Direção: Lars von Trier
Santa ou depravada?
Quantas vêzes na história da humanidade a sexualidade
feminina foi o critério de avaliação para julgar se uma mulher é boa ou má?
Muitas foram parar nas fogueiras da Idade Média por causa dessa culpa,
relacionada ao uso do próprio corpo para o livre prazer, condenado como luxúria
perversa. Até hoje isso acontece através de condenações
morais.
“Ninfomaníaca Vol 1 e 2” são filmes que tratam dessa
questão.
Na segunda parte de “Ninfomaníaca” que completa a
trilogia sobre a depressão de Lars von Trier, iniciada com “Anticristo” 2009 e
continuada com “Melancolia” 2011, entendemos melhor porque a personagem Joe se
entrega a uma prática de sexo repetitiva e entediante no Vol1 e perigosa no
Vol2.
A sexualidade de Joe (Stacy Martin na juventude e
Charlotte Gainsbourg na maturidade), muito livre na infância, aparece
despertando para uma modalidade mais doentia numa experiência da adolescência
que ela conta para Selligman (Stellan Skarsgard).
Na tela aparece Joe, numa excursão ao campo. Enquanto as
outras meninas brincam, ela toda vestida, corpo em tensão, deitada no capim
alto, tem um orgasmo espontâneo, acompanhado de uma vivência delirante de
levitação e visão de duas mulheres:
“- Uma delas parecia ser a Virgem Maria, com o
menino...” conta ao homem caridoso que a acolhera em seu apartamento
monástico.
Numa virada inesperada, ele, que levava a moça no Vol1 a
distanciar-se da culpa, fazendo-a olhar suas experiências sob um outro prisma,
agora comenta:
“- Você não vê que uma delas é Messalina, a ninfomaníaca
famosa de Roma e a outra é a Grande Prostituta da Babilonia? O primeiro sinal
satânico...”
Mas ela parece não perceber o tom diferente dos
comentários e continua sua narrativa, instigada por ele, que vai envolver mais
sofrimento e culpa do que a primeira parte de sua
história.
Joe, que experimentara a impossibilidade de sentir
qualquer coisa no grito que encerra o Vol1, agora assume o que ela chama de
ninfomania.
Vivida com desespero, essa busca desenfreada pelo
orgasmo, a afasta de Jerôme (Shia LaBeouf) e do filho que tiveram juntos.
Incapaz de satistazê-la, ele mesmo a induz a buscar outros
homens.
A cena do “ménage à trois” com dois homens negros, ainda
tem um certo humor. Mas é só. A violência e o sadismo explícito vão entrar em
cena com K. (Jamie Bell), carrasco do açoite.
O masoquismo de Joe, aliado a uma procura desesperada de
gozo, faz com que ela confunda o prazer com sexo complicado. A culpa a
impulsiona a castigos.
O gozo é dificultado por um estado sempre tenso, sem
relaxamento, devido à grande angústia que a consome.
Lars von Trier leva o espectador que viu “Anticristo” a
um estado de tensão semelhante ao de Joe, quando repete a cena do filho na
sacada do apartamento, vendo a neve cair.
Mas há destinos piores que a morte. E ela se afasta para
sempre do filho, pagando anônimamente sua estadia num colégio
interno.
Daí em diante Joe é obrigada a frequentar um grupo para
mulheres “viciadas em sexo”, sem resultados e entrega-se à marginalidade,
através de Willem Dafoe, um gangster que comanda grupos de
extorsão.
Há uma cena com Jean-Marc Barr, o pedófilo, que é a mais
explícita e ambigua parceria de Joe.
Lars von Trier, um mestre do cinema, com idéias às vêzes
confundidas com heresias, mostra nesse filme como vivemos num mundo machista,
que nega às mulheres, o que permite aos homens.
E, acompanhando esse ponto de vista, a cena final, no
escuro, é exemplar.
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