domingo, 30 de março de 2014

Tudo por Justiça


“Tudo por Justiça”- “Out of the Furnace”, Estados Unidos/Reino Unido, 2013
Direção: Scott Cooper

Existe uma violência no ser humano que pode explodir quando menos se espera. Geralmente há um bom motivo mas outras vêzes não.
A cena inicial de “Tudo por Justiça” é exemplar nesse sentido. Do nada, um sujeito usa de uma violência gratuita e covarde para agredir uma mulher que está com ele num drive-in e depois se volta contra quem quer defendê-la. Bate muito em um homem que cai sem vida e ameaça os outros que poderiam querer comprar essa briga.
Esse personagem assustador (Woody Harrelson) vai reaparecer no final da trama e vai levar um bom homem à violência por vingança.
Mas “Tudo por Justiça” é também um filme sobre o amor fraterno. Russell (Christian Bale, ótimo) é o irmão mais velho de Rodney (Casey Affleck, muito bom também) e, apesar dos dois serem muito diferentes, se adoram.
Vivem numa cidadezinha da Pensilvânia que tem uma metalúrgica. O pai deles trabalhou lá, assim como seu próprio pai e agora está muito doente. Russell segue o mesmo ofício e Rodney é soldado, convocado várias vêzes para a guerra do Iraque. Parece que isso deixou marcas profundas nele.
Russell leva uma vida dura mas tem o amor de Lena (Zoe Saldanha). Os dois estão felizes mas ela sonha com um bebê.Ora, o salário de Russell é pouco e ele tem que sustentar o pai e o irmão, que não trabalha e vive metido em encrencas por causa de dívidas.
Willem Dafoe faz, com brilho,o agiota que tenta demovê-lo de se meter em encrencas ainda piores, já que Rodney insiste em ser lutador em brigas ilícitas, com final arranjado.
Questionado pelo irmão mais velho, o mais moço sempre encontra no fato de ter visto os horrores de uma guerra, a desculpa para não trabalhar. Algo ruim cresceu lá dentro dele e o faz prisioneiro de um destino cruel.
Preocupado e por isso distraido, numa noite, Russell bate num carro que ele não viu, saindo de uma estrada lateral. Assustado e nervoso, sai correndo e tenta ajudar as pessoas do outro carro. Horrorizado, vê que uma criança está morta.
O diretor e co-roteirista Scott Cooper conta bem sua história. Não se perde em explicações mas usa o talento de seus atores (mesmo Forest Whitaker e Sam Shepard em pontas), para mostrar a personalidade e o destino provável de cada um.
Leonardo DiCaprio e Ridley Scott produziram o filme, apostando assim no talento do diretor Scott Cooper, que já nos deu “Coração Louco”2010.
“Tudo por Justiça”, seu segundo longa, tem um elenco de peso e uma história comovente.
Fiquem atentos porque há uma cena final inesperada e importante. Não saiam correndo do cinema.
Aliás, a música “Release” da banda Pearl Jam é cantada no início do filme com tristeza e no final com desespero. Vale ouvir toda ela durante os créditos finais. Uma beleza.

