, a bebê, chora desesperada.
Há ocasiões em nossa vida que precisamos improvisar e Samuel, sem ter uma ideia melhor, larga a praia francesa e vai atrás da mãe de Glória, que parece que mora em Londres.
Mas, mesmo pai de primeira viagem e nada à vontade no papel, Samuel vai se ajeitando. Bebês precisam de atenção constante, alimento a horas certas e proteção carinhosa. Felizmente Samuel possui a ternura na medida certa para conquistar Glória e ser o pai-mãe dela.
Seu sorriso de dentes brancos brilhantes, estatura de gigante, carisma natural e cara de gente boa, atraem a atenção solidária de Bernie (Antoine Bertin), que simpatiza com o pai atrapalhado, que não fala inglês e acolhe a dupla perdida.
Até emprego de dublê no cinema ele arranja para Samuel. Torna-se o melhor amigo e protetor de pai e filha. O fato dele ser gay não interfere na relação com Samuel, que não é preconceituoso e sabe ser grato a quem lhe estende a mão.
É divertido ver o apartamento que Samuel inventou para a filha, um verdadeiro parque de diversões, que se torna o cenário do crescimento de Glória (Gloria Colston, um encanto de atriz). Os dois são “unha e carne”.
Samuel não desiste de procurar a mãe de sua filha na internet e inventa uma história maluca sobre a identidade da desaparecida, que convence a menina de não ter perdido a mãe para sempre.
Mas aos oito anos de convivência feliz, a mãe de Glória reaparece  novamente do nada e quer a filha. Assim como abriu mão dela sem explicações, reaparece exigindo exercer sua função de mãe. Isso mexe com a dupla e exige uma posição firme de Samuel.
O filme é uma refilmagem de um filme mexicano, “No se aceptam devoluciones” (2013) e parece que o diretor Hugo Gélin, em seu segundo longa, conseguiu melhorar a história e o clima do filme no qual se baseia. Levou milhões de franceses e alemães ao cinema.

Ternura, bom humor e uma lágrima vão conquistar também os brasileiros. E com razão. Só os mais implicantes vão torcer o nariz. Os outros vão sair do cinema emocionados.

sábado, 1 de julho de 2017

Um Instante de Amor


“Um Instante de Amor”- “Mal de Pierres”, França, 2016
Direção: Nicole Garcia

O passado volta vivo e pulsante no coração de Gabrielle (Marion Cotillard, atriz soberba) quando ela vê o nome de uma rua, por acaso, em Lyon, cidade que não conhecia. É onde mora André Sauvage (Louis Garrel), seu grande amor. Ele desapareceu do lugar onde ambos se tratavam de problemas renais e nunca respondera às suas milhares de cartas enviadas àquele endereço, devolvidas pelo Correio.
Num longo “flashback”, vamos conhecer os personagens dessa história de amor, passada nos anos 50.
Gabrielle, jovem, intensa e desmedida, se apaixona pelo professor de piano que lhe empresta o livro “O Morro dos Ventos Uivantes”, sem saber que estava mexendo num vulcão.
O romance de Emily Bronte, publicado com pseudônimo, em 1847, era alimento sob medida para as paixões que tumultuavam o espírito de Gabrielle. E ela faz uma cena de ciúme em frente da comunidade, num festejo da colheita da lavanda.
Vista como histérica pela própria mãe, por causa de seus estranhos ataques de câimbras, Gabrielle é ameaçada de internação, se não fizesse o que ela queria para a filha: um casamento para acalmar seu temperamento. E José, o pedreiro que trabalhava para seu pai, é o escolhido.
Estranhamente, Gabrielle aceita casar-se mas impõem uma interdição: sem sexo. Porém, quando o marido diz que vai visitar mulheres, ela se pinta, coloca uma lingerie provocante e manda ele colocar o dinheiro sobre a mesa. Sexo sem prazer nem carinhos.
Gabrielle é uma mulher complexa, cujo corpo fala de repressões impostas a si mesma, baixa auto-estima e falta de acolhimento.
Um medo de amar se transforma no “Mal des Pierres”, doença renal que substitui o prazer pela dor.
Gabrielle parece obedecer à regra que diz que só aceitamos o amor que achamos que merecemos.
Com direção de Nicole Garcia, 71 anos, o filme é belíssimo e comovente. O roteiro foi escrito a quatro mãos pela diretora e pela autora do romance que foi adaptado (“Mali di Pietre”), Milena Agus.
Mas a grande atração é o trio principal do elenco: Marion Cotillard, bela, confusa, atormentada e sem controle de seus impulsos, Louis Garrel, sedutor e sofrido e José, o marido interpretado com força e delicadeza por Alex Brendemuhl.
Quando passou em Cannes, “Um Instante de Amor” foi ovacionado mas não ganhou nenhum prêmio. A fotografia sensível de Christophe Beaucarne nos faz ter olhos para a Provence da colheita das lavandas e para perceber o olhar quente e machucado de Marion Cotillard.
A “Barcarola de junho” de Tchaikovsky é o  fundo musical inesquecível, que parece falar de romances tristes.
“Um Instante de Amor” vai agradar ao público feminino e interessar ao masculino.

Sensual, delicado e romântico.