terça-feira, 30 de outubro de 2018

Meu Anjo




“Meu Anjo”- “Gueule d‘Ange”, França, 2018
Direção: Vanessa Filho

Tão lindas. Já de início, a imagem da mãe e filha seduz. Marlene e Elli, louras, olhos azuis, pele branca. Mas há uma nota de estranheza. Porque a mãe parece a mais infantil das duas:
“- Estou tão nervosa... Não posso vacilar amanhã! Tenho medo de perder a hora! ”
“- Põe um despertador mãe”, diz a menina séria. Deve ter uns 8 anos.
“- Você é o meu tesouro que vale mais do que ouro! Você me ama? Muito, muito, muito? ”
“- Sim, sim, sim! ”
E essas falas inaugurais, à noite na cama, mostram que, apesar de tanto amor, a mãe se sente insegura e se refugia na confiança incondicional da filha. Fuma sem parar e bebe muito. Usa maquiagem carregada e parece desesperada para arranjar alguém que a sustente.
Dia seguinte, no casamento de Marlene, ela vai vacilar, como tinha medo. Mas antes, pede para Elli:
“- Meu anjo, vai pegar um copo de vinho para mim? ” e faz a filha beber um gole também.
Linda, de branco, tiara e véu, Marion Cotillard mostra sua versatilidade. Uma das melhores atrizes do cinema, Oscar por sua Piaf, ela sabe fazer Marlene, mulher vulgar e carente, mãe irresponsável, de um jeito que nos leva a pensar em como é que essa personagem foi criada. Como era a mãe dela? Tentamos entender sua doce crueldade ditada por um enorme egoísmo.
Elli (Ayline Etaix), percebe-se em seus olhos, adora a mãe, aliás o único adulto por perto. O pai não existe. E assim, aquela bela loura sedutora que a todo instante diz que a ama, é o seu farol no mundo.
Por isso é tão desesperador quando some a mãe-fada e Elli tem que se virar sozinha. No começo vai à escola, como se nada tivesse acontecido.
Com aflição, vemos a menina procurar o número do celular da mãe que só dá caixa postal. Sentada no sofá esperando horas e horas.
E o que falta de comida naquele apartamento, sobra em bebida. Imitando a mãe, Elli afoga suas mágoas com álcool.
Ela já tinha começado a beber, provando de todos os copos sobre a mesa, quando a mãe a levava junto em suas saídas noturnas. Uma amiga de Marlene percebe e Elli leva uma bronca não convincente. O modelo materno fala mais alto. E Elli cheira a bebida na escola. Sofre “bullying”. Mas nada da mãe.
Quando aparece Julio (Alban Lenoir), o mergulhador, também um desgarrado, Elli gruda-se a ele como se fosse uma tábua de salvação.
O primeiro filme da diretora Vanessa Filho, que escreveu o roteiro com Diastéme, tem o privilégio de ter Marion Cotillard e a expressiva atriz mirim.
Em dias de irresponsabilidade geral e adultos infantilizados, sofrem as crianças, parece querer dizer o filme, que infelizmente não aprofunda mais essa ideia.


sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Amar




“Amar”- Idem, Espanha, 2017
Direção: Esteban Crespo

Todo amor na juventude tem algo de Romeu e Julieta. Um pouco de drama também vamos ver nesses namorados jovens de “Amar”.
No caso do filme de Esteban Crespo, diretor espanhol que já ganhou um Oscar por um curta metragem, e aqui estreia seu primeiro longa, o amor é menor do que a atração física.
Laura (Maria Pedraza, muito linda) e Carlos (Pol Monen) tem 17 e 18 anos e se amam como se o mundo fosse acabar. A cena inicial já mostra uma necessidade de fusão de Carlos, que inventou uma dupla de máscaras contra gazes unidas. Os dois respiram o mesmo ar.
“- Quero respirar você! ”
Ou seja, quero ser o ar que você respira. Não posso viver sem você.
Aqui já podemos pensar como esse amor é obsessivo, já que um não pode ficar sem o outro. E a verdade é que são adolescentes e a sensualidade está à flor da pele.
Logo os vemos na cama, aproveitando que a casa da tia está vazia. Carlos diz que trouxe um presente mas que não é para abrir agora. Ela desobedece e quando abre a caixa azul diz meio brincando:
“- Mas eu já tenho um...”
“ - Mas não é para você ” responde ele.
Ouve-se a voz da tia que volta para pegar algo esquecido mas sai logo. Os dois se calam mas logo recomeçam.
No dia seguinte ele vai buscar Laura na escola e uma colega corre atrás, trazendo a sacola com a caixa azul que ela esquecera na sala de aula.
“- Você abriu a caixa? “
“ Não! Por que esse interrogatório? “
E Carlos com a cara fechada joga a sacola no lixo da rua. Sentindo-se culpado, fica paranoico achando que Laura teria contado sobre o conteúdo da caixa azul para suas amigas e agora toda a escola já sabia do assunto.
O certo é que o ciúme de Carlos, companheiro da sua suposta culpa por causa do objeto que estava dentro da caixa azul, vai envenenar o amor deles. A insegurança do rapaz o leva a atormentar Laura e o clima pesa entre eles.
Dão um tempo mas não conseguem ficar separados. E o pior é que, quando estão juntos, o ciúme de Carlos e a necessidade de se afirmar como homem, faz Laura ficar triste e ressentida, enquanto ele mergulha na depressão.
Amores de juventude, principalmente quando há satisfação no sexo, tendem a acabar porque há tanta vida ainda para viver. Estão no início de tudo que vai acontecer. E falta maturidade para enfrentar os desafios naturais de toda relação amorosa.
Mas vale a pena ver o filme e recordar essa época de nossas vidas.


