Direção:Leos
Carax
À falta de quem nos conte
histórias, como nossas mães e avós fizeram na infância, vamos ao cinema,
alimentar nossas mentes que precisam de relatos fantásticos e mesmo quotidianos,
para funcionar e viver. O cinema é como um sonho que alimenta outros
sonhos.
A primeira impressão de
“Holy Motors”, na volta de Leos Carax à telona, é que ele confirma o que eu
digo: o cinema é essencial para nós humanos. Podemos até ampliar a homenagem que
ele faz ao cinema e incluir todas as artes cênicas, o “faz de conta” de que
precisamos tanto.
Por isso, em “Holy
Motors”, o ator Denis Lavant, o preferido do diretor, transforma o interior da
limusine branca na qual se desloca por Paris, em camarim. Lá, como Oscar, ele se
prepara e se caracteriza para os personagens que vai viver, seguindo roteiros
que são fornecidos a ele pela motorista Céline.
Tudo começa com um homem
que acorda e, com uma chave, abre uma porta numa floresta de árvores pintadas na
parede de seu quarto. Ele entra numa sala de projeção e aí começam suas
aventuras, sua loucura, seus sonhos, suas realizações de desejos infantis. Mas
pouco importa o nome do que ele passa a viver. Estamos todos seguros naquele
lusco-fusco da sala de cinema. Olhamos e participamos.
Assim, Oscar
transforma-se primeiro no milionário da limusine e logo depois na velha mendiga
que diz:
“- Ninguém gosta de
mim... Mas continuo vivendo. Tenho medo de não morrer
nunca...”
Depois vem o estranho
mergulhador fosforecente que dança uma cópula sensual com uma mulher de vermelho
(Eva Mendes) e longo rabo de cavalo. Parecem dois moluscos no fundo do
mar.
Ao ler o terceiro dossiê,
Oscar coloca barba postiça, um olho cego, unhas longas. Mas há uma pausa para
ele comer com palitos chineses.
Sai da limo vestido de
verde e entra num bueiro que vai dar no cemitério, onde os corvos grasnam e ele
come as flores que recolhe nos túmulos, que convidam em suas lápides a visitar o
site. Humor negro.
E assim vai o filme.
Nonsense, surrealismo, caos, decadência, graça, morte, bizarrice, fantasia.
Cenários construídos por uma mente que não se policia. E Paris iluminada nunca
foi tão bela.
Às tantas, ele diz para a
chofer da limusine, após cantarolar “My Way”:
“- Logo será meia
noite.”
“- Nós precisamos rir
antes”, responde ela.
E a piada mais conhecida
do cinema é encenada:
“- Siga aquele
táxi!”
Mas a vida é sempre curta
para um desejar que nunca acaba.
Como entender “Holy
Motors”?
O próprio Carax disse em
uma entrevista no Rio que cada um precisa decodificar o filme com base em seu
próprio repertório, com a sua imaginação.
Em tempos de espectadores
preguiçosos que querem tudo mastigado, pronto para ser esquecido, o filme de
Leos Carax pode causar indigestão.
Mas não para aqueles que
gostam de sonhar de olhos abertos. Para esses, “Holy Motors” é um alimento raro
e bem-vindo.
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