quinta-feira, 15 de julho de 2010

“Chéri”

“Chéri”, Stephen Frears, Inglaterra/França (2009)
Postado em 29 de janeiro de 2010, às 12:00

Cenários suntuosos onde brilham materiais e móveis preciosos sob uma iluminação perfeita. Locações de sonho: Paris, Normandia, Biarritz. Figurinos de época trabalhados com arte para encantar. Elenco de primeira, tendo à frente uma belíssima mulher e um jovem lindo como um deus grego. Mas não se enganem. Esse não é mais um filme de época feito para ganhar alguns Oscars de segunda categoria.
Vinte e um anos depois de impactar o mundo do cinema com o seu premiado "Ligações perigosas" (Liaisons dangereuses, 1988) no qual tratava das defesas perversas frente aos perigos do amor, o diretor inglês Stephen Frears traz para a tela “Chéri” (2009), baseado no livro de 1920 da escritora francesa Colette (1873-1954). E retoma o tema do amor.
A beleza dos figurinos e dos cenários escolhidos não servem apenas como uma distração para nossos olhos. Ao contrário, pontuam uma preocupação decadente com o mundano que marcou o fim do século XIX e o começo do século XX - a “Belle Époque”- que teria um fim com a Primeira Grande Guerra.
Entre o aconchego dos veludos, plumas e peles do jardim de inverno de uma casa francesa vão ocorrer os fatos que desencadeiam uma história de amor não-ortodoxa.
É nesse jardim de inverno que famosas ex-cortesãs passam suas tardes a recordar seus momentos de glória nas rodas aristocráticas e boêmias da Europa.
Essas mulheres, cultivadas e até mesmo refinadas, não podem ser confundidas com meras prostitutas. Algumas marcaram em seus salões o destino da arte e cultura da época. Outras se tornaram muito ricas devido às relações com a aristocracia endinheirada. Mas nunca foram recebidas oficialmente nas altas rodas da sociedade. Por isso conviviam entre si.
Ficamos sabendo que a dona da casa, Charlotte Peloux (Kathy Bates), preocupa-se com o filho Fred de 19 anos (Rupert Friend), apelidado "Chéri" por uma colega de ofício que o conhece desde pequeno, a ainda bela e bem sucedida Lea de Lonval (Michelle Pfeiffer). Aos 49 anos, ela pensa em abandonar o "métier" (profissão).
Entregue aos cuidados de Lea para largar a vida de dissipação que levava, Chéri, quase sem querer, vai marcar e ficar marcado para sempre.
Ele, que a chama de “Nounoune”, vai encontrar na cama e nos braços de Lea não só os prazeres do amor carnal, mas as delícias dos mimos e dos cuidados maternais que tanto faltaram na vida desse rapaz que se considerava "órfão". Sem pai e com uma mãe que não tinha muito tempo para ele.
Ela, Lea, que envelhece com dignidade, não se dá conta, apesar de toda a sua experiência, que essa história vai custar caro aos dois. Era virgem em matéria de amor.
E ela não apenas “adota” Chéri. Coloca o rapaz no centro de sua vida. E o educa para a masculinidade. Ele que tanto se atraia pelas pérolas cor-de rosa.

Um Édipo que consegue uma realização feliz. Ao menos por uns anos... Porque depois a vida vai se encarregar de arrancar Chéri dos lençóis cor-de-rosa de Lea.
Essa cobrança que a vida faz em nome da tradição poderia ser uma oportunidade de crescimento para os dois amantes.
Mas a que melhor aproveita essa lição é Lea. Bem dizem os franceses: ”Si la jeunesse savait...Si la vieillesse pouvait...”(Se os jovens soubessem...Se os velhos pudessem...)
As disputas sutis e venenosas entre a mãe e a amada de Chéri é um dos pontos altos do filme. Diálogos ferinos escritos pelo roteirista e dramaturgo Christopher Hampton que adaptou o livro de Colette são brihantes e dão oportunidade a Kathy Bates de mostrar a sua verve humorística refinada.
Michelle Pfeiffer que ganhou o Oscar de atriz coadjuvante em “Ligações perigosas” fazendo o papel da pura Mme. de Tourvel que se torna presa de um perverso John Malcovitch, brilha em “Chéri”como a cortesã Lea.
Ela atua com tanta sutileza que parece que só a câmara capta, em segredo para a platéia, a crispação de seu belo rosto frente às provocações de Mme. Peloux (Kathy Bates), mãe de Chérie, que sempre foi uma rival ciumenta.
E é com muita sinceridade que a vemos lamentar, quase que em silêncio mas com uma postura alquebrada, o rumo dos acontecimentos.
Mais ainda, belissima como sempre foi, a atriz oferece generosamente ao nosso olhar um pescoço já marcado por rugas e um rosto que começa a perder o viço.
Stephen Frears que a dirigiu 21 anos atrás parece que sabia que Michelle Pfeiffer seria uma maravilhosa Lea de Lonval. E ela aceitou prontamente o papel.
Penso que não foi por acaso ou por coincidência que o diretor convidou Michelle Pfeiffer para o papel e repetiu com ela o close final de Glenn Close em “Ligações perigosas”. Lembram-se?
Em “Ligações perigosas” o close servia para mostrar a atriz tirando a maquiagem e, assim fazendo, desnudar nos traços melancólicos de seu rosto a tragédia que resultou de suas maquinações perversas.
Em “Chéri”, Stephen Frears coloca Michelle Pfeiffer também em close, frente a um espelho que somos nós, testemunhas de sua maturidade triste mas sadia. Um rosto envelhecido mas de certa forma enriquecido pelas venturas e desventuras vividas plenamente.
Duas personagens femininas bem diferentes.
Acho que há nessa escolha do diretor uma lição nada moralista mas bem realista: a aceitação da passagem do tempo é um árduo mas necessário fardo para todos nós. A única saída é viver plenamente.

E, quanto ao amor, vamos repetir aqui os versos tão conhecidos do “Soneto da fidelidade” do grande Vinicius de Moraes:
"Que não seja imortal, posto que é chama.
Mas que seja infinito enquanto dure."

Um comentário:

  1. Comentário enviado à redação do MPost, em 1 de fevereiro de 2010, às 10:57
    Por acaso vi ontem o “Cheri” e o seu texto está ótimo.
    Vc captou muito bem todo o clima das intenções de Frears, que ladeado pelas ótimas atrizes conseguiu transmitir todo o brilho da Belle Époque, a educação sentimental de um jovem e ainda todas as sutilezas da aceitação da perda da juventude da bela cortezã.
    É um belo filme em todos os sentidos, gostei muito
    Bjs
    Vicky

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