Direção: Michel
Franco
A estranheza toma conta
do espectador que assiste às primeiras cenas do filme. Afinal, por que esse
homem corpulento e silencioso vai buscar um carro que mandou consertar e logo o
abandona no meio da rua, com a chave dentro, como se fugisse de
algo?
“Depois de Lucia” é
assim. Seco. Sem concessões. Sem trilha sonora. Um filme diferente, premiado em
Cannes na mostra “Un Certain Régard”, segundo longa de Michel Franco, jovem
diretor mexicano que já se destaca no mundo do cinema.
A câmara quase sempre
fixa de Michel Franco, também roteirista, documenta as cenas. É como se
entrássemos na vida de um pai e sua filha sem convite, abruptamente. E
seguíssemos com eles, com muitas perguntas na nossa cabeça.
Aos poucos, vamos
entendendo que aconteceu alguma coisa terrível. O comportamento do pai (Hernán
Mendoza) é claramente o de um homem deprimido. A filha (Tessa Ia) traz um semblante tranquilo mas adivinha-se que ela também está
sob o impacto de algo trágico. Os dois não conversam sobre o que ocorreu. Mas,
pelos telefonemas do pai, começamos a entender o que se
passou.
Lucia, a mãe de
Alejandra, morreu em um acidente de carro. Aquele que foi
abandonado.
É disso que fogem pai e
filha? Como foi que aconteceu o acidente? Não sabemos. O fato é que eles até
mudam de cidade. E não comentam com ninguém sobre a morte de
Lucia.
Para Alejandra, a nova
escola parece que vai bem. No grupo de adolescentes na sala de aula ela é a
nova, a estranha no ninho e a enchem de perguntas. As respostas são lacônicas
mas ela quer ser aceita. Precisa de companhia. Porém passa muito tempo na
piscina, nadando e pensando.
O exame de sangue,
obrigatório naquela escola, denuncia que ela usa maconha. O pai estranha mas
aceita, de um jeito desligado, a promessa de Ale que isso não vai mais
acontecer.
Parece que ela não quer
sobrecarregar a situação do pai que está francamente desnorteado. Assim,
irrita-se no novo trabalho como “chef” de um restaurante. Briga no trânsito por
nada. Pede demissão do emprego sem uma razão que justifique essa atitude. Tem
crises de choro frequentes.
Mas, pai e filha, apesar
de não falarem sobre o assunto, sabem como o outro está se sentindo. Um luto
pesado envolve aqueles dois. E as consequências vão aparecer
logo.
Numa festinha, Ale transa
no banheiro com um garoto que filma a cena toda no celular. No dia seguinte,
todos na escola já sabem de tudo. E começa o martírio de
Alejandra.
Hipócritamente, o
comportamento da menina é tratado pelos outros jovens como o de alguém que
merecesse censura e castigo. E o “bullying” é violento.
Mas por que ela não
reage? Por que aceita tudo como se quisesse ser punida?
A passividade estoica de
Ale incita os colegas a aumentar a violência dos ataques.Mas ninguém repara que
pai e filha estão prestes a explodir.
A depressão está
relacionada à raiva que se vira contra a própria pessoa. Freud falou em
melancolia quando o luto leva a uma diminuição extrema da auto-estima. Parece
que são esses os temas que levam pai e filha a agir de forma extremada. O filme
tem um desfecho arrasador.
Além de contextualizar um
problema contemporâneo, o “bullying”, “Depois de Lucia” sugere que ele é sintoma
da violência maior que nos cerca.
O filme denuncia uma
ausência de soluções por parte dos adultos, pais e professores. Talvez porque o
mundo de hoje aceite passivamente a violência geral sem ver uma
saída?
“Depois de Lucia” ajuda
nessa reflexão.
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