segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Tão Forte e Tão Perto




“Tão Forte e Tão Perto”- “Extremely Loud and Incredibly Close”, Estados Unidos 2011

Direção: Stephen Daldry



Vemos a silenciosa tela azul por alguns instantes. Logo, o que parece ser um sapato calçado num pé de homem, passa rápido frente aos nossos olhos.

Chuva de papéis picados.

De chofre nos damos conta de que se trata de um homem de terno caindo de muito alto.

O horror.

A câmara foca agora os olhos azuis de um menino. E ele pensa:

“Há muito mais gente agora no mundo... Mais gente morta também. Daqui a pouco não vai ter mais lugar onde enterrar. Devíamos construir prédios para isso. Mortos acima dos vivos. Haveria um elevador para visitar os mortos...”

Porque ele alimenta pensamentos mórbidos?

Cena de um enterro discreto. Um caixão fechado.

E o menino relembra os jogos que fazia com o pai. Operações de reconhecimento:

“Papai planejava as expedições e o que tínhamos de falar com as pessoas.”

O pai (Tom Hanks) explica para a mãe do menino (Sandra Bullock) que os jogos eram para prepará-lo para o futuro.

Percebemos uma forte união entre pai e filho nas cenas onde brincam juntos, criando os mapas das expedições:

“Essa foi a última conversa que tivemos antes do pior dia”, diz o menino para nós. Ele fala muito e depressa.

E fica cada vez mais claro do que se trata. As torres em New York. Os aviões, o fogo, destruição. Pânico. Sirenes. Cáos.

Oskar Schell (o estreante Thomas Horn), o menino de pijama de tubarões, vaga pelo apartamento à noite.

Construiu um esconderijo no alto do armário onde, em um altar para o pai, sacrifica-se, ouvindo as mensagens de uma secretária eletrônica.

É lá que encontra, por acaso, uma chave que ele usa para criar outra expedição, dessa vez sem o pai, em busca de algo que ele não sabe o que é.

É patente seu estado de luto patológico.

Stephen Daldry é o diretor que trabalha bem com crianças estreantes. Lembram-se de “Billy Elliot”? Thomas Horn está ótimo no papel do menino com sintomas de autismo, que perdeu o pai dessa forma trágica.

Todos nós fomos marcados pelo trauma daquela manhã em que assistíamos, impotentes, ao que acontecia em New York.

“Tão forte e Tão perto”, baseado no livro de Jonathan Safran Boer, causou desconforto em alguns críticos americanos mas foi colocado na lista dos candidatos ao Oscar dos melhores do ano.

Max Von Sidow, que interpreta no filme alguém que vai tentar ajudar o menino, é também candidato ao Oscar de melhor ator coadjuvante. Aos 82 anos, o ator mítico do diretor sueco Ingmar Bergman, do alto de sua sabedoria resume o que muitos pensam:

“- Ainda poderia ser muito cedo para fazer esse filme que toca em feridas tão profundas. Ainda bem que Stephen Daldry ousou."



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret



“A Invenção de Hugo Cabret”- “Hugo”, Estados Unidos 2011

Direção: Martin Scorsese



Sobrevoamos Paris toda branca, sob um manto de neve. A Torre Eiffel reluz na manhã.

Lá embaixo, a Gare Montparnasse, uma grande estação de trens, fervilha de vida. Mergulhamos.

Gente que entra e sai dos trens, a florista com seu carrinho colorido de buquês, o café cheio de clientes, a orquestra que toca, casais dançam, a loja que conserta brinquedos, a livraria, o inspetor de polícia que passa com seu doberman, os vendedores ambulantes.

É todo um mundo que vamos conhecendo em detalhes mas muito rápidamente, respirando o ritmo apressado desse lugar.

Por uma fresta do grande relógio da estação, um menino de olhos azuis, observa o movimento do mundo lá fora.

Mundo proibido para o órfão que vive escondido em meio às engrenagens dos relógios. Ele conhece como ninguém aquelas entranhas escuras, suas escadas em caracol, torres, corredores, tubulações, entradas e saídas por entre os gradis de ferro ao rés do chão.

Desde que seu tio beberrão desapareceu, faz o trabalho dele, cuidando dos relógios.