terça-feira, 25 de março de 2014

Refém da Paixão


“Refém da Paixão”- “Labor Day”, Estados Unidos, 2013
Direção: Jason Reitman

Um bom romance com toques de intensa sensualidade é o que vamos ver em “Refém da Paixão”. Se você gosta, vai deleitar-se. Se tem horror, acha açucarado, evite.
A narração da história, baseada no livro de Joyce Mainard, “O Fim do Verão”, editado pela Record por aqui, é feita por um homem (Tobey Maguire) que relembra o que aconteceu no feriado de “labor day”, título original do filme.
Ele era um menino (Gaflin Griffith) em 1987 e, na quinta feira que antecede o feriado, insiste com a mãe (Kate Winslet, indicada ao Globo de Ouro pelo papel), para ir com ele ao supermercado.
Fazia calor, era setembro e as aulas iriam recomeçar logo depois do fim de semana prolongado pelo feriado.
Mãe e filho moravam numa casa que precisava de reparos e pintura. O jardim mal cuidado, era outro sinal de que ninguém ali se ocupava com o serviço que, normalmente, um homem faz.
O pai (Clark Gregg) fazia falta naquela casa. A separação deixara mãe e filho órfãos.
Adele, mãe de Henry, estava claramente deprimida. Despenteada, pálida, sem um pingo de maquiagem, ela raramente saia de casa.
Por isso, quando ela aceita ir ao supermercado com o filho (inclusive porque notara que ele precisava de roupas novas já que tinha crescido, sem ela perceber), Henry sente-se aliviado. Afinal, ele, que tenta cuidar da mãe, vê com preocupação seu ar desnorteado e o desmazelo. Nega-se, inclusive, a ir morar com o pai e a nova família dele:
“- Preciso cuidar dela, pai. Acho que ela está pior...”
Mas, naquele dia, a ida ao supermercado não ia ser como das outras vezes.
Henry olha as revistas femininas expostas, enquanto a mãe se ocupa com as roupas novas para ele. Um título chama sua atenção: “O que os homens precisam saber”. Mas, a presença de uma mulher faz com que encolha a mão que ia pegar a revista.
Ainda envergonhado, é surpreendido pela presença de um homem sangrando:
“- Preciso de ajuda. Será que ela me daria uma carona?”, diz o homem apontando para a mãe de Henry.
“- É minha mãe, Adele.”
Os dois vão até ela:
“- Mãe, este é Frank, precisa de ajuda.”
“- Não vou perturbar. Você vai ter que me ajudar”, e Frank segura com força o pescoço do menino.
Adele, assustada e atrapalhada, leva o homem para sua casa.
“- Não vou mentir. Pulei do segundo andar do hospital onde operaram o meu apêndice. Eu fugi da prisão.”
E aquele homem alto, bonito, forte (Josh Brolin) vai mudar a vida do menino e sua mãe.
Adele vai soltar-se nos braços daquele homem que a faz vibrar com o mero toque de suas mãos.
E Henry vai aproveitar de uma presença masculina na sua vida. Conversas, jogos, cumplicidade e as tardes na cozinha, onde aprendem a cozinhar com Frank, serão para sempre lembradas.
O diretor e roteirista Jason Reitman faz um bom trabalho com Kate Winslet, atriz talentosa e sensível. Ela e Josh Brolin passam para a plateia uma química inegável.
Mas, espera-se mais de quem tem no currículo “Obrigado por fumar” 2005, “Juno” 2007, “Amor sem Escalas” 2009.
Falta algo em “Refém da Paixão”. Talvez ritmo. E os “flashbacks” sobre o passado do fugitivo são dispensáveis. Caberiam num diálogo, já que não provocam o suspense imaginado.
O filme é bom para quem não é muito exigente e é romântico.

domingo, 16 de março de 2014

Instinto Materno


“Instinto Materno”- “Pozitia Capilului”, Romenia, 2013
Direção: Calin Peter Netzer

O que se esconde por trás de uma mãe possessiva e controladora?
Cornelia Keneres, 60 anos, antipática e cheia de si (a excelente Luminita Gheorghiu), sempre vestida com casacos caros, bolsas vistosas e muito ouro nas mãos, punhos, dedos e orelhas, não tem uma boa relação com seu único filho, Barbu (Bogdan Dumitrache), de 30 e poucos anos.
O mimado filho de Cornelia vive com uma moça divorciada, que ela desaprova. Rica e manipuladora, ela comenta com sua melhor amiga:
“- Ela nem ao menos colocou um bebê no colo dele!”
Cornelia pertence a uma classe social que se acha dona de todos os direitos que compra com dinheiro, ganho não se sabe bem como. Na Romenia, país saido de uma ditadura cruel e onde as relações sociais ainda não são democráticas, quem tem dinheiro age dessa forma insolente e autoritária. Essa classe usa a linguagem da corrupção, como se tudo estivesse à venda.
Na verdade, sabemos que não é só na Romenia que existem pessoas como Cornelia. E, por isso, o filme passa a ser emblemático de uma situação universal.
Quando um trágico acidente acontece, Cornelia vê nele, o melhor momento para recuperar o filho afastado dela.
Um menino de 14 anos, pobre, morador da periferia de Bucareste, morre por causa da imprudência do filho de Cornelia, que queria ultrapassar um carro em alta velocidade, numa zona onde deveria desacelerar o carro.
Sabendo-se culpado, Barbu foge sem prestar socorro à vítima.
Cornelia, uma pessoa onipotente e arrogante, muito bem relacionada, vai usar de seu poder de suborno para comprar a liberdade do filho, intrometendo-se na investigação policial. Ela aproveita da situação para recuperar o filho perdido e culpado, aconchegando-o sob suas asas protetoras.
Em nenhum momento essa mãe egoista pensa na perda da outra mãe por culpa da negligência e irresponsabilidade de seu filho.
Porém, a vida vai aproximar essas duas famílias, em tudo diferentes mas iguais no sofrimento.
O cineasta Calin Peter Natzer, 39 anos, que também co- escreveu o roteiro, vale-se da esplêndida atuação da atriz Luminita Gheorghiu para extrair desse drama familiar tudo que a história pode oferecer, em termos de reflexão sobre o ser humano e as condições sociais que o cercam.
O novíssimo cinema romeno, super premiado, já tem em “Instinto Materno – Child’s Pose”, um excelente representante de seu vigor. O filme foi o vencedor do Urso de Ouro e do Prêmio da Crítica de Melhor Filme no Festival de Berlim 2013.

