sábado, 13 de abril de 2013

Vocês Ainda Não Viram Nada



“Vocês Ainda Não Viram Nada”-“Vous N’Avez Encore Rien Vu”, França, Alemanha 2012
Direção: Alain Resnais


Nuvens na tela esgarçam-se sobre uma paisagem de montanhas. Depois, ânforas gregas e mosaicos bizantinos sugerem que vamos ouvir falar de mitos antigos.
Mas, antes de continuar, um aviso importante: é preciso que o espectador deixe-se levar por Alain Resnais, 90 anos. É necessário acompanhar o diretor sem preconceitos nem críticas, dizer sim à novidade e maravilhar-se com sua imaginação grandiosa.
“Vocês Ainda Não Viram Nada” alerta para que não prejulguemos algo que ainda não conhecemos. Resnais escolhe sempre esse nome para todos os seus filmes, antes do definitivo. Dessa vez, o título temporário foi o que ficou.
Adaptação de duas peças de Jean Anouilh, “Eurydice” e
“Cher Antoine”, é uma homenagem aos textos de teatro e aos atores que os dizem. E Resnais confessa que escolher uma peça faz ganhar tempo. Um roteiro original levaria uns dois anos para ser escrito. E compreendemos que ele tem pressa. O tempo, tema de todos os seus filmes, é agora escasso.
Quando o filme começa, vemos que uma mesma mensagem é dita por telefone a 13 pessoas, grandes atores do cinema e teatro franceses. Mas não importa se você não conhece esses nomes. O importante é entender a situação que o escritor morto, amigo deles, propõe que aconteça em sua casa no cume de uma montanha. 
Quando eles chegam lá, uma frase os saúda: “Quando passou a ponte, os fantasmas vieram ao seu encontro” (do “Nosferatu” de Murnau).
O mordomo leva os atores à sala de cinema e, quando se sentam nos sofás negros da sala adornada com pinturas nas paredes, são convidados pelo amigo morto, que aparece na tela, a julgar se a peça dele, “Eurydice”, que todos eles interpretaram no passado, pode ser reencenada por uma companhia de atores jovens que será vista por eles.
E o momento mágico acontece quando os pares Orfeu/Eurydice (Sabine Azéma/PierreArditi e Anne Consigny/Lambert Wilson) começam a se formar novamente e a peça se desenrola então, atuada por atores que se situam em três idades da vida: a juventude, a meia-idade e a maturidade.
Na tela são os jovens desconhecidos, na sala os atores consagrados. E há nuances diferentes em cada interpretação.
É como se a memória do texto trouxesse com ela o momento afetivo que esses atores viveram no palco.
E, numa espécie de transe, eles se levantam e passam a viver os personagens da peça encenada pelos jovens. Ora em uníssono, ora em eco, ora apenas eles, ora apenas os jovens. Ora atores consagrados e os jovens, dialogando.
Resnais, em sua imensa sabedoria, nos faz pensar em temas universais que aparecem na peça encenada: o amor idealizado, os ciúmes, o horror à solidão, a impaciência dos amantes, o para sempre, o que estimula e o que mata o amor, sentimento delicado que pode ser confundido com a vontade de amar e ser amado.
E a questão principal, trazida por Mathieu Almaric, que interpreta o Destino: não é a morte que faz sofrer, é a vida. Tudo que vivemos fica em nós. São os fantasmas que assustam Eurydice e fazem que o amor deles seja difícil. A culpa por não poder ser aquela que Orfeu idealiza faz Eurydice fugir dele.
E só a morte vai unir para sempre os amantes ideais que a vida não poupou.
Resnais, de filmes antológicos como “Hiroshima, mon amour”1959, “O Ano Passado em Marienbad”1961, “Mon Oncle D‘Amérique”1980, para só citar os mais conhecidos, aos 90 anos quer viver e produzir filmes. O próximo começa a ser rodado no fim do ano. “Aimer, boire et chanter”, titulo provisório, é baseado na peça de Alan Ayekbourn.
O cinema precisa de gênios como ele, ainda que só uma elite intelectual e pessoas com sensibilidade o apreciem. Não importa. Porque seus filmes sempre se tornam inspiração para essa gente.

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