domingo, 27 de novembro de 2011
Inquietos
“Inquietos”- “Restless”, Estados Unidos, 2011
Direção: Gus Van Sant
“Perdidos... Estamos voltando para casa”, cantam os Beatles na letra de “Two of Us”. E a câmara alta mostra um garoto que desenha com giz uma linha branca ao redor do seu corpo deitado. Sabe como naqueles filmes quando a polícia tira o cadáver da cena?
Em uma cerimônia fúnebre, uma garota se vira e sorri para o garoto do corpo ”assassinado”.
A morte sem tristezas.
O que leva esses dois a tantos funerais?
Ela desenha, gosta de livros de pássaros e da biografia de Darwin. Conta a ele sobre um pássaro que pensa que morre quando o sol se põe e por isso canta uma linda melodia a cada amanhecer.
Ele faz castelos de “crackers” e conversa com o fantasma de um soldado japonês “kamikaze”.
Distrações... Porque algo perigoso assusta aqueles dois.
Quando ele apresenta a ela os pais enterrados no cemitério, compreendemos que ele é órfão, que a morte dos pais foi trágica e que ele tenta se afastar da realidade das mortes que o atingiram através de seu interesse pela morte de estranhos.
“- Quando eles morreram naquele acidente, eu fiquei três mêses em coma. Acho que morri também por alguns momentos...”, conta ele.
Um luto impossível. Abandono e raiva fria.
Ela diz que é voluntária no hospital de crianças com câncer e confessa depois que está morrendo com um tumor no cérebro.
“- Meus testes não foram muito bons. Tenho três mêses...”
“- Você pode fazer muita coisas em três mêses”, responde ele.
Annabel (Mia Wasikowska, a “Alice” de Tim Burton) e Enoch (Henry Hopper, filho de Dennis Hopper (1936- 2010) a quem o filme é dedicado), vão viver uma “love story” diferente.
Com poesia, delicadeza, imagens fluidas e elegância, Gus Van Sant filmou “Inquietos”:
“ - É um filme sobre a morte, não depressivo, com muitos silêncios”, diz o diretor.
O assunto da morte encontrando alguém em plena adolescência é o umbigo desse filme, roteirizado pelo estreante Jason Lew. É um tema que foi explorado na boa literatura e que aqui ganha um tom contemporâneo, apesar dos personagens quase atemporais já que vivem num mundo sem celulares nem computadores, vestidos em roupas “vintage”.
O vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2003 por “Elefante”, o diretor de “Drugstore Cowboy” 1989, “Garotos de Programa” 1991, “Milk” 2008, o original e criativo Gus Van Sant está inspirado em “Inquietos”.
Não tenham medo desse filme. Vocês vão se encantar com Enoch e Annabel.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
A Chave de Sarah
“A Chave de Sarah” – “Elle s’appelait Sarah”, França 2010
Direção: Gilles Paquet-Brener
Todos se emocionam com “A Chave de Sarah”. No final, alguns tem os olhos marejados.
E é compreensível o porquê da platéia envolver-se com o clima criado por esse filme que tem uma trama que nos agarra e surpreende.
A história, que conta um fato real vivido por personagens de ficção, estende-se por quase 70 anos. Há um vai e vem do presente para o passado, conduzido pela jornalista americana que vive na França, Julia Jarmond (a maravilhosa Kristin Scott-Thomas) que investiga a história da deportação dos judeus da França, que nos pega de surpresa.
Pouca gente conhece esse episódio, que ocorreu na França ocupada pelos nazistas, na noite de 16 e 17 de junho de 1942, em Paris.
Grudados em nossas poltronas, presenciamos as cenas de impotência, lágrimas e desespero, quando 13.000 judeus foram arrancados de suas casas e levados para o Velódromo de Paris, de onde saíram para serem levados aos campos de extermínio.
A atuação das crianças é natural e convincente. Sarah é vivida por uma atriz-menina que é um talento raro (Mélusine Mayance). Ela é a figura central, em torno à qual giram os outros personagens da história.
O diretor Gilles Paquet-Brenner, que teve um avô judeu alemão casado com uma francesa e que foi um dos 6 milhões de judeus que morreram nos campos de concentração, sempre quis contar essa parte da história de sua vida. Não conseguia encontrar o tom até que, finalmente, inspirou-se no livro de Tatiana de Rosnay, que foi “best seller”na França, para poder fazer isso sem que o filme parecesse um relato autobiográfico.