Vive só, naquele lugar escuro, tendo como companhia o boneco autômato que herdou de seu pai quando ele morreu. Seu ideal é consertá-lo, seguindo as instruções de um velho caderno, e fazê-lo comunicar a mensagem que, acredita, seu pai deixou ali para ele.

O autômato guarda um segredo. Em seu interior, uma fechadura em forma de coração. E Hugo se pergunta:

“- Mas onde estará a chave? “

Tudo isso nos é mostrado em cores e formas que lembram as ilustrações de antigos livros infantis.

Nossos olhos maravilhados são atraídos pela ilusão de profundidade do 3D, usado de uma maneira espetacular, como nunca se viu antes.

Martin Scorsese, mestre de cinema, 69 anos, em seu 30º filme, “A Invenção de Hugo Cabret”, nos faz penetrar num mudo de pura magia.

Sem fôlego, corremos com o menino e vivemos suas aventuras.

Mas o filme tem uma segunda intenção.

Logo, Hugo (Asa Butterfield, do “Menino do Pijama Listado”) encontra Isabelle (Chloe Grace Moretz, de “500 Dias com Ela”), filha adotiva do severo homem que conserta brinquedos (Ben Kingsley, de “Gandhi”) e a leva para uma nova aventura: uma sala de cinema, onde penetram escondidos e assistem deliciados a filmes mudos.

E essa é a deixa para Scorsese envolver-nos em sua paixão. Vamos ver trechos de filmes dos inícios do cinema, puras preciosidades.

Há uma defesa calorosa da 7ª arte, aquela que, usando todas as outras, está alí nas salas de cinema nos bairros de cada um de nós.

Popular, mas nem por isso menos sofisticada, a arte do cinema encanta gerações, nos ensina Scorsese, desde que os irmãos Lumière a inventaram em 1895.

Scorsese homenageia, principalmente, Georges Meliès (1861-1938) que, através de seus mais de 500 filmes, levou o grande público ao cinema.

Mas o que fazer com quem não se emociona mais com nada? Estão “quebrados”, diria Hugo Cabret que achava os homens parecidos com as máquinas.

Quando perdemos a capacidade de nos encantar, é porque estamos cegos pela tristeza e depressão ou nossos olhos estão baixos porque pensamos não ter valor, nossa auto-estima está baixa.

Tem conserto?

Scorsese aponta para a chave que cura esse males: alimentar o amor, a imaginação e os sentimentos vivos que moram no nosso coração.

Vá ver esse filme com a mente e os olhos abertos e deixe-se levar por essa obra de arte magnífica.




terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Albert Nobbs



“Albert Nobbs”- Idem, Inglaterra, Irlanda 2011

Direção: Rodrigo Garcia



Uma nuca muito branca num colarinho alto. Uma mão pequena ajeita o cabelo ruivo.

De costas, assim somos apresentados a Albert Nobbs, o garçom de um pequeno hotel em Dublin, no fim do século XIX.

E, quando o vemos trabalhando, com gestos precisos e corpo rígido, nos damos conta com surpresa de que “ele” é Glenn Close.

Rosto branco qual máscara imóvel, onde só os olhos se mexem amedrontados, Albert Nobbs é o novo papel que trouxe de volta Glenn Close aos holofotes.

Indicada cinco vezes ao Oscar nos anos 80, essa atriz extraordinária reaparece, 22 anos depois de sua última indicação a melhor atriz. E no papel que fez com sucesso no teatro em 1982, na peça baseada num conto do escritor irlandês George Moore (1852-1933) e pelo qual ela se apaixonou.

Levou tempo mas Glenn Close conseguiu fazer o filme que queria tanto fazer. Para esse filme sair do papel, ela produziu, escreveu o roteiro com John Banville, colocou a letra na canção, “Lay your head down”, com música de Brian Byrne e chamou Rodrigo Garcia, filho do grande escritor Gabriel Garcia Marques, para dirigir.

“Albert Nobbs” conta com uma direção de arte impecável que nos faz viajar aos últimos anos do século XIX, ao hotel da sra Baker (Pauline Collins).

Na Irlanda da passagem do século XIX para o XX, a pobreza era extrema e mulheres se vestiam de homem para conseguir um emprego.