terça-feira, 23 de outubro de 2018

O Primeiro Homem




“O Primeiro Homem”- “First Man”, Estados Unidos, 2018
Direção: Damien Chazelle

Como é dura a vida de um astronauta. É preciso muita coragem para entrar naquele primeiro módulo que aparece. Tão frágil. Chacoalhando tanto que parece que vai desintegrar. O perigo é palpável.
Estamos em 1961. Começou a corrida espacial e os Estados Unidos quer bater a União Soviética. Quem vai chegar primeiro à Lua?
Neil Armstrong (1930-2012) é Ryan Gosling (no tom exato) e no começo do filme vive um drama pessoal. Sua filha Karen, de dois anos, tem um tumor cancerígeno. Ele e a mulher, Janet (Claire Foy, ótima) demonstram a dor e a impotência diante da filha que chora no colo do pai.
Depois do enterro, durante o jantar tradicional, vemos Neil com a pulseirinha de contas da filha na mão e, pela janela, a Lua branca no céu. Chora copiosamente.
Esse é o começo do trajeto do homem que vai ser o primeiro a pisar na Lua. Todos nós sabemos onde estávamos naquele momento. 400 milhões de pessoas ao redor do mundo estavam na frente da TV, vendo o espetáculo. E ele disse para nós ouvirmos: “Foi um passo pequeno para o homem mas um salto gigantesco para a humanidade. ”
Mas não foi fácil. Nem para a NASA nem para os homens que sonhavam com essa missão. Muitos ficaram pelo caminho, em acidentes terríveis. Todas as mulheres de astronautas eram viúvas em potencial.
Em 1962, Neil Armstrong, que era piloto de provas e engenheiro, foi selecionado pela NASA, mesmo sendo civil, para fazer parte da equipe que vai ser treinada para o projeto Lua, primeiro o Gemini e depois o Apollo II, que só vai acontecer em 1969.
O diretor Damien Chazelle, o mais jovem a ser premiado com o Oscar com seu filme “La La Land”, aos 32 anos, no ano passado, mostra sua sensibilidade em “O Primeiro Homem”, ao trazer o espectador para dentro do módulo espacial. Sentimos o mesmo medo de Neil Armstrong quando as coisas não vão bem. A câmera colada no capacete do astronauta faz a gente se sentir lá dentro, com ele, passamos pelo suspense todo e, ao mesmo tempo, percebemos a mente trabalhando para recuperar o controle da nave.
E a música de Justin Hurwitz, colaborador de Chazelle em “La La Land”, quando ganhou também seu Oscar, é perfeita. Até na escolha da valsa quando o módulo gravita em torno à Terra e lembramos de Kubrik e seu “2001”.
As cenas na Lua são rápidas mas grandiosas. O imenso deserto cinza com crateras negras, a Terra azul lá embaixo e o pé de Neil pousando sobre um pó fino. Silêncio. E ele vai deixar uma lembrança amorosa na Lua.
O filme é inspirado no livro de James R. Hansen mas o roteiro de Josh Singer privilegia o lado íntimo do homem Neil Armstrong, de poucas palavras mas afetivo com os filhos e mesmo com os outros astronautas, seus companheiros.
Com sua mulher Janet, existe uma liga forte, ela dando a impressão de ser em casa tão corajosa quanto o marido nos céus. Ela verbaliza as emoções caladas do marido e tanto o estimula quanto recua. E a cena final do casal é linda e marcante.
“O Primeiro Homem” é um filme que é uma vida e uma aventura fantástica compartilhadas.