Ninfomaníaca Vol 2


“Ninfomaníaca – Vol 2” – “Nimphomaniac Vol II”, Dinamarca/Bélgica/França/Alemanha/Reino Unido, 2013
Direção: Lars von Trier

Santa ou depravada?
Quantas vêzes na história da humanidade a sexualidade feminina foi o critério de avaliação para julgar se uma mulher é boa ou má? Muitas foram parar nas fogueiras da Idade Média por causa dessa culpa, relacionada ao uso do próprio corpo para o livre prazer, condenado como luxúria perversa. Até hoje isso acontece através de condenações morais.
“Ninfomaníaca Vol 1 e 2” são filmes que tratam dessa questão.
Na segunda parte de “Ninfomaníaca” que completa a trilogia sobre a depressão de Lars von Trier, iniciada com “Anticristo” 2009 e continuada com “Melancolia” 2011, entendemos melhor porque a personagem Joe se entrega a uma prática de sexo repetitiva e entediante no Vol1 e perigosa no Vol2.
A sexualidade de Joe (Stacy Martin na juventude e Charlotte Gainsbourg na maturidade), muito livre na infância, aparece despertando para uma modalidade mais doentia numa experiência da adolescência que ela conta para Selligman (Stellan Skarsgard).
Na tela aparece Joe, numa excursão ao campo. Enquanto as outras meninas brincam, ela toda vestida, corpo em tensão, deitada no capim alto, tem um orgasmo espontâneo, acompanhado de uma vivência delirante de levitação e visão de duas mulheres:
“- Uma delas parecia ser a Virgem Maria, com o menino...” conta ao homem caridoso que a acolhera em seu apartamento monástico.
Numa virada inesperada, ele, que levava a moça no Vol1 a distanciar-se da culpa, fazendo-a olhar suas experiências sob um outro prisma, agora comenta:
“- Você não vê que uma delas é Messalina, a ninfomaníaca famosa de Roma e a outra é a Grande Prostituta da Babilonia? O primeiro sinal satânico...”
Mas ela parece não perceber o tom diferente dos comentários e continua sua narrativa, instigada por ele, que vai envolver mais sofrimento e culpa do que a primeira parte de sua história.
Joe, que experimentara a impossibilidade de sentir qualquer coisa no grito que encerra o Vol1, agora assume o que ela chama de ninfomania.
Vivida com desespero, essa busca desenfreada pelo orgasmo, a afasta de Jerôme (Shia LaBeouf) e do filho que tiveram juntos. Incapaz de satistazê-la, ele mesmo a induz a buscar outros homens.
A cena do “ménage à trois” com dois homens negros, ainda tem um certo humor. Mas é só. A violência e o sadismo explícito vão entrar em cena com K. (Jamie Bell), carrasco do açoite.
O masoquismo de Joe, aliado a uma procura desesperada de gozo, faz com que ela confunda o prazer com sexo complicado. A culpa a impulsiona a castigos.
O gozo é dificultado por um estado sempre tenso, sem relaxamento, devido à grande angústia que a consome.
Lars von Trier leva o espectador que viu “Anticristo” a um estado de tensão semelhante ao de Joe, quando repete a cena do filho na sacada do apartamento, vendo a neve cair.
Mas há destinos piores que a morte. E ela se afasta para sempre do filho, pagando anônimamente sua estadia num colégio interno.
Daí em diante Joe é obrigada a frequentar um grupo para mulheres “viciadas em sexo”, sem resultados e entrega-se à marginalidade, através de Willem Dafoe, um gangster que comanda grupos de extorsão.
Há uma cena com Jean-Marc Barr, o pedófilo, que é a mais explícita e ambigua parceria de Joe.
Lars von Trier, um mestre do cinema, com idéias às vêzes confundidas com heresias, mostra nesse filme como vivemos num mundo machista, que nega às mulheres, o que permite aos homens.
E, acompanhando esse ponto de vista, a cena final, no escuro, é exemplar.