“A Chave de Sarah” centra-se em perguntas: como tudo isso pode ter acontecido? Quais as conseqüências na vida das pessoas que sobreviveram a esse horror?
O colaboracionismo velado dos franceses fica exposto. Até o presidente da França, Jacques Chirac, aparece na TV com um trecho do discurso de desculpas formais dirigido ao povo judeu.
O drama pessoal da menina Sarah e o da jornalista Julia são chaves para as perguntas acima. Apontam para a culpa e a responsabilidade de cada um por seus próprios atos e suas decorrências.
Mais. Faz pensar na passividade frente ao drama do outro. Na falta de empatia, de compaixão, no virar as costas e seguir sem fazer nada.
Pior. Faz lembrar o egoísmo, a cobiça, a inveja, a maldade mas também as boas intenções que se mostram equivocadas.
“A Chave de Sarah” é um filme que agrada por causa da trama bem urdida, das interpretações impecáveis e porque nos faz pensar na vida.
Recomendo para quem é sensível e gosta de histórias bem contadas.
domingo, 20 de novembro de 2011
O Garoto da Bicicleta
“O Garoto da Bicicleta”- “Le Gamin au Vélo”, Bélgica/ França/ Itália, 2011
Direção: Jean-Luc e Pierre Dardenne
Qual é a maior necessidade de um ser humano?
Eu diria que é sentir-se amado e, principalmente, poder amar alguém. E que isso é visceral nas crianças.
A referência amorosa cria caminhos que nos levam de volta para casa. Casa que nos acolhe e que diz quem somos.
Graças aos irmãos cineastas, os Dardenne, à sensibilidade deles e claro, podemos inferir, à biografia amorosa dos dois, temos no cinema o encantador “O Garoto da Bicicleta”, uma lição de amor.
Um menino, Cyril (Thomas Doret) e uma bela e intuitiva fada madrinha (Cécile de France) nos ensinam que, para começar, o amor precisa de dois para existir.
Se o pai de Cyril não pode ou não quer exercer essa função, o filho vai aprender que o coração, quando ajudado pela mente que estuda as experiências de vida pelas quais passamos, sempre encontra o caminho e a pessoa certa.
Mesmo que muitos erros aconteçam nesse procurar.
Afinal, como aprender sem se enganar e depois pensar sobre isso?
A bicicleta, aqui, é metáfora de liberdade, qualidade essencial que o ser que procura o amor precisa ter. Daí Cyril lutar com unhas e dentes pela sua.
Como pode encontrar o amor quem não circula?
Cécile de France, que nós vimos como a turista francesa que passa por um “tsunami” no belo filme de Clint Eastwood, “Além da Vida”, empresta todo o seu talento ao rosto sensível de Samantha, a moça sem ninguém que reconhece e vive com vontade o amor que aparece, de repente, em sua vida.
Ela mostra para Cyril que o amor não é passivo. Que ele vigia, conduz com firmeza.
Não sendo um sentimento fácil, exige muito dos dois que querem praticá-lo.
E como um fruto, o amor nasce verde e precisa de um ambiente favorável para amadurecer. Entre dias de sol e outros de vento e trovoadas, certamente.
Thomas Doret vive o menino abandonado no orfanato com alma. Seu rosto ensombrecido, emburrado, raivoso mesmo, vai se iluminando aos poucos, até o final do filme.
Os irmãos Dardenne ganharam o Grande Prêmio do Juri no Festival de Cannes nesse ano. Merecido, porque acertaram em tudo em “O Garoto da Bicicleta”.
E encerram sua lição de amor com uma bela chave: a melodia límpida, grave e delicada do adágio do Concerto para piano e Orquestra No 5, “Emperor”, de Beethoven.
Tocada por Alfred Brandel, um dos maiores pianistas vivos, a música nos embala e saímos do cinema pensando na nossa infância. Emocionados.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Late Bloomers - O Amor não tem fim
“Late Bloomers – O Amor não tem Fim”- “Late Bloomers”, França/Bélgica/Inglaterra, 2011
Direção: Julie Gavras
Os jovens não acreditam que vão envelhecer…Mas é o que acontece a todos nós, mais cedo ou mais tarde.
