“Julieta”- Idem, Espanha, 2016
Direção: Pedro Almodóvar
A visão de um tecido vermelho que enche a tela, com suas
dobras que pulsam, lembra o íntimo de um corpo feminino. Imagem
intrigante.
Aos poucos, a câmara se afasta e nós, que sempre estamos
à procura de entender o que vemos, descobrimos que é um vestido cobrindo um
corpo de mulher. Debaixo do vermelho, que segredos se escondem naquele
coração?
De pergunta em pergunta, Almodóvar vai construindo seu
vigésimo filme em torno a Julieta (a belíssima Adriana Ugarte na juventude e
Emma Suárez, quando mais velha, ambas talentosas).
Aos 50 anos, elegante, cabelo louro curto, ela se
prepara para partir de Madrid com Lorenzo (o argentino Dario Grandinetti de
“Fale com Ela”).
“- Não consigo decidir que livros levar...” diz
ela.
Ele responde docemente que Portugal não é um deserto e
lá existem livrarias.
“- Me recuso a comprar livros que já li.” Alusão
inconsciente a um passado do qual não quer se lembrar?
Ele a beija quando ela sai para um passeio e
diz:
“- Obrigado por não me deixar envelhecer
sozinho.”
Na rua, um encontro por acaso. Esbarra numa mulher
jovem.
“- Julieta! Encontrei com sua filha. Mas você está
igual! Ela já tem três filhos!”
A moça está apressada e um pouco
estranha.
“- Você tem filhos ?”
“- Não. Nem me casei.”
“- E o que mais te falou
Antía?”
“- Nada... Estava de cara lavada, mais magra, muito
bonita.”
“- Onde você mora?”
Julieta se agarra a essas poucas palavras, quer saber
mais mas a moça se vai com amigos que a esperam.
E o acaso muda tudo na vida de Julieta. Começamos a ver
um pouco mais por debaixo dos panos. Ela tem uma filha que não vê há muito
tempo. É avó e não sabia.
“- Mas você está agindo como uma louca”, exclama Lorenzo
quando Julieta diz que não vai mais para Portugal com
ele.
“- Preciso ficar em Madrid,
sozinha.”
“- Sempre soube que havia um segredo em sua vida mas
respeitei isso...”
“- Gostaria que continuasse respeitando”, responde uma
Julieta estranhamente fechada.
Quando ele se vai, ela procura algo no cesto de lixo.
Recupera pedaços de uma foto rasgada. É a filha, claro.
Senta-se, abre um caderno e começa a escrever para
Antía. Mas mais parece que é para si mesma que escreve, querendo compreender o
que foi que aconteceu.
O passado sepultado ressurge vivo, em cores fortes e
tudo recomeça. Num grande “flashback”, Julieta volta para aquela noite no trem
quando um homem se matou e outro fez uma filha.
Baseado nos contos curtos “Chance”, “Soon” e “Silence”
do livro “A Fugitiva” da canadense Alice Munro, prêmio Nobel de Literatura em
2013, Almodóvar faz seu filme mais comovente, no qual o humor quase não tem
lugar. Só aparece de passagem e negro, com Rossy de Palma, atriz fetiche do
diretor.
Para alguns um filme menor, para outros uma nova
elaboração, “Julieta” é sobre segredos íntimos. Sem perder seu toque, aqui
melodramático, Pedro Almodóvar disse da escritora que o inspirou para fazer
“Julieta”:
“- Quando termino de ler Alice Munro, parece que sei
menos que antes.”
Traduzindo para “Julieta”, não será que os segredos
dela, envolvendo perdas, traições, culpa e enganos, não devem, nem podem ser
inteiramente desvendados?
Os segredos que envolvem a vida e a morte não são para
ser desvendados mas sim para ser vividos. Não é o que parece mostrar o sempre
genial Pedro Almodóvar?
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