terça-feira, 11 de março de 2014

Até o Fim


“Até o Fim”- “All is Lost”, Estados Unidos, 2013
Direção: J.C. Chandor

A imagem de um mar azul, muito próximo, encontra-se com o céu de azuis mais pálidos e ficamos sabendo que estamos a 1.700 milhas náuticas de Sumatra, seja lá o que isso quer dizer.
Uma voz em “off”, que reconhecemos como a de Robert Redford, diz:
“Sinto muito. Sei que isso significa pouco agora.
Acho que todos vocês concordam que eu tentei ser verdadeiro, ser forte, ser gentil, amável e correto. Mas não fui. E sei que vocês sabem disso. Sinto muito.
Tudo aqui está perdido, exceto pela alma e pelo corpo. Ou seja, o que resta deles.
E a ração de meio dia.
É imperdoável realmente. Sei disso agora. Como levei tanto tempo para admitir que não tenho certeza?
Mas aconteceu. Lutei até o fim. Não tenho certeza de que isso vale apena, mas saibam que eu fiz.
Vou sentir saudades. Sinto muito.”
E lemos uma data: 13 de julho, 4:50 PM.
Outro letreiro indica que vamos voltar oito dias.
Imediatamente nós nos perguntamos: mas quem é esse homem? O que faz sózinho no mar, tão longe de casa? Por que sente muito? A quem pede desculpas? De quem vai sentir saudades? O que aconteceu?
Mas, ao mesmo tempo, sentimos que tudo isso não importa, pois, de chofre, nosso homem acorda com um solavanco de seu veleiro. A água invade a cabine. Ele já se movimenta e sobe ao convés.
Um “container” perdido chocou-se contra o barco, perfurando seu casco.
Nosso homem toma providências.
Consegue livrar-se do “container” depois de muita luta e manobra o barco para que o buraco saia do nivel da água.
Empenha-se em consertá-lo, usando tela e cola.
Percebe que a parte elétrica foi danificada. Usa bomba manual para tirar a água do convés.
Dorme numa rede para ficar acima da água que bate na cintura dele.
Acorda e sai com o que salvou da água. O diário de bordo, mapas, uma caixa, o rádio, a bateria. Põe tudo para secar e trabalha concentrado.
Maneja o rádio que faz alguns ruidos. Ouve vozes e pede socorro: “Aqui Virginia Jean”. Mas em vão. O rádio está mudo.
Assim ele também vai ficar. Mudo. Focado nas tarefas que realiza para se manter vivo.
O rosto marcado por rugas e vincos que mostram a idade (Robert Redford tem 77 anos), mas também a inteligência e a determinação no olhar, acompanham um corpo forte, flexível, pronto para a ação.
A câmara fica em cima dele o tempo todo. Ela também é ágil e se movimenta rápida.
O espectador cria, inevitávelmente, uma ligação com esse homem, sofre com ele, acompanhando tudo de ruim que acontece e respira fundo quando ele se safa, até o momento em que não há mais possibilidades de luta pela vida.
A fotografia belíssima de Frank G. DeMarco acompanha nosso homem e sua luta para mostrá-lo em “close” a maior parte do tempo. Quando o vê de cima, no bote, mostra a casquinha que ele é. E quando mergulha, para mostrá-lo na água, vemos que há perigo.
O filme é uma fábula bem contada sobre o homem e sua vontade de viver, de não entregar-se, de romper os próprios limites, de ir além.
Mas chega um momento em que nos deparamos com o fim, com a morte. Mesmo que ainda não seja o final e tivermos a sorte de sair dessa, não adianta. De repente, algo nos convence de que a vida terá fatalmente um fim.
E a aceitação disso é a chave para abrir novas portas, até a derradeira.
O diretor e roteirista, J. C. Chandor, 40 anos, em seu segundo longa ( o primeiro foi “Margin Call – O Dia Antes do Fim”2011), usando um só ator, sem diálogos, nem monólogos, excetuando o inicial, com o barulho do vento, do mar, a respiração do nosso homem, trovões, o rangido da madeira do veleiro e o som do bote batendo na água, consegue envolver o espectador, que experimenta como se fosse na própria pele, a fragilidade e o desamparo do homem, mesmo o mais bem preparado, frente às forças da natureza desencadeadas.
Pena que “Até o Fim” não foi lembrado no Oscar, apesar da crítica de Nova York ter premiado Robert Redford.
Mas não importa. É um filme inesquecível.