Nasce uma Estrela




“Nasce Uma Estrela”- “A Star is Born”, Estados Unidos, 2018
Direção: Bradley Cooper

A tela mostra um show de “country rock”, com guitarras estridentes e luzes coloridas criando um clima quente. Antes de entrar no palco, um belo homem engole um punhado de pílulas. Gritos e palmas. A multidão enlouquece com a banda e o cantor. Ele é famoso.
Depois o vemos dentro do carro, disfarçando o rosto com um chapéu, fugindo das fãs grudadas no carro e bebendo na garrafa.
“- Não quero ir para o hotel... pare aqui. ”
Ele desce do carro e entra no bar onde é reconhecido pelas “drag queens” que fazem o show. Ele bebe e se diverte vendo as performances.
De repente, uma voz canta em francês. É uma garota morena, vestido de alcinhas e meia arrastão. Ela hipnotiza a plateia, muda, ao som do “La Vie en Rose” que ela canta com paixão.
O roqueiro está fascinado com ela, deitada no palco, pertinho, olhando para ele e finalizando a canção com aquela voz poderosa. Sobrancelhas finas e pintadas dão um ar dramático à sua figura.
“- Você está chorando? ” pergunta o sujeito que o trouxe até a beira do palco.
“- Só um pouco ” responde o roqueiro com olhos brilhantes.
“- Venha. Você tem que conhecê-la. ”
Jackson Maine (Bradley Cooper, belo e carismático) vai ao camarim conhecer a garçonete Ally (Lady Gaga, presença e voz poderosas) e os dois nunca mais se desgrudam.  Existe uma atração tão forte e natural entre eles que eletriza a tela. Jack toca sua guitarra para ela ouvir e acabam a noite sentados num estacionamento, conversando, depois de uma briga em outro bar. Ela machucou a mão e ele cuida dela.
“- Você compõe? “
“ - Não gosto de cantar minhas músicas. Não me sinto à vontade... minha aparência não agrada...”
Ele a estimula e ela canta “Shallow” a capella. Lindamente. A música é um arraso.
“- Caramba! Acho que você pode ser minha compositora! ”
O romance está apenas começando e a plateia já está conquistada.
Bradley Cooper se lança na direção do filme com surpreendente brilho e Lady Gaga faz o papel que já foi de Janet Gaynor (1937), Judy Garland (1954) e Barbra Streisand (1976), com talento próprio. A história da cantora que faz sucesso enquanto o músico, seu descobridor, vê sua carreira entrar em decadência, é a mesma das três outras versões. Mas ainda dessa vez, encanta o público, graças principalmente à magia que a dupla de atores cria na tela.
Apesar do amor que sente por Ally, Jack está enfraquecido pela bebida e pelas drogas e ela, cheia de energia, tenta cuidar dele mas é sua carreira solo que a entusiasma. Há lágrimas nos olhos do público porque Bradley Cooper nunca foi tão comovente e frágil.
A crítica adorou “Nasce Uma Estrela”, sucesso de público também e já há previsões para saber quantos Oscars o filme vai ganhar. E merece.


domingo, 21 de outubro de 2018

Os Invisíveis




“Os Invisíveis”- “Die unsichbaten”, Alemanha, 2017
Direção: Claus Rafle

Em outubro de 1941, em meio à Segunda Guerra, começou na Alemanha a deportação de judeus para os campos de concentração. Todos haviam recebido uma comunicação do governo nazista para que declarassem seus bens sob pena de prisão.
Esse documentário do diretor Claus Rafle vai contar uma história, pouco conhecida, sobre os judeus alemães de Berlim que se recusaram a obedecer essas ordens. Foram 7.000 os que fizeram a opção de ficar “invisíveis” ou seja, não usavam a estrela amarela obrigatória e tinham papéis falsificados.
No docudrama, entrevistas com quatro desses judeus que viveram clandestinamente em Berlim, alternam-se com a encenação do que eles contam, com atores e cenários que recriam a época. Há também cenas de jornais filmados com registros da guerra e da vida na cidade, muito bem editadas com o resto do material.
Assim, Cioma Schonhaus (interpretado por Max Mauff), de 20 anos, não acompanha seus pais na deportação. Muito habilidoso, formado no Liceu de Arte, consegue falsificar passaportes com perfeição, tendo salvado muitos que precisavam de novos documentos.
Ruth Gumpei (Ruby O. Fee) é a segunda a dar seu testemunho:
“- Quanto mais pioravam as leis contra os judeus, mais tínhamos o desejo de nos esconder.”
E muitos foram ajudados a entrar na ilegalidade por famílias alemãs que os abrigavam. Por várias razões, inclusive porque não aprovavam a política de Hitler.
Foi o que aconteceu com Eugen Fried (Aaron Altaras) de 16 anos, que tinha a mãe casada com um alemão. Seu padrasto o ajuda a conseguir abrigo com famílias comunistas.
Hanni Levy (Alice Dwyer) tinha 17 anos e teve que mudar a cor dos cabelos e o seu nome e foi ajudada por uma amiga católica de sua mãe.
A verdade é que todos os “invisíveis” viviam um dia de cada vez porque não sabiam o que aconteceria no amanhã. A maioria passava fome e estava assustada. Inclusive pelo perigo de ser reconhecido pelos judeus que trabalhavam para a Gestapo, denunciando os outros e acreditando na falsa promessa de que seriam poupados da deportação.
Cerca de 1.500 dos 7.000 “invisíveis” sobreviveram em Berlim até o fim da guerra. Muitos dos que os ajudaram foram agraciados com o título de “Justos entre as Nações” pelo Yad Vashem.
O docudrama de Claus Rafle é oportuno em tempos nos quais vemos crescer a intolerância e os regimes autoritários. É nosso dever fazer a juventude saber o que aconteceu para que isso nunca mais se repita.