As relações entre os empregados do hotel é que serão foco do filme: Nobbs, o garçom, Helen Dawes (Mia Wasiskowa, a “Alice”de Tim Robbins), a bela garçonete, Hubert Page, o faz-tudo (Janet McTeer, a surpresa do filme, indicada para melhor atriz coadjuvante no Oscar) e o galã vivido por Aaron Johnson.

Mas tudo gira em torno a Albert Nobbs, um personagem singular.

“- Recriar o interior de uma pessoa tão silenciosa”, foi o que mais fascinou Glenn Close para fazer o personagem.

O atencioso garçom que trabalha há 17 anos no hotelzinho e que vive essa farsa quanto à sua verdadeira identidade, só pensa em economizar dinheiro para abrir um negócio próprio, uma tabacaria.

De noite, antes de dormir, olha com ternura um retrato onde está escrito “Mãe”, para voltar a guardá-lo nas páginas da Biblia. Santificada, essa mulher vai inspirar os sonhos infantis de Nobbs sobre uma tabacaria com uma sala nos fundos, um lar maternal, quente e acolhedor.

Mas de dia, ele é a personificação do medo. Defende dentro de si uma menina abusada, reprimida pelo disfarce de Albert Nobbs.

A história é comovente e ao mesmo tempo angustiante, assim como é Albert Nobbs, “uma pessoa inacabada”, como diz Glenn Close numa entrevista ao New York Times.

Ela está soberba vivendo esse personagem preso numa teia de mentiras que ele mesmo criou e que o aprisiona.

Retrato de um ser humano determinado a sobreviver, Albert Nobbs pode ser o passaporte para o seu tão merecido Oscar.

Se não acontecer, não importa. Guardaremos sua imagem em nossos corações, tocados pela tristeza e desamparo, tão bem vividos na tela por essa atriz sublime.




terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A Dama de Ferro



“A Dama de Ferro” – “The Iron Lady”, Inglaterra/França 2011

Direção: Phyllida Lloyd



Ela parece estar perdida numa neblina. Lembranças e realidade alternam-se indistintamente. Seus olhos, que antes eram azul-aço, se apertam, embaçados.

“- Bom dia Lady Tatcher! Tudo bem? Vamos falar sobre seus encontros de hoje?”, diz a secretária Susie, entrando no apartamento da velha senhora pela manhã.

Mas ela não está lá. Sentada no teatro, escuta Maria cantar “Shall We Dance?” no musical “The King and I“. Rodopiam no palco e ela se encanta, tamborilando os dedos no ritmo da valsa alegre.

Denis, seu marido fala qualquer coisa, ela se vira mas ele sumiu e ela não está mais no teatro.

Uma pilha de livros espera por seu autógrafo. Senta-se na escrivaninha e começa a tarefa. Assina Margareth Tatcher muitas vezes até que um Margareth Roberts nos surpreende.

Em um “flashback”criado por sua mente, a vemos muito jovem com os pais, debaixo de uma mesa, durante um bombardeio alemão a Londres durante a Segunda Guerra.

E logo o pai diz a ela:

“- Vá pelo seu próprio caminho. Não me desaponte Margareth!”

“- Ganhei uma bolsa para Oxford”, diz ela orgulhosa ao pai.

Mas a cena se dissipa e é a secretária que fala sobre algumas pílulas que ela deixara de tomar.

Algo a ver com ficar lúcida.

Mas como? E nunca mais ser jovem e entusiasta, casada com Denis, dez anos mais velho que ela e ter um par de gêmeos?

Nunca mais ter 49 anos e tornar-se a primeira mulher na história da Inglaterra a liderar um partido político e quatro anos depois tornar-se a primeira mulher do Ocidente a ser Primeiro Ministro? Nunca mais morar no 10, Downing Street que foi a sua casa por onze anos?

É pedir demais para a velha senhora que, sem o seu passado, torna-se inútil para si mesma.

Ela, que os russos apelidaram de “Dama de Ferro” e de quem o presidente Mitterrand da França dizia: “Ela tem olhos de Caligula e boca de Marilyn Monroe”? Ela, que tinha vencido aqueles que a chamavam de “filha do quitandeiro” e a discriminavam por suas origens humildes?