domingo, 9 de março de 2014

Walt nos Bastidores de Mary Poppins


“Walt nos Bastidores de Mary Poppins”- “Saving Mr Banks”, Estados Unidos/Inglaterra/Austrália, 2013
Direção: John Lee Hancock

O passado sempre volta até ser resolvido ou esquecido. E a figura do pai é importante na vida dos seres humanos pois será o modelo dos meninos e o amor ideal das meninas. Pois tudo isso tem a ver com o filme “Walt nos Bastidores de Mary Poppins”.
A figura conhecida das crianças, Walt Disney (1901-1996) e P.L.Travers (1899-1996), a criadora de uma governante mágica, Mary Poppins, vão se encontrar em Los Angeles em 1961. Será que finalmente o filme sairá? Faz 20 anos que Disney sonha com isso.
Ela gosta de ser chamada Mrs Travers (Emma Thompson, maravilhosa) e assina P.L.Travers em seus livros. Mora em Londres, parece ser uma típica senhora inglesa e precisa de dinheiro. Detesta intimidades com estranhos.
Mas, desde o começo do filme vemos imagens de sua infância na Austrália, o pai bonitão (Collin Farrell), encantador, um principe encantado, dono de uma imaginação fascinante e amado com loucura pela filha mais velha. Havia um só problema. Sonhador, não conseguia por os pés no chão e cuidar direito da família. E bebia.
Para fazer o filme, a dona de Mary Poppins vai ter que mexer no seu passado que traz lembranças dolorosas. É difícil abandonar a “persona” que ela adotou para se defender do mundo.
Ela quer e não quer fazer o filme. Por isso inventa mil problemas e fica intransigente com as soluções. Nada a agrada.
Mas Walt Disney (Tom Hanks, sempre competente), que aparentemente se reconciliou com seu passado, também difícil, com um pai severo e mandão, será a pessoa que vai ajudar a rabujenta Mrs Travers a sair de sua posição defensiva e voltar a ser mais livre, como tinha sido em sua infância.
O simpático motorista americano (Paul Giamatti) também ajuda a abrir portas fechadas no coração da autora de oito livros de Mary Poppins de 1934 a 1988.
O título do filme em português, escolhido para explicar ao público que é um filme sobre Walt Disney, não tem o sentido interpretativo do título em inglês, “Saving Mr Banks”. Ele é o pai das crianças, tão ocupado quanto a mãe, que contrata Mary Poppins para cuidar dos filhos. A pergunta que o filme responde é: Mary Poppins aparece para salvar quem?
Uma das maiores delícias do filme é a perfeita reprodução dos anos 60 nos figurinos, mobiliário, carros, tudo enfim, com grande fidelidade e graça.
O filme “Mary Poppins” de 1964, que ganhou 5 Oscars, foi dirigido por Robert Stevenson e estrelado pela jovem estreante nas telas, Julie Andrews, que ganhou o Oscar de melhor atriz pelo papel.
Aqueles que se lembram do filme ou os que não viram, vão poder comprar o Blu-Ray lançado em comemoração dos 50 anos do filme.
“Mary Poppins” não saiu como a autora do livro queria mas emocionou Mrs Travers e vai encantar você.
Veja os dois. Prometo lágrimas, sorrisos e lembranças da infância.

