“O Botão de Pérola”- “El Botón de Nácar”,
Chile, França, Espanha, 2015
Direção: Patricio Guzmán
Quando termina seu belo documentário de 2010
“Nostalgia da Luz”, rodado no deserto do Atacama, o diretor chileno Patricio
Guzmán se pergunta onde mais poderiam estar os corpos de vítimas da ditadura
Pinochet, os desaparecidos que as famílias procuram em vão no
deserto.
Encontrados vestígios de covas coletivas de
onde teriam sido removidos os corpos assassinados pela ditadura que durou 16
anos, onde estariam?
Parece que um botão de madrepérola encontrado
no oceano é um elo que fala de dois crimes contra a humanidade ocorridos no
Chile. Um no século XX, outro no século XIX.
Mas para contar essa história, Patricio Guzmán
começa sua narrativa falando das estrelas, vasculhadas pelos telescópios do
deserto do Atacama, o lugar mais seco do planeta.
Isso o leva a pensar no cometa que teria
trazido a água para a Terra, que toma grande parte do espaço onde vivemos.
Essencial para a vida, a água é mostrada em imagens que vão do micro ao macro.
Gotas de água de chuva, geleiras, mar e rios.
E aproveita então para falar dos povos
aborígenes e nômades que viviam no sul do Chile há já 10.000 anos atrás. Foram
os espanhóis que deram o nome de Patagônia a esse lugar onde encontraram
indivíduos de pés grandes, os “patagônicos”.
Antes do homem branco lá chegar, esses povos
que tinham cinco tribos, viviam da água. Em canoas pequenas moviam-se entre os
fiordes, de ilha em ilha e singravam os mares, muitas vezes bravio daquelas
paragens.
“Conheciam o idioma das águas”, diz Guzmán.
Foram os primeiros navegadores do Chile e tinham uma intimidade com a água,
depois perdida pelos chilenos.
Pintavam seus corpos de forma criativa,
ilustrando em si mesmos, sua crença de que seus mortos viravam
estrelas.
Quando o capitão inglês Fitzroy, no começo do
século XIX chegou à Patagônia com a incumbência de mapear a região, levou para a
Inglaterra Jemmy Botton, um homem que pertencia ao povo das águas, seduzindo-o
com um botão de madrepérola para que o seguisse.
Guzmán diz que ele “navegou da Idade da Pedra
para a Revolução industrial” e, depois, fez o percurso inverso.
Quando voltou para os seus, havia perdido sua
identidade e não era mais o mesmo que partira.
Em 1883, os mapas de Fitzroy abriram as portas
da Patagônia para os fazendeiros de gado e missionários católicos. “Foi a
eclipse do mundo dos indígenas”,narra tristemente Guzmán. Hoje restam apenas vinte
descendentes que ainda falam a língua fadada ao desaparecimento.
Guzmán diz então que foi Salvador Allende que
libertou vozes que nunca tinham sido escutadas. Foi ele, como presidente do
Chile, que começou a devolução das terras dos povos indígenas.
Mas durou pouco essa liberdade, destruída por
um golpe militar que torturou e matou milhares de pessoas.
Quando a corrente Humboldt devolveu à praia um
corpo de mulher, começaram a suspeitar que o oceano era um cemitério. E Guzmán
narra então a triste história dos mortos sem sepultura, outros
desaparecidos.
“Não há limite para a crueldade”, resume o
poeta Raul Zurita.
“O Botão de Pérola” ganhou o Urso de Prata de
melhor roteiro no Festival de Berlim de 2015.
Imagens de sonho e lirismo nas frases ditas em
“off” pelo próprio diretor, tornam esse documentário algo precioso para aqueles
que prezam a verdade e a beleza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário