“Amar, Beber e Cantar”- “Aimer, Boire et Chanter”
França, 2014
Direção: Alain Resnais
Os bons artistas sobrevivem através de suas obras.
Sempre que sentirmos saudades das reflexões que Alain Resnais fez sobre a
natureza humana, lá estarão seus filmes, à nossa disposição, para
revê-los.
O grande diretor de cinema francês que morreu aos 91
anos (1922-2014), será para sempre lembrado por suas obras primas, “Hiroshima
meu Amor – Hiroshima mon Amour”1959 e “O Ano Passado em Marienbad – L’Année
Dernière à Marienbad”1961, que muita gente não entendeu na
época.
O tema da memória e do tempo, tratado com originalidade,
vai aparecer ao longo de sua filmografia, nesses já citados e em outros como
“Providence”1977, “Meu Tio da América - Mon Oncle d’Amérique”1980 e perpassa
esse atual “Amar, Beber e Cantar”, seu último filme, premiado em Berlim 2014, um
mês antes de sua morte.
Não se iludam. Apesar de, nos últimos filmes, Alain
Resnais ter usado um tom mais humorístico, que aparece também aqui, seu humor
não provoca gargalhadas. Em “Amar, Beber e Cantar” situações tragicômicas
acontecem em York, pequena cidade inglesa mostrada no mapa. O filme foi adaptado
da peça de teatro do autor inglês Allan Ayckbourn. Resnais assina o roteiro com
um pseudônimo.
Alternam-se no filme cenas com atores em cenários, na
maioria jardins, onde o papelão pintado e as cortinas de lona substituem as
casas de tijolo com rosas nas cercas de ferro, que só vemos de
relance.
Aqui a primeira colocação típica de Resnais, que usa o
teatro para falar da vida real.
Nos desenhos e nas estradinhas serpenteando o campo
inglês, tudo vai bem. Já com os personagens, três casais e a filha de um deles,
que só aparece na cena final, quase tudo vai mal, se rompermos o verniz da
superfície.
E o amigo George Riley, que tem seis meses de vida, é o
pretexto para que a angústia subjacente à perda de um passado não vivido e a
insatisfação com o presente, emerja na vida de todos.
Nunca visto, mas em torno de quem tudo gira, George é a
personificação da morte que assusta os amigos que se renderam a uma vida
adulta.
Sim, porque parece que o que George é, um eterno “bon
vivant”, causa estragos em quem teve que amadurecer e enfrentar a vida, que nem
sempre é aquilo que pensávamos que íamos viver.
Perante a certeza da morte, as dúvidas sobre o que
vivemos e o que não pudemos ou não quisemos viver, sobem à tona. São as famosas
saudades do que não aconteceu.
Mas esse luto por algo não vivido, pelas vidas paralelas
que não vivemos, não seria algo inerente à condição
humana?
O contraponto necessário é a alegria de viver, apesar
dos pesares, que Alain Resnais propõe em “Amar, Beber e
Cantar”.
O cineasta e pensador despediu-se do cinema com uma
reflexão que deve obrigatóriamente ter brotado de sua vida. Abre os nossos olhos
para que lembremos de celebrar o que temos e que não sabemos por quanto tempo
ainda teremos. Grande lição.
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