22 de julho




“22 de julho”- “July 22”, Noruega, Islândia, Estados Unidos, 2018
Direção: Paul Greengrass

Quando aqui chegaram as notícias, foi terrível saber que na Noruega o impensável tinha acontecido.
O filme “22 de julho”, dirigido pelo britânico Paul Greengrass, tem o mérito de contar o que se passou com detalhes e em ordem cronológica. E as interpretações são tão realistas que parece que estamos lá, ao lado dessas pessoas atingidas pelo terror.
E tudo começa naquele dia, 22 de julho de 2011, com os adolescentes, filhos de membros do Partido dos Trabalhadores da Noruega, prováveis futuros líderes do país, indo para a ilha de Utoya com o ferryboat, onde se encontrariam para palestras, esportes, fogueiras e cantos. O Primeiro Ministro era esperado.
Na véspera, acompanhamos um homem jovem que prepara algo num lugar que parece uma garagem. Mistura em liquidificadores substâncias que depois são colocadas em sacos, recolhidos numa pequena van.
No dia seguinte, o mesmo homem veste um colete onde se lê "Polícia" e carrega maletas onde colocou armas.
E vai ficando claro que ele abandona a van num estacionamento no centro de Oslo porque aquilo vai explodir. E, quando acontece, a dimensão do ataque a prédios do governo onde trabalha o próprio Primeiro Ministro, é enorme. Pânico. Estragos. Mortos e feridos. Incêndios.
Mas o homem de rosto duro, com um estranho cavanhaque, tem outra missão agora. Com horror, vemos ele aproximar-se do lugar onde parte o ferryboat para a ilha, que tinha sido suspenso devido ao ataque em Oslo, perto do local. Diz que foi mandado pela polícia de Oslo para proteger Utoya. E acreditam nele.
Lá chegando, ele não perde tempo. Começa a matança.
Anders Behring Breivik (Anders Danielsen Lie) assassinou 69 estudantes num total de 77 pessoas e feriu uma centena. A sangue frio.
Foi preso e julgado.
O que mais assusta é a convicção com que defende suas ideias extremistas e radicais. Sua missão seria punir a elite, os liberais, os comunistas, livrar a Europa do Islã e proteger os direitos dos europeus. Ele pertenceria a uma organização de extrema direita chamada “Os Cavaleiros Templários” e é o autor de um manifesto de 1.500 páginas, onde defende sua posição ultranacionalista, homofóbica, anti-feminista e a favor da eugenia, defendida pelo nazismo. E diz claramente no tribunal que faria tudo de novo, o ataque e a matança, se pudesse.
O filme tem uma duração de 143 minutos mas não cansa o espectador porque, em suas diferentes fases, ou seja, a preparação do atentado, o ato terrorista, o tribunal, seguir a família de Viljar, um garoto que sobreviveu a duras penas, acompanhar o advogado de defesa e as famílias das vítimas, tudo interessa e nos envolve.
O diretor tem no currículo filmes intensos como a trilogia Bourne e filmes baseados em fatos reais como “Voo United 93” e “Capitão Phillips”, com o ótimo Tom Hanks.
Mais que tudo, é um filme necessário, produção original da Netflix, que vem ajudar espectadores brasileiros a refletir sobre o radicalismo, o extremismo e a intolerância com o diferente, que estão assustadoramente presentes nas eleições atuais, algo jamais visto por aqui.


quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Nasce uma Estrela




“Nasce Uma Estrela”- “A Star is Born”, Estados Unidos, 2018
Direção: Bradley Cooper