Não. A lucidez tira dela o poder.

“- Você tem que lembrar-se de que não é mais a Primeira Ministra, mamãe”, diz a filha.

Tiraram tudo dela... Até o amado filho Mark que vive na África do Sul.

Não. O que ela mais quer é viver no passado com sua glória.

Em sua 17ª indicação ao Oscar, Meryl Streep criou um corpo para essa senhora e parece que a reencarna, vivendo dentro desse corpo inventado. Dos 49 anos aos 86, Meryl Streep é Margareth Tatcher, numa atuação assombrosa.

Phyllida Lloyd, que dirigiu “Mamma Mia!”, seu primeiro longa, no qual Meryl Streep canta e dança, teve o prazer de ter essa atriz extraordinária de novo com ela.

O roteiro de Abi Morgan é um achado. Faz o filme ser um relato na primeira pessoa, em “flashbacks”que trazem de volta o passado de alguém que comandou uma nação.

Amada e odiada pelos ingleses, ela deixou sua marca na História.

E é assim que ela quer se lembrar de si mesma.

Apesar de não comungar com suas idéias políticas, Meryl Streep entendeu a personagem, uma rainha sem coroa mas com poder que, no fim, qual um rei Lear destronado, vaga, alucinando uma vida que acabou, em um apartamento em Londres.

Grande história, grande atriz.



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Artista



“O Artista”- “The Artist”, França/ Bélgica, 2011

Direção:Michel Hazanavicius




Para gostar do filme “O Artista”, mudo, com letreiros à antiga, em preto e branco, são necessários alguns requisitos mas o principal deles é ter imaginação.

O filme é para quem não precisa de palavras faladas para ter empatia pelos atores e interesse pela história. Ou então para quem gosta de construir um filme próprio dentro de si, valendo-se da memória afetiva para escolher as vozes dos artistas, os ruídos da vida que vivemos e fazer parte da história.

É para quem não precisa de efeitos especiais e gosta de uma história de amor contada com simplicidade e eficiência.

Outro desses requisitos é não ter menos de 40 anos e ter visto Chaplin, O Gordo e o Magro, os irmãos Marx e lembrar-se desses e de outros filmes mudos que passavam nos inícios da TV no Brasil.

Mas mesmo quem é muito jovem e tem imaginação mas nunca viu filmes mudos ou não se interesssa por eles, pode gostar de “O Artista” porque o filme tem os ingredientes do sucesso: amor contrariado, uma garota engraçada, bonita e de bom coração, dois parceiros que dançam como Fred e Ginger e um cão muito especial.

O “Jack Russel terrier” Uggie não fala. Seus latidos também são mudos. E esse cachorrinho não precisa de mais nada do que de sua simples presença e seus truques bem aprendidos para detonar a química que existe entre ele e o Artista.

O filme conta a história de um astro do cinema mudo, George Valentin (Jean Dujardin) e começa em 1927, alguns anos antes do “crash” da Bolsa de New York e do aparecimento dos primeiros filmes falados.

Ele encontra uma garota chamada Peppy Miller, que deseja ser estrela de cinema e com ela vai reformular algumas das idéias que ele tinha sobre a vida.

Quem faz a garota brejeira é Bérénice Bejo, nascida em Buenos Aires mas criada em Paris, casada com o diretor do filme. Ela foi indicada a melhor atriz coadjuvante no Oscar.

O filme foi rodado em Hollywood e algumas das locações são cenários verdadeiros da época de ouro do cinema mudo, como a casa da atriz Mary Pickford.

“- É um filme que contraria o que vem sendo feito no momento. Sei que isso é uma das coisas que as pessoas apreciam nele”, diz o diretor francês Michel Hazanavicius.

Mas o filme não tem técnicas ultrapassadas. Foi usado um computador para gerar imagens, como por exemplo a recriação das ruas de Hollywood nos anos 30. O jeito de usar a câmara e a iluminação são sofisticados e contemporâneos. A trilha sonora excelente de Ludovic Bource foi premiada com o Globo de Ouro.

Jean Dujardin também levou o Globo de Ouro na categoria comédia/musical e o SAG (‘Screen Actors Guild Award”), confirmando assim o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes no ano passado e a indicação para o Oscar.