Caçadores de Obras Primas




“Caçadores de Obras Primas”- “Monuments Men”, Estados Unidos/Alemanha, 2014
Direção: George Clooney

Em 1943,  homens arriscam suas vidas para salvar obras de arte da sanha do 3º Reich. Derrotados, os nazistas querem deixar destriuição atrás de si. O decreto Nero de Hitler era explícito. Muito mais que o “après moi le déluge” de Luis XV (1710-1774), o nada, depois dele, era o desejo do “fuhrer”.
Esse assunto palpitante e pouco conhecido poderia ter dado um ótimo filme. Mas, George Clooney, que o dirigiu, co-escreveu o roteiro e interpretou o lider da missão, fez tantas mudanças nos fatos reais para conseguir ter nas mãos um filme-exaltação dos americanos na Segunda Guerra, que o tiro saiu pela culatra.
Sim, porque não foram sete homens que levaram adiante essa empreitada de risco. E a missão não acabou logo após a derrota dos alemães. Foi bem mais do que isso.
Entre 1943 e 1951, 350 homens e mulheres, de várias nacinalidades, arquitetos, curadores de museus, historiadores e críticos de arte, foram mesmo atrás das obras de arte roubadas pelos alemães e ameaçadas pela presença dos russos no cenário do pós-guerra, que clamavam por indenização pela morte de 20 milhões de russos.
As fotos reais nos créditos finais do filme mostram a realidade, não a história de Clooney que reduziu o número dessas pessoas para sete, cinco americanos, um inglês e um francês, para dar maior agilidade à narrativa.
Assim, Frank Stokes (George Clooney), James Granger, curador do Metropolitan em Nova York (Matt Damon), Richard Campbell, arquiteto (Bill Muray), Walter Garfield, escultor (John Goodman), Jean-Claude Clermont, francês (Jean Dujardin), Preston Savitz, arquiteto (Bob Balaban), Donald Jeffries, inglês (Hugh Bonneville de “Downton Abbey”) e Sam Epstein (Dimitri Leonidas) são os homens que, não treinados para a guerra, vão enfrentar o perigo.
Os bons atores, que tem poucas cenas juntos porque o grupo é dividido em pares para atuar em pontos diferentes da Alemanha, esforçam-se para dar corpo a personagens que não chegamos a conhecer como pessoas com suas motivações para fazer o que fazem, graças a um roteiro que dá mais ênfase a situações de comicidade.
Além de tentar salvar obras que pertenciam ao patrimônio da humanidade, esses homens também procuravam resgatar coleções particulares de judeus, que deveriam ser devolvidas a seus verdadeiros donos. Pilhadas sistemáticamente, eram enviadas, junto às outras obras roubadas, para ornamentar o futuro Museu do Fuhrer em Linz ou para adornar paredes de oficiais nazistas.
E isso transparece de um jeito canhestro no filme, numa cena na casa de um sobrinho de um dentista que arranca um dente de Bill Muray.
Entretanto, nem tudo são falhas em “Caçadores de Obras Primas”. A personagem de Cate Blanchett é bem trabalhada pela atriz talentosa. Ela passa claramente a desconfiança de se esses homens iriam mesmo salvar  os tesouros roubados escondidos ou roubá-los também.
O jantar de Cate com Matt Damon é uma cena deliciosa que tem charme e sedução.
O resto é entretenimento razoável. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

Lunchbox


“Lunchbox”- “Dabba”, India/Alemanha/Estados Unidos/França, 2013
Direção: Ritesh Batra

