Direção: Kim
Ki-duk
Estamos numa região
decadente de uma grande cidade. Parece ser Seul, Coreia do Sul. Tudo muito pobre
e precário. Oficinas sujas e ruas estreitas atulhadas de detritos. Vielas
escuras com moradias improvisadas.
Ali é preciso lutar pela
sobrevivência. Quando fica impossível, alguns caem na armadilha de pedir
dinheiro emprestado à “Happy – Empréstimos Amigos”. Pura fachada da
agiotagem.
A câmara já nos mostrara
um rapaz e o que virá a ser uma decisão definitiva que ele vai tomar em sua
vida. Mas ainda não o conhecemos. Por isso só no fim do filme vamos nos lembrar
dela.
Ele é sózinho. Mora num
apartamento onde tropeça em vísceras sanguinolentas de animais que ele mata para
comer e que jazem pelo chão. Na sala, uma faca espeta um desenho de mulher com
belos seios e o rosto escondido pelo cabelo.
Há um clima de terror
nesse filme mas o demônio aqui tem um rosto humano.
Kang-do é bonito,
violento e eficiente. Cruel, executa seu trabalho sem pestanejar. O agiota, seu
patrão, quer receber o dinheiro que emprestou e pelo qual cobra juros
altíssimos. Como naquela pobreza em que vivem as pessoas não conseguem pagar o
que devem, o rapaz aleija os insolventes, já que a perda de uma mão ou uma perna
imprestável são pagos com dinheiro pelo seguro, que o agiota
embolsa.
Simples
assim.
Só em uma daquelas
visitas sanguinolentas vemos que Kang-do hesita. Trata-se de um jovem que vai
ser pai e pede para tocar seu violão pela última vez. Queria que o carrasco lhe
tirasse as duas mãos. Uma para pagar o que já devia e outra para conseguir
dinheiro para sustentar o filho que ia nascer.
“- Tenho inveja do seu
filho”, diz o rapaz violento para o que ia ser pai. “Como você pensa
nele!”
“- Mas todos os pais não
sentem a mesma coisa por seus filhos?” pergunta o rapazinho.
Dessa vez, Kang-do deixa
o papel do seguro sobre a mesa da oficina e o próprio futuro pai faz o serviço
em si mesmo.
Qual deve ser o tamanho
do amor de um pai que faz tal sacrifício por seu filho? Esta é a primeira pista
para o segredo de “Pietà” que será desvendado só no final.
Mas aquela parte da
cidade está condenada. E assim como as regiões empobrecidas cedem lugar à
arranha-céus, os sentimentos nobres vão desaparecendo quando as pessoas não tem
mais raízes, nem ninguém para cuidar e ser cuidado.
O cineasta Kim Ki-duk
disse em entrevista que seu filme quer mostrar que os extremos do capitalismo e
a crise financeira acabam com as famílias.
Um dia aparece uma mulher
na vida de Kang-do que diz ser a mãe que o abandonou quando era ainda um bebê. E
a crueldade do jovem carrasco parece encontrar uma barreira quando, finalmente,
depois de muito desconfiar, aceita esse amor recuperado. Deixa o emprego e
entrega-se ao doce prazer de voltar a ser criança.
Mas algo vai provocar uma
reviravolta, com tintas de tragédia edipiana. Um filho será vingado por uma mãe
com ares de Medéia grega. A lei do olho por olho, justiça primitiva, tira tudo
de quem não tinha mais nada a perder.
A atriz Jo Min-Soo, que
incarna a mãe, assombra com seu poder de estimular no espectador simpatia e
horror, mesclados à piedade.
O roteiro instigante,
escrito pelo próprio Kim Ki-duk, atores magníficos, música pouca e perfeita,
fotografia em tons de cinza e marrons e uma direção segura, valeram a “Pietà” o
Leão de Ouro em Veneza 2012.
Emocionante, duro,
humano, o filme de Kim Ki-duk é uma fábula moral com uma lição a ser aprendida.
Se optarmos por nosso lado escuro, o perigo é tornar-se prisioneiro do nosso
próprio mal.
Magnífico, esse filme é
indicado para quem não tem medo de ver a natureza humana de
perto.
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