Michel Hazanavicius, além das 10 indicações do seu filme para o Oscar, faturou o cobiçado prêmio do “Directors Guild Awards”, seus iguais, e levou também o Globo de Ouro para casa.

Ironicamente, um filme francês e mudo, pode ser o primeiro não americano a ganhar o prêmio de melhor filme do ano.

Será?

Saberemos isso no dia 26 de fevereiro, dia da festa do Oscar.







quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

J. Edgar



“J. Edgar”- Idem, Estados Unidos 2011



Direção: Clint Eastwood



Ele não era qualquer um. Nada mais nada menos do que o homem que comandou o FBI por 48 anos (1924-1972). Demasiado humano, com tudo que isso pode significar, assim Clint Eastwood nos apresenta J. Edgar Hoover (1895- 1972), seu personagem em seu último filme.

Com “flash-backs” e em tons quase sépia, John Edgar Hoover nos é mostrado em um vasto painel de atuações.

O roteirista, Dustin Lance (Oscar por “Harvey Milk”), conta-nos do menino, esperança da mãe na “reabilitação do nome da família”, ao homem velho que precisava de injeções de estimulantes, todos os dias, na ânsia de reconquistar o vigor dos primeiros anos.

Dirigido por sua paranóia pessoal, Hoover demonizava “os inimigos do país”. Eram reais? Não importava. Assim via os comunistas, estrangeiros, anarquistas e depois os gângsters, os Roosevelt, os Kennedy, Martin Luther King, Nixon, muitos.

Tirânico e implacável, com seus arquivos secretos mantidos a sete chaves pela fiel escudeira Miss Gandy ( Naomi Watts), chantageou e calou muitos poderosos.

De um garoto obcecado em tornar-se um homem forte, como queria sua mãe, ele chegou a ser chefe dos novos gladiadores, os G-Men dos quadrinhos e do cinema.

E os comandava com mão de ferro, como se fossem soldados e ele o general. Mandava e gostava de ser a obedecido à risca.

Clint Eastwood não acusa nem desculpa Hoover. Não força conclusões. Humaniza o personagem. E pontua sua história com a música que ele mesmo compôs para o seu filme.

Mas Eastwood nos revela também as fragilidades de J. Edgar, magistralmente interpretado por um Leonardo Di Caprio irreconhecível e em tudo lembrando o personagem da vida real. Parece mentira que não foi indicado para o Oscar de melhor ator...

Siderado pela mãe narcisista (Judi Dench, atriz impecável), o menino fugia do modelo de um pai fraco e demente. Queria brilhar aos olhos dela e foi com muita luta interna que não se dobrou aos seus desejos de casá-lo.

Identificado aos sonhos de perfeição projetados nele pela mãe, foi com muita dor que aquele homem se entregou ao desejo e ao amor que sentiu por seu companheiro da vida toda, Clyde Tolson (Armie Hammer), o segundo homem do FBI. A mãe quase o convenceu que aquilo que ele sentia era mau.

Assim J. Edgar é visto pelo roteirista e por Eastwood, diretor do filme.

Mas não há certezas sobre essas histórias do “amor que não ousa dizer o seu nome”, como querem os puritanos.

Porém, caso isso tenha acontecido assim, o amor não fez J. Edgar melhor. No máximo acrescentou um pouco de vida social e mais humor ao homem de feições carregadas, desanuviando talvez algumas rugas de sua testa sempre franzida.

Em seu quarto, onde morreu, vemos em imagens a história íntima desse homem: a mãe, entronizada, sorri na moldura preciosa, damascos sedosos cobrem a cama de dossel, soldados greco-romanos em estátuas de bronze, espadas desembainhadas, protegem-no de seus inimigos como se fossem arcanjos.

Só não puderam poupá-lo da morte. E, a esta altura, J. Edgar era um dinossauro, fadado à extinção.

Essa história íntima, de um homem que foi uma lenda americana, mereceria mais aplausos da Academia de Cinema pelo diretor, roteirista e ator excepcionais. Mas, talvez, eles ainda representem os puritanos. E, se assim for, a injustiça vira um elogio.