Direção:Dheeraj Akolkar
Quando o filme começa,
vemos um jovem Ingmar Bergman (1918-2007) dirigindo uma cena de um de seus
filmes:
“- Silêncio, por favor,
rodando.”
Aparece na
tela:
“Esta é a história de
cinco décadas, sobre dois amigos. Uma atriz lendária e um mestre da
cinematografia.”
E o nosso envolvimento
começa a crescer, a ponto de querer que algumas imagens congelem na tela para
poder desfrutar da beleza e da intensidade que passam.
Porque “Liv e Ingmar” não
é um simples documentário. É a história afetiva de uma relação que cria arte
quando imita a vida.
No litoral da Suécia, a
casa na ilha de Faro, moradia do casal durante os cinco anos de seu casamento,
se oferece à câmara que vem do exterior e entra por uma janela. Lá dentro,
quietude, simplicidade e conforto nas madeiras e couros do mobiliário. A memória
se espalha pelas fotos do casal nas paredes.
Acontece o primeiro close
do rosto de Liv Ullmann, 74 anos, envelhecido e belo, onde brilham olhos de um
azul raro. Ela conta:
“- Eu tenho tantas
lembranças da ilha... Lá eu atuei, dirigi filmes, meus melhores amigos estão
enterrados lá. Por um tempo, foi a minha casa. E lá encontrei Ingmar. Ele mudou
a minha vida.”
Com amor e humor, Liv
Ullmann revê sua vida diante da câmara de Dheeraj Akolkar, diretor indiano
radicado em Londres, durante dois dias. Ele acrescentou à essa entrevista
excepcional, trechos dos filmes de Bergman que fazem uma ponte com o que Liv
conta e partes do livro dela, “Changings”.
Ficamos íntimos do casal,
graças à generosidade com que Liv fala de sentimentos, descobertas e mudanças
internas que experimentou na casa da ilha de Faro.
Ela, com 26 anos,
apaixonou-se por ele, com 46 anos, durante a filmagem de “Persona” de1966. E, no
desenrolar cronológico do documentário, Liv visita tópicos do seu relacionamento
com Bergman. Amor é o primeiro:
“- Era como se eu
estivesse vivendo entre paredes macias. Nenhum verão jamais foi igual a
aquele...”
As cartas de Ingmar para
ela são lidas por uma voz emocionada (Samuel Froler):
“-Por favor, fique
comigo. Me abrace e me prenda em sua feminilidade e carinho.”
E Liv
diz:
“- Eu precisava de
carinho e ele de uma mãe que o amasse sem complicação. Sua fome de convivência
era enorme.”
E ela conta do sonho que ele
teve com ela, onde estavam “conectados dolorosamente”. E nesse lugar da ilha,
onde ele contou o sonho para ela, foi construída a casa.
E outros sentimentos
aparecem descrevendo essa história de amor: solidão, raiva, ciúmes,
dor.
Tiveram uma filha mas se
separaram:
“- O que eu levei embora
comigo não foi a beleza da ilha. Parti com a solidão na minha mala e com o
sentimento de que algo em mim mudara para sempre”.
Mas a palavra “longing”,
traduzida por saudade, aparece na tela negra. E amizade é o tópico
seguinte:
“- Durante um tempo
estivemos conectados dolorosamente. Mas só quando terminou é que nos tornamos
amigos de verdade”.
E quando a câmara mostra
as cartas dele, com corações vermelhos, testemunhamos o lado macio da
personalidade dele.
O “diário” dos dois,
corações pintados na porta branca e que ele refazia até a sua morte em 2007, é o
pano de fundo para Liv contar o que Ingmar lhe disse a respeito do sucesso dos
filmes dele:
“- Tem a ver com você
também. Você é o meu Stradivarius.”
E com os olhos brilhando
confessa que foi o maior elogio que ouviu em sua vida.
E os olhos de Liv brilham
porque uma história como a deles é para sempre.
Na plateia, estamos mudos
e comovidos. Porque quanto mais íntimo, mais universal é o
sentimento.
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