Direção: Raphael
Aguinaga
Aquela casa já conheceu
dias melhores, como todos que nela habitam.
No meio da noite, um
carro fúnebre recolhe um passageiro que já se foi. E, uma senhora com ar
elegante e roupas simples (Marilu Marini), é deixada às pressas com sua mala, na
frente da casa. Não há despedidas. Só um garotinho acompanha tudo, mudo, dentro
do carro.
De algum lugar da casa
vem música que traz lembranças. “Madreselva”, o tango, é dançado na memória
dela, que espera fora da casa e na dele, que não sai nunca de seu quarto,
vivendo de recordações e álcool. Um frasco de perfume traz para ele o cheiro de
uma mulher, “mi primero amor”, como canta o tango.
Como ninguém abre a
porta, a senhora é obrigada a passar a noite nos degraus da frente da casa até
que é acordada com gentileza por Rosa (Graciela Tenembaum), a cuidadora dos
velhinhos do asilo Nossa Senhora da Misericórdia.
Enquanto Juan (Arturo
Goetz), o romântico enrustido, tenta pegar pombos, em armadilhas na janela, para
prepará-los à francesa, o amigo Miguel chega com a notícia:
“- Carmencita morreu.
Sabe quem vai ocupar o quarto dela? Um anjo, um bombom, deliciosa. Uma torta de
chocolate. Não anda, flutua. Parece uma bailarina!”
Um solo de clarinete e a
câmara sempre próxima, atenta a detalhes, acompanham o passeio da senhora de ar
elegante pela casa. No quarto que lhe foi destinado, coloca um desenho do neto
sobre o criado mudo.
Nessa fábula sobre a
velhice, dirigida e roteirizada pelo brasileiro Raphael Aguinagua, 39 anos, a
“bailarina” e a “incrível notícia” mudam a vida quotidiana e rotineira daquela
casa. A estranha, pela inveja e admiração que desperta, e a volta de Jesus,
clonado pelo Vaticano, notícia da TV, que é o maior divertimento do grupo, pelo
inusitado e o medo do Apocalipse.
Esse clima surreal ajuda
a sobreviver. Para não pensar em maiores infortúnios, aqueles seres humanos, que
sabem que está chegando a hora, se distraem com pequenas discussões, gestos de
solidariedade, jogos no parque, picuinhas e a volta de Jesus.
E, quando a cuidadora sai
de férias e é substituida por seu filho, chamado de “A Bruxa” porque maltrata os
velhinhos, cria-se o motivo para o levante, “La Sublevación”, que é o titulo
original do filme. Nada como um bom motim para esquentar os ânimos e animar a
todos, unidos em uma causa comum.
Além da mensagem que a
velhice pode ser um momento de amizades solidárias, criatividade e até romances,
“Juan e a Bailarina”, filme argentino brasileiro, falado em espanhol e rodado na
Argentina, tem toques de bom humor que tiram a solenidade e a melancolia
próprias de um asilo.
O diretor, que dedicou
seu filme ao avô, tem um olhar carinhoso e dota seus personagens com um ânimo
saudável. “O poeta emprestado ao cinema”, como ele mesmo se define, realizou uma
comédia inteligente e delicada que se destaca nessa leva de filmes sobre a
velhice a que temos assistido nos últimos tempos.
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