Quem conhece Mumbai na India, não se espanta com a imagem de trens apinhados que combina com a outra do telhado coalhado de pombos. Nas ruas, a multidão fervilha no meio de um trânsito caótico de carros, bicicletas, motos, “tuc-tucs”, carroças e sabe-se lá o que mais.
Ninguém diria que é possível haver solidão nessa cidade. Mas sim, existe.
O viúvo Saajan Fernandes (Irrfan Khan de “As Aventuras de Pi”) segue uma rotina solitária, da casa para o trabalho e daí para casa de novo. Ele não é um velho mas já passou da meia-idade e está perto de aposentar-se. Planeja retirar-se para o campo.
Seu rosto inexpressivo, sua vida monótona e a ausência de sonhos, parecem imutáveis nesse personagem da grande cidade, até que um erro impensável coloca tempero em sua vida.
O serviço de entrega de marmitas de Mumbai é muito conhecido e respeitado. Já foi até motivo de estudo da Universidade de Harvard. Seus 5.000 entregadores, que levam e trazem de volta o alimento dos que trabalham nos escritórios do governo e de empresas, nunca se enganam.
Mas, como toda regra tem exceção, a marmita preparada com esmero por Ila (Nimrat Kaur), uma bonita indiana que teme que seu marido Rajeev esteja se afastando dela, vai parar na mesa de Saajan.
Na hora do almoço, no refeitório, quando abre a marmita, os olhos de Saajan arregalam-se enquanto um cheiro delicioso vem das panelinhas empilhadas. Come rezando.
E Ila, quando vê a marmita vazia voltar, grita na janela para sua tia:
“- Tia! Está totalmente vazia! Parece que ele lambeu!”
“- Eu não falei? Seus quitutes vão trazê-lo de volta!”
Mas à noite, quando Rajeev chega com o mesmo comportamento distante e nada de falar da comida dela, ela pergunta:
“- E o almoço?”
“- A couve-flor estava boa.”
Decepção. Grita Ila na janela:
“- Tia! A marmita foi para outro...”
Claro, não tinha couve-flor na marmita dela.
E o próximo passo é Ilia escrever um bilhete para o apreciador de sua comida:
“Obrigada por devolver a marmita vazia.”
E começa assim, uma troca de cartas, sempre escondidas na marmita.
Na vida de Saajan e Ilia, algo de novo acontece. Essa amizade epistolar vai mudar a vida deles.
O diretor estreante, Ritesh Batra, acerta no tom da história principal e também na do substituto de Saajan, o jovem Shaik (Nawazuddin Siddiqui), o divertido orfão que vai ser treinado para substituir o aposentado.
Solidão, envelhecimento, rejeição, amizade, solidariedade, temas tratados com delicadeza em “Lunchbox” fazem desse filme uma surpresa agradável para quem pensa que indianos só produzem filmes tipo Bollywood, com cantorias, danças e heróis mitológicos.
“Lunchbox” é simples e universal.


quarta-feira, 5 de março de 2014

Sem Escalas


“Sem Escalas”- “Non-stop”, Estados Unidos/França, 2014
Direção: Jaume Collet-Serra

Liam Neeson, 61 anos, irlandês, marcou sua presença como ator no filme “Lista de Schindler”, Oscar para Steven Spielberger em 1993. Rosto expressivo, físico imponente, voz atraente rouca, não dá para esquecer dele. Pena que agora, ele só faz filmes de ação.
O último que eu me lembro de ter visto com ele foi “Chloe” 2009, quando ele viveu um drama na vida real. Sua mulher, Natasha Richardson (filha da atriz Vanessa Redgrave e do diretor Tony Richardson), sofreu um banal acidente de ski e morreu dois dias depois. O marido abandonou a filmagem e ficou ao lado dela no hospital.
Na ressaca do Oscar, resolvi vê-lo em “Sem Escalas”, sem ter lido nada sobre o filme.
O começo do filme é atraente. Estamos dentro do carro dele, que bebe uisque num copo descartável. Disfarça o cheiro com um “spray” para a boca. Desce do carro, atende ao celular mas só entendemos ele dizer:
“ - Pode confiar em mim...” e passa um avião fazendo muito barulho.
Ele está com o rosto crispado e o vemos fumando na porta do aeroporto. Sentimos tensão nele e a câmara está um pouco desfocada, como se fosse o seu olhar. Chove e as cores são escuras.
Ele examina os passageiros sentados na porta de embarque para o mesmo voo que ele vai pegar. Entre eles, reconhecemos Julianne Moore. Há um homem com roupa étnica árabe.  Sem querer, esbarra num negro que reclama e ele nota no chão um brinquedo de criança.
Quando os passageiros embarcam, ele traz o boneco perdido e convence a menina relutante a entrar no avião.
Ele está na executiva e o negro, que empurrou sem querer, está ao seu lado. Mas não por muito tempo porque Julianne Moore pede para sentar na janela e o negro cede o seu lugar.
Lado a lado, ele não consegue disfarçar o medo durante a preparação para a decolagem. Ela conversa para distraí-lo e pede dois gim-tônica. Mas a aeromoça (Michelle Dockery de “Downton”) só traz um e dá para ela, que segura a mão dele, que está apavorado.
E o avião decola.
Nada como o interior de um avião para passar um clima claustrofóbico. Pior ainda quando, relaxando do medo que tem da decolagem, Liam Neeson, o agente federal aéreo Bill Marks, que deveria zelar pela segurança do voo, começa a receber mensagens ameaçadoras no seu celular. Um dos passageiros parece conhecê-lo bem e insiste que vai matar uma pessoa a cada 20 minutos, se U$150 milhões não forem depositados em uma conta.
Um grande acerto foi colocar em português as mensagens dos celulares que aparecem na tela. Se fossem usados os letreiros, não daria para acompanhar a história, que depende que as mensagens sejam lidas pela plateia.
O diretor espanhol Jaume Collet-Serra consegue impor um ritmo febril nos acontecimentos a bordo e, com isso, fisgar a nossa atenção.
O problema é que o roteiro é falho em explicar bem o que está acontecendo. Depois do filme, o espectador tem que ficar ligando as pontas soltas por si mesmo.
Lupita Nyong’o é uma outra aeromoça que entra muda e sai calada. Mas reconhecemos sua bela imagem.
Bom entretenimento, “Sem Escalas” é um filme que tem um final meio apressado e chocho.
Ficou devendo.

