quinta-feira, 15 de julho de 2010

"Educação"

"Educação" (An Education, Lone Scherfig, Inglaterra, 2009)
Postado em 5 de março de 2010, às 11:00
Estamos em Londres, 1961 e a abertura do filme nos leva a meninas de uniforme no colégio, em aulas de biologia, matemática, dança, culinária. No recreio, bambolê, ao som gostoso de um musiquinha da época.
Mas logo a câmara e os nossos olhos estão grudados em Jenny, 16 anos, que se destaca do grupo.
Não só ela é aluna brilhante, como é o centro das atenções das outras, com suas frases em francês e seu jeito alegre e desembaraçado.Toca cello na orquestra da escola e ouve Juliette Greco cantar “Sous le ciel de Paris” na vitrolinha, deitada na cama, sonhadora.
Ela quer ir para Paris, vestir-se de preto e discutir Camus. Quer ser existencialista no Quartier Latin.
Mas nem a música nem o francês estão no currículo oficial e os professores e os pais de Jenny querem vê-la em Oxford. É nesse momento crucial de sua vida que Jenny vai se deparar com a necessidade de fazer escolhas por si mesma ao tentar viver aquilo que ela pensa ser a verdadeira vida.
David (Peter Sarsgaard), muito mais velho que ela, bom de conversa e traquejado sedutor vai virar a cabeça de Jenny. Mas não só a dela. Seus pais (os ótimos Alfred Molina e Cara Seymour) ficam deslumbrados com David e soltam Jenny para viver esse romance.
Ela passa, então, a frequentar o mundo das festas, concertos, leilões, cabarés, vestida de mulher.Toda uma sofisticação desconhecida que a encanta e atordoa.
Quando chega em casa tarde, depois de uma primeira noite nesse mundo de David, responde à mãe que a espera na cozinha:
-Como foi a sua noite?
-A melhor noite da minha vida!
Certo. ”Educação” é um filme sobre o rito de passagem da menina Jenny para a vida de mulher adulta.Trata-se de mais uma narrativa sobre a perda da inocência. E demonstra-se outra vez que nossas escolhas determinam nossa vida.
Mas “Educação” é mais do que isso.
Baseado em fatos verdadeiros, narrados pela jornalista britânica Lynn Barber em suas memórias publicadas em uma revista inglesa, o roteiro assinado pelo escritor Nick Hornby foi indicado para o Oscar de melhor roteiro adaptado. Seus diálogos naturais e bem colocados, ajudam “Educação” a ser um filme que foge aos padrões comuns e aos clichês. Não é por acaso que foi indicado para o Oscar entre os dez melhores filmes do ano.
Mas o que sem dúvida está muito acima da média em “Educação” é Carey Mulligan, a Jenny do filme. Acaba de ganhar em Londres o Bafta de melhor atriz. E foi indicada merecidamente para o Oscar nesse primeiro papel importante que faz para o cinema, aos 22 anos. Ela é uma surpresa deliciosa.
Atuando com um elenco estrelado no qual todos são ótimos, Carey Mulligan consegue se sair melhor do que muita atriz tarimbada. É para ficar na história seu diálogo vibrante com a diretora da escola, interpretada por uma Emma Thompson de balançar até uma veterana.
E o que é mais importante: seu carisma natural colabora para que ela se destaque sem esforço, atraindo para si a nossa simpatia.Torcemos por Jenny porque nos identificamos com ela, qualquer que seja a nossa idade.
A diretora dinamarquesa Lone Scherfig, toca o filme sem estardalhaço, costurando as cenas com habilidade e dando espaço aos atores. Seu tom é sempre sóbrio e isso faz com que a história seja contada sem argumentação moralista.
Quando pensamos que a década de 60 vai acabar com uma grande revolução nos costumes e que os Beatles, Mary Quant e os hippies vão fazer de Londres o centro do mundo, a personagem Jenny é uma feminista “avant-la-lettre”.
Os sonhos, lutas e desilusões dessa geração vão pavimentar o caminho que, meio século depois, pode ser trilhado pelas Jennys do século XXI.
E mais, o filme aponta para o fato de que nossa educação formal não seria nada sem a educação sentimental. É na vida prática que aprendemos as lições que nos guiarão para sempre. Mas, é verdade também que sem uma educação formal, essa vida de experiências não vai poder passar por um crivo de reflexão necessária.
No balanço final há em “Educação” algo que vai ser para sempre eterno: sabemos como a juventude é breve mas duradoura dentro de nós.
“Educação” nos faz lembrar disso com carinho.

Um comentário:

  1. Sylvia Manzano, em 5 março 2010 às 14:24
    Esse era o sonho meu em 1961: ser existencialista e conhecer Simone e Sartre ou então, eu me contentava em ir para uma cidade que tivesse universidade para estudar filosofia.
    Meus e de tantos e tantas de minha geração, que queríamos sair da casa dos pais, ganhar independência, pagar as nossas contas e um pouco mais tarde militar nas muitas revoluções que pipocavam pelo mundo inteiro.
    As décadas de 60 e 70 mudaram o mundo, mas o sonho acabou, o mundo parece estar dando marcha à ré e as conquistas virando um pesadelo para o futuro.
    Cazuza já denunciou anos mais tarde a falta de uma ideologia e hoje em dia, então, ideologia talvez seja como já disse CDA um quadro na parede, uma palavra extinta, ignorada e até repudiada.
    A nossa sorte no Brasil é que atualmente os governantes sonharam os mesmos sonhos e transformaram o país, mas estarei sendo pessimista em temer que as atuais gerações não estejam conseguindo fomentar o aparecimento de líderes que os substituam?
    Um caminho que começou em D. Helder Câmara e foi dar no Pe. Marcelo Rossi, no movimento tropicalista e foi dar no axé, em Guimarães Rosa e dar no Paulo Coelho...
    E eu aqui, agora quieta no meu canto, ainda sonho com um neo-movimento hippie ou coisa parecida.
    Em quase 8 anos de governo, Lula colocou o Brasil de pé e agora espero que os próximos 8 anos de Dilma sejam no sentido de aprofundar as mudanças, de multiplicar os CEUs por todas as grandes e pequenas cidades do país, de fazer a revolução cultural e educacional e alimentar as outras fomes que agora se tornam a urgência do Brasil.

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