Esse é o assunto de “Late Bloomers”, dirigido por Julie Gavras, filha do famoso director de cinema Costa-Gavras.
Ao som de um mambo, Isabella Rossellini, sempre bela e mais gordinha, aparentemente sem cirurgias plásticas e um William Hurt, ainda bem charmoso, fazem o casal que está chegando aos 60 e começa a envelhecer, quer queiram, quer não.
Ela sofre uma crise de perda de memória e se preocupa. Ele, arquiteto famoso, cerca-se de um grupo de jovens para não pensar na idade que tem.
Mary e Adam tem três filhos adultos e eles também se preocupam quando os sinais de envelhecimento parecem trazer problemas para a estabilidade do casal, juntos há mais de 30 anos. Como lidar com pais que ficam velhos?
A bisavó, mãe de Mary (Doreen Mantle), é uma personagem deliciosa. Séria e ao mesmo tempo mais leve que a filha:
“- Quanto menos esses bisnetos me verem, melhor para eles”, diz com convicção.
“- Não tem TV? Ótimo! Assim vocês vão aprender a se entediar, o que é um excelente aprendizado para toda a vida!”, acrescenta ela às crianças espantadas e mal-humoradas.
Pois é. A vida não se resume à juventude.Há que ter inteligência emocional para se adaptar aos achaques da velhice, que atacam quase todos, depois dos 60 anos.
E não é só isso. A sexualidade e a sensualidade, motores importantes dos seres humanos, sofrem mudanças, algumas bem penosas.
Assim, Mary sofre com a ausência de olhares masculinos. Tornou-se invisível aos olhos dos homens? Não seduz mais ninguém?
Adam lança mão do casaco de couro mas percebe, a tempo, que o hábito não faz o monge.
Tempo cruel o da velhice?
Depende. “Late Bloomers” acena com um sorriso para o enfrentamento das dificuldades que surgem com a idade.
E a platéia no cinema, sobretudo os que já conhecem os problemas que desfilam na tela, ri muito e se identifica.
Os mais jovens talvez achem chato esse filme que ainda não diz nada para eles. Mas aguardem. E observem os pais, tios, avós. Porque, se não aprenderem com eles a lidar com a passagem do tempo, pode ficar difícil depois.
“Late Bloomers”, um filme despretensioso, quer ajudar a compreender o que a idade traz, com humor e delicadeza.
Aliás o titulo em inglês fala de um novo desabrochar, um florescimento tardio, que seria a maneira criativa de enfrentar essa fase da vida de que só escapa quem morre cedo.
A própria diretora esclarece:
“- Acontece que, há 30 anos, quem tinha 60 era visto como muito velho. Agora não é mais o caso. Essa é uma geração que tem coisas diferentes para inventar”, disse ela quando apresentou seu filme na 35a Mostra de Cinema de São Paulo.
E então sessentões? Mãos e corações à obra?
O Preço do Amanhã
“O Preço do Amanhã”- “In Time”, Estados Unidos, 2011
Direção: Andrew Niccol
Dizem que tempo é dinheiro. Pois em “O Preço do Amanhã”, “triller” de ficção científica, é isso mesmo. Ao pé da letra.
Nesse mundo do futuro, uma idéia original. Ninguém passa dos 25 anos. Todos aparentam essa idade. Ótimo, não é mesmo? Mas a aparência juvenil custa caro. Ou seja, a partir dos 25 anos, quem não tiver tempo comprado, ganho com o seu trabalho ou roubado de alguém, morre. Os que tem tempo de sobra, os multimilionários, podem viver séculos, para sempre, com corpinho e cara de criança. Os outros…
Nesse mundo, tão injusto quanto o nosso, o tempo/dinheiro leva à divisão de classes. Os pobres vivem nos guetos e são explorados pelos ricos, que vivem em bairros luxuosos. Existem zonas de tempo e não se pode passar por esses pedágios sem pagar caro.
Nos antebraços das pessoas vemos números verdes que brilham. É um relógio que marca o tempo que a pessoa tem. O número diminue se alguém gasta o tempo e aumenta se ganha ou rouba o tempo de alguém.