A tela mostra um show de “country rock”, com guitarras estridentes e luzes coloridas criando um clima quente. Antes de entrar no palco, um belo homem engole um punhado de pílulas. Gritos e palmas. A multidão enlouquece com a banda e o cantor. Ele é famoso.
Depois o vemos dentro do carro, disfarçando o rosto com um chapéu, fugindo das fãs grudadas no carro e bebendo na garrafa.
“- Não quero ir para o hotel... pare aqui. ”
Ele desce do carro e entra no bar onde é reconhecido pelas “drag queens” que fazem o show. Ele bebe e se diverte vendo as performances.
De repente, uma voz canta em francês. É uma garota morena, vestido de alcinhas e meia arrastão. Ela hipnotiza a plateia, muda, ao som do “La Vie en Rose” que ela canta com paixão.
O roqueiro está fascinado com ela, deitada no palco, pertinho, olhando para ele e finalizando a canção com aquela voz poderosa. Sobrancelhas finas e pintadas dão um ar dramático à sua figura.
“- Você está chorando? ” pergunta o sujeito que o trouxe até a beira do palco.
“- Só um pouco ” responde o roqueiro com olhos brilhantes.
“- Venha. Você tem que conhecê-la. ”
Jackson Maine (Bradley Cooper, belo e carismático) vai ao camarim conhecer a garçonete Ally (Lady Gaga, presença e voz poderosas) e os dois nunca mais se desgrudam.  Existe uma atração tão forte e natural entre eles que eletriza a tela. Jack toca sua guitarra para ela ouvir e acabam a noite sentados num estacionamento, conversando, depois de uma briga em outro bar. Ela machucou a mão e ele cuida dela.
“- Você compõe? “
“ - Não gosto de cantar minhas músicas. Não me sinto à vontade... minha aparência não agrada...”
Ele a estimula e ela canta “Shallow” a capella. Lindamente. A música é um arraso.
“- Caramba! Acho que você pode ser minha compositora! ”
O romance está apenas começando e a plateia já está conquistada.
Bradley Cooper se lança na direção do filme com surpreendente brilho e Lady Gaga faz o papel que já foi de Janet Gaynor (1937), Judy Garland (1954) e Barbra Streisand (1976), com talento próprio. A história da cantora que faz sucesso enquanto o músico, seu descobridor, vê sua carreira entrar em decadência, é a mesma das três outras versões. Mas ainda dessa vez, encanta o público, graças principalmente à magia que a dupla de atores cria na tela.
Apesar do amor que sente por Ally, Jack está enfraquecido pela bebida e pelas drogas e ela, cheia de energia, tenta cuidar dele mas é sua carreira solo que a entusiasma. Há lágrimas nos olhos do público porque Bradley Cooper nunca foi tão comovente e frágil.
A crítica adorou “Nasce Uma Estrela”, sucesso de público também e já há previsões para saber quantos Oscars o filme vai ganhar. E merece.


domingo, 14 de outubro de 2018

Minha Filha




“Minha Filha “- “Figlia Mia”, Itália. 2018
Direção: Laura Bispuri

Desde a história do Rei Salomão no Velho Testamento e as duas mulheres que se diziam mães do mesmo bebê, o tema da disputa envolvendo a maternidade é lembrado em várias versões.
Aqui, a diretora italiana Laura Bispuri, em seu segundo longa, escolheu a Sardenha, no verão, como seu cenário. Uma terra antiga onde ainda existem necrópoles milenares escondidas em grutas subterrâneas. Lá vamos encontrar duas mulheres, muito diferentes, que vão se enfrentar pelo amor de uma menina.
Numa praia, durante um rodeio, vemos Vittoria (Sara Casu), 10 anos de idade, andando a esmo e se deparando com uma mulher loura e vulgar, magra, num vestido azul colado ao corpo, atracada a um homem, num canto mais escuro. Ao ver a menina, a mulher se afasta de seu par.
Outra mulher, morena, vem ao encontro dela:
“- Vamos para casa?” diz Vittoria.
“- Claro amor. Vamos procurer o papai?”
Angélica, a loura (Alba Rohrwacher), é uma mulher que vive entre os homens no bar, bebendo e fazendo sexo para ganhar algum dinheiro. É atraente mas sobretudo carente e infeliz.Tem um pequeno sítio mas vive sem dinheiro.
Tina, a morena (Valeria Golino), é doce, recatada, sempre atenta aos cuidados com Vittoria, mas no fundo, também é infeliz.
Há um acordo entre aquelas duas. Vemos Tina trazendo compras do mercado para a outra e limpando seu quintal.
Quando chega em casa, depois do rodeio, Vittoria se olhara no espelho e entendemos que se perguntava sobre seus cabelos ruivos e a pele muito branca, que lembravam a mulher que acabara de ver junto ao homem. A menina já percebera e descobrira o segredo de seu nascimento:
“- Pai, você estava lá quando eu nasci?”pergunta ela.
“- Não querida. Estava viajando.”
Na igreja, as duas mulheres se deparam:
“- O que está fazendo aqui?”diz a morena para a loura, com o rosto fechado.
“- Ela é mesmo ruiva…”diz a outra olhando a menina ao longe.
“- Mas vai escurecer.”
“- Estou vendendo os animais e vou embora para sempre. Está contente?”
“- Melhor assim. Vá viajar. Você sabe que pode contar sempre com a nossa ajuda.”
Em seguida vemos Vittoria perguntando para a mãe:
“- Quem era aquela mulher, mãe?”
“- Uma alma perdida, coitada.”
Mas a menina vai conviver mais com a loura e as cenas das duas vão ficando cada vez mais íntimas. Vittoria, cantando com Angélica uma música que tem como refrão”Nesse amor não se toca”, sofre uma transformação. Espontânea e solta, Angélica faz a menina dançar e cantar, com olhos de admiração para aquela mulher tão diferente de sua mãe.
A mãe morena vai desvendar para a plateia a origem da filha. O marido tem responsabilidade nisso.
Mas, mais do que às mães, caberá à filha resolver o impasse criado. Ela, que agora sabe de onde veio, poderá crescer e enfrentar a vida com mais liberdade e confiança em si mesma.
“Minha Filha” é um filme belo e tocante.