terça-feira, 4 de março de 2014

A Gaiola Dourada



“A Gaiola Dourada”- Idem, Portugal/França, 2012
Direção: Ruben Alves

Maria e José são portugueses que imigraram para a França e se instalaram em Paris em 1979. Bons trabalhadores, fama desses estrangeiros cuja presença é sinal de dedicação e carinho no que fazem, tornam-se indispensáveis para seus patrões.
Os moradores do prédio de classe média alta em que trabalham como zeladores, sentem-se recompensados e sortudos por contarem com a família Ribeiro, na figura onipresente de Maria, principalmente (Rita Blanco).
Ela vai desde cuidar das crianças gêmeas que viu nascer, até ajudar Mme Reichert na confecção de um jardim primoroso, forte candidato num concurso de jardinagem.
Maria não se poupa e trabalha mais do que o esperado, não deixando os bonsais de M. Zu descuidados quando ele viaja e passando a ferro com delicadeza as roupas mais finas que Mme Reichert não se atreve a entregar a tintureiros.
José (Joaquim de Almeida), por sua vez, é mestre de obras de uma construtora, há mais de 30 anos, onde exerce sua arte de pedreiro e cuida que os outros empregados, quase todos portugueses como ele, cumpram os horários e as normas de segurança, evitando pesadas multas. Na verdade, é o faz-tudo da empresa.
Os filhos Pedro e Paula nasceram na França mas a cultura portuguesa faz parte de seu dia a dia.
Ruben Alves, português que mora na França há 40 anos, dedicou esse seu primeiro filme a seus pais. E acertou em cheio. “A Gaiola Dourada” é entretenimento de qualidade, divertido e cheio de quiproquós.
O fato é que o casal português não se dá conta de que são explorados por causa de sua boa fé e empenho em agradar. Os filhos são os primeiros e os únicos a falar nisso, porque os patrões deles estão bem contentes com a dedicação 24 horas por dia.
Mas a coisa muda de uma hora para a outra.
José e Maria que não pensavam em Portugal, recebem uma herança inesperada com a condição de que se mudem para lá. São vinhas de um bom Porto e uma bela casa, construida pelo pai de José, com sua ajuda.
E o conflito se instala no coração dos bons portugueses.
Sonham com a “terrinha” mas a família está em Paris, bem adaptada e os patrões acordam para a desgraça de perdê-los e os enchem de mimos e substancial aumento de salários, quando a notícia transpira. Ainda por cima, os filhos não querem ir com eles. O que fazer?
O uso de canções portuguesas, o fado, a cozinha onde impera o bacalhau, o jeito comunicativo e humilde dos imigrantes, são o pano de fundo para o desenrolar dessa comédia simpática, que não quer ditar moral para ninguém nem discutir sobre classes sociais.
Cabe ao espectador notar os detalhes e fazer as reflexões. E rir muito com o jeitão simples de falar palavrões e contar histórias que os portugueses tem, em contraste com os franceses tão diferentes deles, menos comunicativos mas que sabem o que é bom para eles.