Direção: Alain
Resnais
Nuvens na tela
esgarçam-se sobre uma paisagem de montanhas. Depois, ânforas gregas e mosaicos
bizantinos sugerem que vamos ouvir falar de mitos antigos.
Mas, antes de continuar,
um aviso importante: é preciso que o espectador deixe-se levar por Alain
Resnais, 90 anos. É necessário acompanhar o diretor sem preconceitos nem
críticas, dizer sim à novidade e maravilhar-se com sua imaginação
grandiosa.
“Vocês Ainda Não Viram
Nada” alerta para que não prejulguemos algo que ainda não conhecemos. Resnais
escolhe sempre esse nome para todos os seus filmes, antes do definitivo. Dessa
vez, o título temporário foi o que ficou.
Adaptação de duas peças
de Jean Anouilh, “Eurydice” e
“Cher Antoine”, é uma
homenagem aos textos de teatro e aos atores que os dizem. E Resnais confessa que
escolher uma peça faz ganhar tempo. Um roteiro original levaria uns dois anos
para ser escrito. E compreendemos que ele tem pressa. O tempo, tema de todos os
seus filmes, é agora escasso.
Quando o filme começa,
vemos que uma mesma mensagem é dita por telefone a 13 pessoas, grandes atores do
cinema e teatro franceses. Mas não importa se você não conhece esses nomes. O
importante é entender a situação que o escritor morto, amigo deles, propõe que
aconteça em sua casa no cume de uma montanha.
Quando eles chegam lá, uma frase os saúda: “Quando passou a ponte, os fantasmas vieram ao seu encontro” (do “Nosferatu” de Murnau).
Quando eles chegam lá, uma frase os saúda: “Quando passou a ponte, os fantasmas vieram ao seu encontro” (do “Nosferatu” de Murnau).
O mordomo leva os atores
à sala de cinema e, quando se sentam nos sofás negros da sala adornada com
pinturas nas paredes, são convidados pelo amigo morto, que aparece na tela, a
julgar se a peça dele, “Eurydice”, que todos eles interpretaram no passado, pode
ser reencenada por uma companhia de atores jovens que será vista por
eles.
E o momento mágico
acontece quando os pares Orfeu/Eurydice (Sabine Azéma/PierreArditi e Anne
Consigny/Lambert Wilson) começam a se formar novamente e a peça se desenrola
então, atuada por atores que se situam em três idades da vida: a juventude, a
meia-idade e a maturidade.
Na tela são os jovens
desconhecidos, na sala os atores consagrados. E há nuances diferentes em cada
interpretação.
É como se a memória do
texto trouxesse com ela o momento afetivo que esses atores viveram no
palco.
E, numa espécie de
transe, eles se levantam e passam a viver os personagens da peça encenada pelos
jovens. Ora em uníssono, ora em eco, ora apenas eles, ora apenas os jovens. Ora
atores consagrados e os jovens, dialogando.
Resnais, em sua imensa
sabedoria, nos faz pensar em temas universais que aparecem na peça encenada: o
amor idealizado, os ciúmes, o horror à solidão, a impaciência dos amantes, o
para sempre, o que estimula e o que mata o amor, sentimento delicado que pode
ser confundido com a vontade de amar e ser amado.
E a questão principal,
trazida por Mathieu Almaric, que interpreta o Destino: não é a morte que faz
sofrer, é a vida. Tudo que vivemos fica em nós. São os fantasmas que assustam
Eurydice e fazem que o amor deles seja difícil. A culpa por não poder ser aquela
que Orfeu idealiza faz Eurydice fugir dele.
E só a morte vai unir
para sempre os amantes ideais que a vida não poupou.
Resnais, de filmes
antológicos como “Hiroshima, mon amour”1959, “O Ano Passado em Marienbad”1961,
“Mon Oncle D‘Amérique”1980, para só citar os mais conhecidos, aos 90 anos quer
viver e produzir filmes. O próximo começa a ser rodado no fim do ano. “Aimer,
boire et chanter”, titulo provisório, é baseado na peça de Alan
Ayekbourn.
O cinema precisa de
gênios como ele, ainda que só uma elite intelectual e pessoas com sensibilidade
o apreciem. Não importa. Porque seus filmes sempre se tornam inspiração para
essa gente.
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