terça-feira, 9 de outubro de 2018

Juliet, Nua e Crua




“Juliet, Nua e Crua”- “Juliet Naked”, Estados Unidos, 2018
Direção: Jesse Peretz

Sabe aqueles filmes que começam e parece que não vão agradar? E quando a gente vê está envolvido com a história e os personagens? “Juliet, Nua e Crua” é uma dessas surpresas.
Aliás, “Juliet” não é nome de mulher, como poderíamos pensar. É o álbum “Juliet Naked”, gravado em 1993 por um roqueiro americano, Tucker Crowe (Ethan Hawke), que desapareceu, depois de terminar um romance com uma modelo de Los Angeles. Cancelou seus shows e sumiu. Desde então, lendas circulam a seu respeito. Como por exemplo, a que diz que ele vive isolado numa fazenda da Filadélfia, onde cria ovelhas. Ele é um mistério.
Mas em Sandcliff, Inglaterra, o desaparecido tem o seu maior fã, Duncan (Chris O’Dowd), que venera sua música e empapelou o porão da casa onde vive há 15 anos com a namorada Annie (Rose Byrne), com posters e fotos do seu ídolo. Ele é professor de cinema numa escola local e mantém um site que reúne os fãs ainda existentes de Tucker.
Annie dedica-se a cuidar do Museu Marítimo que seu falecido pai deixou para ela e a irmã Ros (Lily  Brasier).  E escuta pacientemente as lamúrias da irmã, sempre encrencada com suas namoradas casadas, enquanto prepara as peças para uma exposição.
Em “off” ouvimos ela contando essa história e percebemos o quanto ela se aborrece com esse homem com quem está há 15 anos e que só fala do roqueiro que idolatra. Ele não tem outro assunto.
Ainda por cima, Annie, que está com 30 anos, se ressente por Duncan não querer ouvir falar em filhos:
“- Nada de por crianças nesse mundo podre”, diz ele.
Mas a Natureza tem um chamado forte em mulheres dessa idade, como todos sabemos. E a verdade é que Annie não sente mais nenhuma atração pelo namorado.
Quando chega pelo correio um CD para Duncan, Annie abre a embalagem, meio distraída. E, como o vestido que ela comprou pela internet está grande demais, ela resolve ouvir o CD “Juliet Naked”.
Enquanto isso, Duncan está se engraçando pela nova professora da escola e vai parar na casa dela. E por isso chega tarde em casa. A tempo de ficar bravo porque Annie abriu a correspondência dele e teve a ousadia de ouvir o CD, antes dele. Furioso, vai ouvir o CD sozinho, com fones de ouvido.
E aí começa a encrenca. Duncan acha que o que tem no CD é uma obra prima. Annie acha que é uma versão chata de canções que já ouviram muitas vezes.
Para resumir, ela escreve um comentário negativo no site de Duncan sobre o CD e, num desses caprichos do destino, recebe uma resposta. Pasmem. Do próprio Tucker, que concorda com Annie.
Ethan Hawk, como Tucker, atrai Annie porque é carente, desorganizado como uma criança, irresponsável mas querendo mudar, sedutor e carinhoso. O oposto do namorado dela.
O filme, baseado no livro “Juliet Naked” de Nick Hornby, que foi adaptado pelo diretor e ex músico Jesse Peretz, com a ajuda de Tamara Jenkins e Jim Taylor, tem um roteiro bem escrito e a história tem momentos bem divertidos mas também notas mais melancólicas, em torno à questão do amadurecimento e da responsabilidades com os filhos.
Annie e Tucker vão se aproximar num primeiro momento por causa da implicância que ela tem pelo roqueiro, idolatrado pelo namorado sem graça. Mas as coisas vão evoluir e temos assim uma comédia romântica com sentimentos ternos e sem o jeito açucarado que enjoa.
Ótimo entretenimento.