É um mundo perigoso, no qual se vive para ganhar tempo. Correr é um hábito que denuncia gente pobre que não tem tempo a perder.
Gangues à cata de incautos amedrontam as pessoas dos guetos, sempre à espreita de uma ocasião para roubar tempo.
Os “Timekeepers” são a polícia do tempo e, o chefe deles (Cillian Murphy) leva muito a sério o seu papel de controlar a “commoditie” mais preciosa de seu mundo.
Só se vive bem em “New Greenwitch”, onde as mulheres, todas jovens e belas, se vestem de preto, branco ou dourado (figurinos da oscarizada Colleen Atwood) e os homens desfilam ternos impecáveis. Todo mundo cercado de seguranças.
Após algumas peripécias, um par romântico tipo Romeu e Julieta vai se formar. Will Salas (o cantor Justin Timberlake), um operário, vai encontrar uma mocinha rica e entediada, Sylvia (Amanda Seyfried de “Mamma Mia!” e “O Preço da Traição”). Os dois incorporam um Robin Hood e Lady Marianne e até mesmo a dupla Bonnie and Clyde.
“O Preço do Amanhã” , do diretor neozelandês Andrew Niccol, tem um roteiro bem amarrado em torno à idéia principal que é a de ganhar tempo. E prende a atenção do espectador. Mas, a dupla romântica parece não ter a química ideal e os momentos que deveriam ser os mais intensos do filme, são bem mornos. À exceção da mãe de Will, interpretada com sentimento por Olivia Wilde. O abraço final dos dois fica na nossa lembrança.
Vá ver “O Preço do Amanhã” nos cinemas se tiver mais de duas horas do seu tempo. Se for precioso, pense duas vêzes e espere o DVD.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
O Palhaço
“O Palhaço”- Brasil, 2011
Direção: Selton Mello
Dentro de todos nós existe um lugar onde o circo tem o seu picadeiro. Lá, palhaços são os reis da brincadeira. Com eles rimos, “sem peias nem meias”.
É nessa camada ingênua, primitiva e terna do nosso íntimo que se faz a nossa interação com o novo filme escrito, dirigido e interpretado por Selton Mello, “O Palhaço”, premiado no Festival de Paulínia com a melhor direção.
Estamos em um circo pobrinho, mambembe. Uma trupe de saltimbancos. A lona é rasgada, a acomodação pouca, as roupas gastas. Não importa, porque o brilho estará nos olhos de quem vê o artista nesse espaço mágico.
Claro que Selton Mello inspira-se na linguagem universal usada por gênios do cinema como Fellini e Chaplin. Mas aqui, o palhaço está vestido de verde e amarelo e o circo enfeitado pela paisagem de homens e mulheres simples com crianças nos braços, uma platéia unida, sem mau humor, sob a lona do Circo Esperança.
“Puro Sangue” (Paulo José) e "Pangaré" (Selton Mello), pai e filho palhaços, abrem o espetáculo. E desfilam a gorda com roupas de menina, a dançarina de vermelho, odalisca e espanhola atraindo olhares, os músicos, os equilibristas e a menina bonita que causa admiração pela lourice.
Há um congraçamento, um sentido de família no circo, que Selton Mello incorporou com perfeição no seu roteiro. Gerações de atores se misturam, contracenando nesse filme que quer ser feliz.
Já começa pela dupla de pai e filho palhaços. Paulo José tem uma longa e vitoriosa história de palcos e telas e o Parkinson não o desencorajou. Continua a ser o ator que carrega a emoção nos olhos brilhantes.
Há uma comunicação comovente entre os dois palhaços que supera a barreira da fantasia e faz pensar na continuidade da profissão de ator. Aliás, na vocação necessária ao exercício pleno dessa arte.
E vamos reencontrar figuras da TV que não vemos há muito tempo. Estão lá Moacir Franco numa ponta magistralmente aproveitada como o delegado Justo e premiada no Festival de Paulínia, o “Zé Bonitinho”, Jorge Loredo e o simpático Ferrugem. Larissa Manoela faz, com graça, o contraponto da nova geração.
“O Palhaço” é um filme delicado, intimista, que não serve gargalhadas, nem piadas chulas.
Nesse filme encantador, você vai sorrir e lembrar da sua infância.
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