domingo, 5 de abril de 2015

Vício Inerente


“Vício Inerente”- “Inherent Vice”, Estados Unidos, 2015
Direção: Paul Thomas Anderson

Sei que muita gente vai sair do cinema e dizer que não gostou, que não entendeu nada. Bem, eu precisei ver duas vezes para entender o que tem que ser entendido.
Basta ter paciência e pesquisar um pouco.
Paul Thomas Anderson, ou PTA para os cinéfilos, tem 44 anos e é considerado um dos diretores mais criativos da cena atual.  Bastaria citar “Magnólia”1999, “Sangue Negro”2007 e “O Mestre”2012, para quem gosta de cinema saber de quem se trata.
Só que “Vício Inerente” tem algo diferente. PTA adaptou para o cinema um livro de um autor “cult” americano, que ninguém achava possível colocar em imagens.
Thomas Pynchon, 77 anos, premiadíssimo, não dá entrevistas, não tem foto atual e faz mistério sobre onde ele mora. Mas sabe-se que ele viveu nos anos 60 e início dos 70, do século passado, numa praia da California, onde adotou um estilo de vida “hippie”. Seu livro “Vício Inerente” tem, portanto, a qualidade do vivido. E, como todos os livros do autor, é escrito com uma estrutura complexa, com ligações e referências a muitos assuntos diferentes e personagens que parecem saídos de uma viagem lisérgica.
PTA, admirador de Pynchon, resolveu filmar o livro, reservando-se o direito de colocar no roteiro aquilo que achou mais relevante.
A ação se passa na California, Gordita Beach, início dos anos 70, quando o modo “hippie” de ser estava saindo da moda, a guerra do Vietnam matava garotos e o grupo de Charlie Mason assustava o sonho americano.
O personagem principal é um detetive particular, Doc Sportello (Joaquim Phoenix, doce e extraordinário), que fuma baseados o tempo todo, “para clarear a mente”, explica.
Visitado por sua ex-namorada e sempre amada Shasta Fay (Katherine Waterston, bela e sexy), fica sabendo que ela namora um grande empresário do ramo imobiliário, Mickey Wolfmann (Eric Roberts). Ela pede ajuda a Doc porque acha que a mulher de Wolfmann montou um esquema com seu amante, para internar o marido e roubar todo o dinheiro dele.
A história principal é logo embaralhada com várias outras, às vezes perdidas no meio do caminho, com personagens surreais. Assim, desfilam na tela o policial “Big Foot” (Josh Brolin) que adora bananas cobertas de chocolate, fazendo o durão mas que é frágil e inseguro como uma criança na casa dele, os participantes da Fraternidade Ariana que tem negócios com os Panteras Negras, a prostituta oriental Jade que comanda uma casa de massagens e pede que Doc tome cuidado com o Canino de Ouro, algo que não se sabe o que é, o advogado de Doc (Benicio Del Toro) que parece ser o único a entender o que acontece, um casal que se droga muito (Jena Malone e Owen Wilson), a namorada de Doc que trabalha na promotoria (Reese Whiterspoon), o priápico dr Rudy que chefia um sindicato de dentistas que atende viciados em heroína, com dentes corroídos. Só para citar alguns dos personagens.
A sensação de confusão invade nossa mente e ficamos meio em transe, procurando entender aquilo que sempre nos escapa. Perdemos ou esquecemos de algo importante? Essa é uma possível identificação do espectador com um drogado como Doc, cuja mente não foca  em nada por muito tempo. Se nos deixarmos ir, acontece uma imersão num universo alucinante, paranoico e delirante. É tudo verdade ou eu sonhei?
A única coisa que permanece é o amor por Shasta que nunca abandona Doc. O “vício inerente”, que é um termo que se usa em seguros marítimos para indicar o que não se pode evitar. A voz suave e envolvente da narradora, a cantora e harpista Joanna Newson, chama a atenção para essa ligação forte e cármica.
Coragem. Enfrente esse filme difícil e empolgante e troque um olhar verde e cúmplice com Joaquim Phoenix na cena final.

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