segunda-feira, 8 de outubro de 2018

O Impostor




“O Impostor”- “The Forger”, Estados Unidos, 2014
Direção: Philip Martin

O amor entre pai e filho emociona e às vezes até surpreende. Talvez porque a mãe é quase sempre o centro do afeto da família. Mas aqui, não há mãe. Tanto Ray Cutter (John Travolta) que está na prisão e quer a liberdade para estar com o filho Will (Tye Sheridan), quanto Joseph Cutter (Christopher Plummer) avô de Will, que cuida do neto enquanto o filho está preso e já cuidou do filho quando a mãe dele morreu, e ele tinha só 4 anos, são pais amorosos.
Quando o filme começa, Ray está preso mas consegue ser solto, às custas de endividar-se pesadamente com um gangster. Por que ele faz isso se tem que cumprir só mais dez meses?
Vamos entender essa aparente loucura de Ray quando vemos Will, de 15 anos, ser levado para fazer quimioterapia no hospital. Ele tem um tumor no cérebro, inoperável, mas não sabe. Claro que tem noção do câncer mas pensa que pode curar-se. Mesmo porque é o que o pai e o avô passam para ele.
Ray, que na juventude aprendeu a gostar de pintura, tem talento mas enveredou por caminhos errados. Mas ama o filho e o pai. Agoniado, não sabe o que fazer para amainar a dor que sente.
Ray e Joseph são durões mas frente à perda inevitável, o horror da morte de um filho e neto, estão perdidos.
Will é um garoto afetivo, que logo se liga no pai que chega da prisão e percebe que ele se endividou para poder estar com ele. E, para surpresa do pai, pede que lhe conceda três desejos: conhecer a mãe que o abandonou ainda bebê, transar pela primeira vez e, finalmente, acompanhar e ajudar o pai no esquema que ele adivinha que foi montado para pagar os 50.000 dólares, que é a dívida dele com o gangster que o tirou da cadeia.
“O Impostor” não é um grande filme. Mas é emocionante e envolvente por causa da atuação de  Travolta, Plummer e Sheridan. O trio em ação faz com que a gente torça por eles.
John Travolta, que perdeu um filho de 16 anos, passa toda uma gama de emoções para a plateia, que vai da revolta à aceitação do que vai acontecer e a consciência de ter que aproveitar bem o tempo que resta.
“O Impostor” é um pequeno filme que toca nossos corações.


sábado, 6 de outubro de 2018

O Futuro Adiante



“O Futuro Adiante”- “El Futuro que Viene”, Argentina, 2017
Direção: Constanza Novick

Uma amizade da vida toda é algo precioso. Principalmente porque essas duas mulheres que vamos acompanhar em “O Futuro Adiante” são muito diferentes. Em tudo. Vão passar os bons e os maus momentos juntas e separadas, porque a vida é assim, junta e separa.
Nenhum sentimento é proibido nessa amizade. Sólida, apesar de inconstante, é um vínculo de identificações complementares. As duas unidas são mais fortes do que quando separadas.
Vemos as duas pela primeira vez na abertura do filme, meninas felizes, dançando uma coreografia que inventaram. Romi, olhos claros, cabelos louros e longos. Flor, morena, pele clara e olhos escuros brilhantes.
Vestem a mesma saia curta, que imaginamos ser o uniforme da escola, mas uma usa jaqueta e botas e a outra blusa, adereços e saltos altos. Certamente roupas surrupiadas do armário da mãe de uma delas.
As mães das meninas também são diferentes. A de Romina é bonita, delicada, se veste com roupas sexy e namora à noite, dizendo para a filha já deitada em sua cama:
“- Não atenda a campainha, não abra a porta, não atenda o telefone. Não vou demorar. ”
A de Flor é briguenta e mal casada e parece que tem inveja da mãe de Romi, mais afetiva e próxima da filha.
Não à toa, Flor quase mora na casa da amiga, que é muito mais divertida que a casa dela, onde os pais brigam e ela usa fones de ouvido para se ausentar.
As meninas competem na escola e Romi é a mais festejada. As duas gostam do mesmo menino mas é Flor, a mais atirada, que conquista Mariano.
Vamos assim, seguir as duas pelos acontecimentos da vida delas. Alegrias e tristezas. Amores e brigas.
O primeiro longa da diretora argentina Constanza Novick, 43 anos, não é um filme pretensioso. Dá leves pinceladas sobre o que significa a amizade para Romi e Flor. Um pouco mais de mãe? Alguém para compartilhar experiências e tanto consolar quanto incentivar.
Há cumplicidade na adolescência e amparo na vida adulta, quando os papéis se invertem e Romi (Dolores Fonzi) torna-se deprimida e Flor (Pilar Gamboa) a outra face, a mania alegrinha.
Mas tudo sem grandes obstáculos ou cores fortes. Mesmo porque as atrizes são ótimas e fogem do melodrama atuando com naturalidade.
As filhas repetem as mães? Essa pergunta atravessa o filme todo e é como se a diretora quisesse mostrar que é o contrário de espelhar, na superfície mas, no fundo, guardando as semelhanças com o seu modelo. Assim, Romina é sempre mais acolhedora com Florencia, que é mais mandona e briguenta e mais independente.
E quando as filhas das duas crescem parece que tudo vai se repetir nelas. Será?
O roteiro é despretensioso e não quer fazer diagnósticos sobre o que é ser mulher. Porque compreende que afinal somos todas parecidas. E muito mais complexas do que parece.


quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Razão e Sensibilidade



“Razão e Sensibilidade” – “Sense and Sensibility”, Estados Unidos, Inglaterra, 1995
Direção: Ang Lee

Duas irmãs que se amam muito e que, apesar de tão diferentes, vão se apoiar sempre. Uma delas, Elinor (Emma Thompson), inteligente e sensata, cuida das parcas finanças da família Dashwood quando o pai morre não deixando quase nada para as três filhas e sua mãe. A outra, Marianne (Kate Winslet), é transparente, só emoção e impulsividade romântica.
A história, escrita por Jane Austen com o pseudônimo de “A Lady” e publicada como livro em 1811, antes portanto de “Orgulho e Preconceito” de 1813, é sobre a família de uma viúva recente, a sra Dashwood (Gemma Jones) que tem que procurar onde morar com as três filhas, já que a bela propriedade onde viveram até então, Norlan Park, passa para o filho mais velho e único do primeiro casamento do marido dela, John (James Fleet). A elas cabe apenas uma pequena quantia anual. Assim ditava a lei. O filho homem herdava tudo.
Não pensem que o pai não pensou nas filhas solteiras. Mas entregou o destino delas nas mãos do filho John, pedindo que cuidasse delas. Casado com Fanny (Harriet Walter), uma mulher egoísta, John deixou-se convencer por ela que suas meio irmãs não precisavam da ajuda dele.
E assim, Elinor, Marianne e Margareth, com sua mãe, aceitam o convite feito por um primo, Sir John Middleton (Robert Hardy) e vão morar num chalé de pedra pitoresco mas gelado, perto de sua propriedade em Devonshire.
Antes porém de deixarem a casa que as viu nascer, as irmãs tem uma visita inesperada. O irmão de Fanny, Edward Ferrars (Hugh Grant) é bem recebido e encanta-se com Elinor. A atração é mútua. Mas Fanny insiste em proclamar, para que todos ouçam, que a mãe dela não permitiria casamento algum com uma moça sem dote.
E lá se vão elas para Devonshire, onde se instalam com simplicidade mas bom gosto.
E logo, Marianne, a mais bela das irmãs chama a atenção dos cavalheiros disponíveis no local, o Coronel Brandon (Alan Rickman), poderoso e sofrido e o jovem Wilhougby (Greg Wise), um futuro herdeiro bonito mas de caráter duvidoso.
Margareth (Emilie François), a irmã menor, de 11 anos, é um sopro de alegria e saúde para a mãe e as duas irmãs mais velhas.
Ang Lee, nascido em Taiwan e radicado nos Estados Unidos, tinha 40 anos quando dirigiu o filme. E encanta a todos com uma escolha primorosa de elenco, locais de filmagem como só a Inglaterra é ainda no campo, figurinos bem cuidados que mostram o status social dos personagens e muitas cenas ao ar livre tanto no sol como em tempestades. “Razão e Sensibilidade” enche nossos olhos e aquece quem tem um coração romântico.
O filme foi indicado a 7 Oscars, inclusive melhor filme e atrizes mas só ganhou o de melhor roteiro, escrito por Emma Thompson. No Festival de Veneza levou o prêmio máximo, de melhor filme, o Leão de Ouro. Premiado ainda com dois Globos de Ouro, melhor filme drama e roteiro.
Ang Lee, injustiçado pela Academia de Hollywood nesse filme, ganhou mais tarde dois Oscars de melhor direção por “O Segredo de Brokeback Mountain” e “As Aventuras de Pi”.