Direção: François
Ozon
Será que a volta ao uso
do uniforme no Lycée Auguste Flaubert vai trazer aos alunos a proclamada
igualdade, lema revolucionário francês, como quer seu diretor?
Ora, na tela, vendo os
retratinhos 3x4 dos alunos de uniforme se sucedendo com rapidez relâmpago, salta
à vista a diferença dos rostos, cores e cabelos. Eis a primeira ironia de
François Ozon em “Dentro da Casa”. A igualdade externa não
existe.
E a cabeça daqueles
alunos?
Para o professor Germain,
de literatura, nisso eles se igualam. A mediocridade é comum a todos. São os
“bárbaros do futuro”, numa alusão à decadência do Império
Romano.
Incapazes de escrever
duas linhas mal cozidas, tais alunos irritam o professor, que tenta
apresentá-los aos grandes autores franceses, para que aprendam alguma coisa
sobre a natureza humana.
Afinal, partilhamos todos
a mesma natureza e ao mesmo tempo somos diferentes, dependendo da maneira com
que cada um vive a própria vida. E é isso que impulsiona a nossa curiosidade
sobre os outros, a vontade de bisbilhotar, falar da vida alheia, ler livros, ver
filmes.
Em “Dentro da Casa”, o
professor Germain (o ótimo Fabrice Luchini) não dá o braço a torcer mas está
encantado com o seu aluno Claude Garcia (Ernst Umhauer, talentoso) e o estimula
a continuar a escrever sobre a família do seu melhor amigo Rapha (Bastian
Ughetto), a quem ele ajuda nas lições de matemática, na casa
dele.
Apesar de ser um tantinho
inusitado, no entender do professor, que Claude escreva e exponha a família de
Rapha no papel, essas redações que sempre tem um “à suivre” no fim, isto é,
“continua”, produzem um efeito intenso nele, que passa a lê-las para sua mulher
(Kristin Scott Thomas), como se fossem os capítulos de um folhetim, uma
novela.
Há uma forte
identificação do professor com aquele aluno bem dotado.
“- Ele se senta na última
fila,” diz Germain para sua mulher.
“- Como você fazia,”
responde Jeanne.
“- É o melhor lugar. A
gente vê todo mundo e ninguém vê a gente”, retruca o
professor.
O filme se inspira na
peça de teatro “O Menino da Última Fila” de Juan Mayorga, que foi transformada
em roteiro pelo próprio diretor François Ozon, 45 anos, responsável por “Sob a
Areia”(2000), “Ricky”(2009) e “Potiche”(2010), entre outros filmes de
sucesso.
A procura de Claude em
conhecer de perto tudo que diz respeito àquela “família normal”, como ele
escreve e que ele cobiça, principalmente na figura da bela mãe do amigo
(Emanuelle Seigner), pode ser compreendida à luz das carências de Claude, que
tem um pai inválido e uma mãe que abandonou a casa quando ele era
pequeno.
Mas essa motivação
psicológica não é o que faz Claude prender a atenção do professor e de sua
mulher, galerista de arte contemporânea. O que atrai no texto dele é a graça, a
ironia, a sedução que faz com que todos que entrem naquela casa com Claude,
queiram saber mais sobre aquelas pessoas.
São reais ou imaginárias?
Não importa. A literatura tem o poder de contar histórias que nos prendem, sejam
totalmente inventadas ou realmente acontecidas, pelo simples dom de contá-las
que todo bom escritor tem.
E Claude tem esse
talento, além de personificar aquilo que os franceses chamam de “beauté du
diable”, beleza que a todos seduz.
Entre o aluno e o
professor, instala-se um clima de “As Mil e Uma Noites”, sendo que aqui,
Claude/Sherazade não apenas seduz o professor mas quer sempre escrever mais
sobre aquela família escolhida.
Porque a história que é
contada envolve também o contador da história que olha, por “um buraco de
fechadura” imaginário, a vida de seus personagens, que tem muito dele mesmo, num
retorno de uma imagem transformada.
“Dentro da Casa” é uma
homenagem à imaginação que enriquece nossas vidas toda vez que lemos, ouvimos ou
vemos uma história que nos prende.
Não foi à toa que Ozon
homenageou “Janela Indiscreta” de Hitchcock na última cena do filme. Tem tudo a
ver.
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