Direção: Anne Fontaine
As maiores vítimas de uma guerra são sempre as
mulheres e as crianças. Em qualquer guerra, em qualquer lugar, os inocentes são
os que mais sofrem.
Esse filme de Anne Fontaine, diretora francesa
que escolhe retratar figuras femininas em seus trabalhos (“Coco antes de Chanel”
2009, “Gema Bovery”2014) inspirou-se aqui numa história real, a vida de
Madeleine Pauliac (1912-1946), que lutou na resistência na Segunda Guerra e foi
médica-chefe do Hospital Francês em Varsóvia. “Agnus Dei” é dedicado a
ela.
Estamos na Polônia, em dezembro de 1945 e a
Segunda Guerra acabou. Mas os exércitos vencedores e desertores perambulavam
pela Europa, saqueando e matando. Instintos agressivos foram liberados e os
homens perdem o controle de seus atos, principalmente quando estão em grupos e a
culpa repartida torna-se inexistente.
Mas uma cena quase celestial abre o filme.
Estamos num convento e as freiras católicas com seus hábitos negros e véus
brancos das noviças, entoam cantos gregorianos, na capela.
Olhos azuis assustados em “close”. Ouve-se um
grito. Apressadamente, a freira retira as tábuas que cobrem uma abertura numa
das paredes meio desmoronadas e sai.
Ela se apressa ao atravessar o bosque em meio à
neve, passa por órfãos de guerra na rua esmolando e vai ao ambulatório da Cruz
Vermelha. Lá pede ajuda em polonês, única língua que fala.
“- Aqui só franceses. Poloneses não”, diz um
médico.
Mas ela não desiste.
“- Ela vai morrer. Me ajude!” pede a uma jovem
enfermeira que se prepara para uma operação.
O local pequeno está repleto de macas com
feridos.
A enfermeira fuma um cigarro na janela,
terminada a operação, quando vê, surpresa, a freira ajoelhada na neve,
rezando.
Na próxima cena, a enfermeira acompanhada da
freira, dirige a ambulância da Cruz Vermelha.
Mathilde (Lou de Laage, perfeita), a enfermeira
francesa que não conseguiu terminar seus estudos de medicina, não sabe o que vai
encontrar.
Apesar da severidade com que olham para aquela
que foi pedir ajuda, as outras freiras não impedem que Mathilde se aproxime de
uma cama onde grita e geme uma mulher jovem, em evidente trabalho de parto.
Apesar de suas tentativas de cobrir-se, a enfermeira sabe que uma cesariana terá
que ser realizada.
À luz de um lampião e com a ajuda da única
freira que fala francês, Maria (Agata Buzek), Mathilde consegue trazer o bebê ao
mundo.
Exausta, ela volta ao ambulatório mas retorna
ao convento, depois de dormir algumas horas para ver o estado da paciente e do
bebê. Tudo isso porque ela ameaçou contar às autoridades, se não lhe fosse
permitido acompanhar sua paciente.
Mas não consegue ver nenhum dos
dois.
“- A família a rejeitou. O bebê está sendo
cuidado por uma tia. Não está mais aqui...”
Mas quando uma outra freira desmaia diante
dela, a superiora (Agata Kuleska, ótima) chama Mathilde para uma conversa a sós.
E muito constrangida, conta que o convento fora invadido pelos russos que tinham
violentado todas as freiras. Daí o bebê da noite passada.
“- Quantas estão nesse estado?”
“- Seis”, responde a superiora.
“- Vou indicar uma parteira para vir ao
convento.”
Mas, frente à negativa fechada da superiora,
Mathilde vai ter que se render e enfrentar o que foi posto no seu caminho. Será
ela e ninguém mais. O segredo tem que ser protegido pela honra do convento. A
superiora teme que seja fechado se soubessem do acontecido e promete adoção para
todos os bebês.
Essa situação terrível vai envolver várias
questões sérias. Problemas éticos vão demandar respostas nem sempre evidentes. A
fé cega de todas as freiras vai ser abalada em maior ou menor grau. A gravidez
vai mexer com elas de forma também
diferente para cada uma.
E Mathilde conquista a confiança de todas,
quando consegue evitar que soldados poloneses entrassem no convento, graças à
sua presença de espírito.
Ela mesma, quase é vítima de um estupro
coletivo por soldados russos. Esse acontecimento aproxima Mathilde ainda mais
daquelas pobres mulheres desamparadas e as ajuda como pode.
Imagens de Caroline Champetier fazem um filme
dramático ter momentos de pura beleza, em tons quase monocromáticos
Anne Fontaine, que co-escreve um roteiro de
ritmo perfeito, assina um filme comovente que não julga suas personagens. Ao
contrário, coloca-nos no lugar das vítimas frente a situações impossíveis,
cercadas de medo, trauma e vergonha. Um filme excelente.
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