sábado, 2 de julho de 2016

Agnus Dei


“Agnus Dei”- “Les Innocents”, França, Polônia, 2015
Direção: Anne Fontaine

As maiores vítimas de uma guerra são sempre as mulheres e as crianças. Em qualquer guerra, em qualquer lugar, os inocentes são os que mais sofrem.
Esse filme de Anne Fontaine, diretora francesa que escolhe retratar figuras femininas em seus trabalhos (“Coco antes de Chanel” 2009, “Gema Bovery”2014) inspirou-se aqui numa história real, a vida de Madeleine Pauliac (1912-1946), que lutou na resistência na Segunda Guerra e foi médica-chefe do Hospital Francês em Varsóvia. “Agnus Dei” é dedicado a ela.
Estamos na Polônia, em dezembro de 1945 e a Segunda Guerra acabou. Mas os exércitos vencedores e desertores perambulavam pela Europa, saqueando e matando. Instintos agressivos foram liberados e os homens perdem o controle de seus atos, principalmente quando estão em grupos e a culpa repartida torna-se inexistente.
Mas uma cena quase celestial abre o filme. Estamos num convento e as freiras católicas com seus hábitos negros e véus brancos das noviças, entoam cantos gregorianos, na capela.
Olhos azuis assustados em “close”. Ouve-se um grito. Apressadamente, a freira retira as tábuas que cobrem uma abertura numa das paredes meio desmoronadas e sai.
Ela se apressa ao atravessar o bosque em meio à neve, passa por órfãos de guerra na rua esmolando e vai ao ambulatório da Cruz Vermelha. Lá pede ajuda em polonês, única língua que fala.
“- Aqui só franceses. Poloneses não”, diz um médico.
Mas ela não desiste.
“- Ela vai morrer. Me ajude!” pede a uma jovem enfermeira que se prepara para uma operação.
O local pequeno está repleto de macas com feridos.
A enfermeira fuma um cigarro na janela, terminada a operação, quando vê, surpresa, a freira ajoelhada na neve, rezando.
Na próxima cena, a enfermeira acompanhada da freira, dirige a ambulância da Cruz Vermelha.
Mathilde (Lou de Laage, perfeita), a enfermeira francesa que não conseguiu terminar seus estudos de medicina, não sabe o que vai encontrar.
Apesar da severidade com que olham para aquela que foi pedir ajuda, as outras freiras não impedem que Mathilde se aproxime de uma cama onde grita e geme uma mulher jovem, em evidente trabalho de parto. Apesar de suas tentativas de cobrir-se, a enfermeira sabe que uma cesariana terá que ser realizada.
À luz de um lampião e com a ajuda da única freira que fala francês, Maria (Agata Buzek), Mathilde consegue trazer o bebê ao mundo.
Exausta, ela volta ao ambulatório mas retorna ao convento, depois de dormir algumas horas para ver o estado da paciente e do bebê. Tudo isso porque ela ameaçou contar às autoridades, se não lhe fosse permitido acompanhar sua paciente.
Mas não consegue ver nenhum dos dois.
“- A família a rejeitou. O bebê está sendo cuidado por uma tia. Não está mais aqui...”
Mas quando uma outra freira desmaia diante dela, a superiora (Agata Kuleska, ótima) chama Mathilde para uma conversa a sós. E muito constrangida, conta que o convento fora invadido pelos russos que tinham violentado todas as freiras. Daí o bebê da noite passada.
“- Quantas estão nesse estado?”
“- Seis”, responde a superiora.
“- Vou indicar uma parteira para vir ao convento.”
Mas, frente à negativa fechada da superiora, Mathilde vai ter que se render e enfrentar o que foi posto no seu caminho. Será ela e ninguém mais. O segredo tem que ser protegido pela honra do convento. A superiora teme que seja fechado se soubessem do acontecido e promete adoção para todos os bebês.
Essa situação terrível vai envolver várias questões sérias. Problemas éticos vão demandar respostas nem sempre evidentes. A fé cega de todas as freiras vai ser abalada em maior ou menor grau. A gravidez vai mexer com elas de forma  também diferente para cada uma.
E Mathilde conquista a confiança de todas, quando consegue evitar que soldados poloneses entrassem no convento, graças à sua presença de espírito.
Ela mesma, quase é vítima de um estupro coletivo por soldados russos. Esse acontecimento aproxima Mathilde ainda mais daquelas pobres mulheres desamparadas e as ajuda como pode.
Imagens de Caroline Champetier fazem um filme dramático ter momentos de pura beleza, em tons quase monocromáticos
Anne Fontaine, que co-escreve um roteiro de ritmo perfeito, assina um filme comovente que não julga suas personagens. Ao contrário, coloca-nos no lugar das vítimas frente a situações impossíveis, cercadas de medo, trauma e vergonha. Um filme excelente.


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