“Augustine”- Idem,
França, 2012
Direção: Alice
Winocour
Estamos na França do
final do século XIX, 1895, mais precisamente. Em Paris, o Hospital La
Salpetrière, tem como um de seus médicos, Jean-Martin Charcot (1825-1893) que aí
trabalhava e lecionava. Em 1892, ele tinha fundado ali uma clínica neurológica,
a primeira na Europa.
Charcot ficou famoso pela
apresentação de pacientes histéricas sob hipnose, com isso mostrando aos outros
médicos, que esses sintomas que viam era uma doença do cérebro e não possessão
ou bruxaria como pensavam até então.
Os gregos já tinham
descrito essa condição e a relacionavam ao “útero ardente”. Daí o nome histeria,
de “matriz”, no grego. Hoje sabemos que essa doença nada tem a ver com o útero e
que pode ocorrer em homens também.
E quem eram as histéricas
de Charcot? Mulheres que apresentavam convulsões, paralisias, dores abdominais e
estados de humor exaltados.
E é para o La Salpetrière
que mandam Augustine, 19 anos, vinda de uma família pobre, empregada doméstica
numa rica casa burguesa. Durante um jantar que ela servia, após ver caranguejos
vivos sendo cozidos numa panela, cai em convulsões perante os convidados dos
patrões. Leva uma jarra de água no rosto, da patroa
escandalizada.
Augustine é uma moça
simples, analfabeta mas inteligente e sensível. Levada por uma prima ao
hospital, chama a atenção de Charcot, já que apresentava sinais que ele
reconheceu como histeria. Além das convulsões frequentes, paralisia da pálpebra
direita e falta de sensibilidade na metade direita do corpo.
Levada ao anfiteatro,
paramentada com um chapéu de plumas, quando hipnotizada caia ao chão em
convulsão, acompanhada de gestos com forte conotação sexual, apresentando o
famoso “arco histérico”, que era a postura com as costas dobradas para
trás.
Alice Winocour, a
diretora e roteirista estreante de “Augustine”, sabendo da responsabilidade de
retratar uma figura real e referência até hoje na neurologia, estudou e
pesquisou sobre Charcot. Mas acrescenta em entrevista:
“Documentei-me para poder
exercer a minha liberdade. Não fiz um documentário, mas uma
ficção.”
Assim, o talentoso
Vincent Lindon, que faz Charcot no filme, é um homem frio, distante,
autoritário, preocupado apenas com sua carreira e em angariar fama. Casado com
uma viúva rica (Chiara Mastroianni), ele ambiciona pertencer ao circulo restrito
dos médicos da Academia.
Assim, entretém colegas
importantes em suas aulas sobre a histeria e ninguém melhor do que Augustine,
carente e dependente da atenção de Charcot, para aprimorar cada vez mais sua
performance perante o interessado auditório. Percebe-se que ela faria qualquer
coisa por ele.
O próprio Freud
frequentou as aulas de Charcot e se impressionou com o que viu. De suas
reflexões sobre o que ouvia de suas próprias pacientes histéricas, que ele
tratava com a terapia da fala e não mais com hipnose, nasceram os primeiros
trabalhos da psicanálise sobre o inconsciente e o complexo de
Édipo.
O filme desenvolve de
maneira interessante a relação do pai da neurologia moderna com sua paciente
infantil e imatura e sugere que ele a manipulava como queria. Ou assim
pensava.
A fotografia é muito
bonita e invernal, refletindo a frieza do hospital e do médico mas explode em
cores vibrantes quando Augustine é preparada para se exibir nas aulas-espetáculo
de Charcot. A manipulação e o dom de Charcot para ganhar prestígio, às custas de
Augustine, ficam ainda mais evidentes.
A diretora optou por
incluir em seu filme, testemunhos de mulheres atuais com roupas de época. Ficou
artificial e incompreensível para o público. “Fausse note” como dizem os
franceses.
A cantora Stéphanie
Sokolinski, que é conhecida como Soko, está perfeita no papel da mocinha
provinciana que amadurece a duras penas, com o que passa no La
Salpetrière.
Alice Winocour fez um
filme autoral e pós-feminista, na medida em que cria uma ficção corajosa sobre
um relacionamento homem-mulher que reflete sobre sexo e poder. Original e
elegante.
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