sábado, 31 de agosto de 2019

Yesterday




“Yesterday”- Idem, Reino Unido, 2019
Direção: Danny Boyle


Ninguém prestava muita atenção a Jake Malek (Himesh Patel) quando ele cantava nas ruas da cidadezinha à beira mar, Clocton-on-sea, na Inglaterra ou no restaurante pequeno onde todos falavam alto, não importa qual música ele cantasse.
A única que via talento nele era sua antiga colega de escola, Ellie (Lily James, a gracinha que foi “Cinderela”). Desde sempre apaixonada por Jake, não nutria muitas esperanças de um romance entre eles porque ele a tratava como amiga.
E tudo corria sempre igual, Jake trabalhando na loja de alimentos e cantando nas horas vagas, sem estímulo, até aquela noite mágica. Jake voltava para casa de bicicleta quando aconteceu um blackout mundial que durou segundos, mas tempo suficiente para que ele fosse atropelado por um ônibus.
Todo quebrado no hospital e sem dois dentes, Jake parecia mais miserável do que nunca. Foi aí que ele fez uma piada para Ellie que o visitava:
“- Will you feed me when I’m sixty four?” e ela não entendeu.
“ - Por que 64?”
Ele achou estranho. Como não reconhecer um verso de uma música tão conhecida?
Mas quando cantou para ela e os amigos mais íntimos, no violão que Ellie tinha dado de presente para ele, “Yesterday”, é que ele começou a entender o que estava acontecendo.
“- Que linda essa música! Você compôs?”
“- Claro que não! É “Yesterday” dos Beatles.”
E a cara dos amigos mostrou que era a primeira vez que ouviam essa canção. Parece que algo muito estranho acontecera naquela noite do acidente.
Jake procurou na internet e nem sombra de Paul, John, George e Ringo. Só achava besouros.
“Será possível?” pensou ele.
E daí em diante a vida dele começou a mudar.
Danny Boyle dirigiu e Richard Curtis escreveu o roteiro  dessa comédia romântica diferente das outras.
Não é açucarada mas quem viveu os anos 60 fica com um nó na garganta ao ouvir as músicas que encantaram uma geração e todas as que vieram depois dela. Dá muita saudade.
A Beatlemania não acabou quando eles se separaram. Todo mundo sabe disso. Ditaram moda, mexeram com os costumes, eram unanimidade. Vieram para ficar.
“Yesterday”, o filme, talvez pudesse ter um pouco mais de questionamento sobre a desonestidade do roubo das músicas, mas acho melhor ver o filme como uma fábula sobre o sucesso e o amor verdadeiro.
Um conto de fadas. Um sonho de Jake no hospital quando estava muito mal.
Vá se emocionar e quem sabe deixar uma lágrima rolar quando você ouvir “Yesterday” cantado por Himesh Patel, sucesso estrondoso nas lojas de música virtuais. Não é cover. É o garoto de pais indianos que canta bem e é bom ator ainda por cima.

Anna - O Perigo tem Nome



“Anna - O Perigo Tem Nome “- “Anna”, França, 2019
Direção: Luc Besson

Luc Besson, 60 anos, foi o diretor de “Imensidão Azul - Le Grand Bleu” de 1988, que emocionou as plateias contando a amizade de dois mergulhadores em apneia, com belas tomadas submarinas, que se passa na Grécia. Depois veio o sucesso de “Nikita - Criada para Matar” de 1990, que era estrelado por Anne Parillaud, uma assassina e viciada usada em missões especiais. Aí foi a vez do futurista “O Quinto Elemento” de 1997, com a bela Mila Jovovich, que foi casada com o diretor e “Lucy” de 2014 com Scarlet Johansson que, depois de contrabandear drogas no seu estomago, passa a ter superpoderes.
O novo Besson, seu 18º filme, “Anna”, tem bastante de “Nikita”, algo de “Lucy” e também de “O Profissional” de 1994, com Jean Reno e Natalie Portman, a menina de 12 anos que quer aprender a matar para vingar o  assassinato de seu irmão de 4 anos.
A jovem russa Anna Poliatova (Sacha Luss) nos é apresentada aos poucos, em vários momentos de sua vida, o que vai explicando as motivações da personagem. Ela é outra bela loura da galeria de Besson que vai partir para o caminho do assassinato, treinada pela KGB e dona de uma inteligência bastante acima da média.
Anna é modelo de uma agência parisiense mas usa essa profissão como fachada, inclusive para atrair os homens que deve eliminar.
Na verdade ela é uma assassina profissional usada pela chefe da KGB, Olga (Helen Mirren, esplêndida), para missões extremamente perigosas. Como excelente atriz que ela é, Helen Mirren faz de Olga uma mulher rígida e exigente, mas tudo com uma fina ironia que empresta humor à personagem.
O filme tem ação, reviravoltas na história e Anna mostra seu corpo flexível em lutas com homens que tem o dobro de seu tamanho. Chega a dar conta de uma pequena multidão deles num restaurante em Paris.
Sempre vestida de maneira sexy, ora ela é loura, sua cor natural, ora morena, sendo que de qualquer cor e tamanho, o cabelo de Anna é um de seus atrativos. Pele perfeita e olhos azuis completam a beleza da atriz.
Num dos “flashbacks” entendemos porque Anna resolve se envolver em espionagem e assassinato. Orfã, vivendo muito jovem com um homem rude e brutal, não tendo outra saída, resolve aceitar a proposta de Alex Tchenkov
(Luke Evans) de tornar-se uma agente da KGB por cinco anos e depois poder desfrutar de total liberdade e uma boa vida garantida.
Não ficamos sabendo como foi treinada mas vemos sua eficiência e as estratégias mortais que utiliza.
Sua sexualidade é cheia de mistérios mas há uma impressão de que ela foi tão abusada, que o sexo virou outra coisa para ela. Anna parece fria mas é certamente carente de afeto e anseia por sua liberdade e um outro tipo de vida.
Ela se diz uma boneca russa. Há muitas dentro dela e nem todas são visíveis.
Saber que Luc Besson está enfrentando acusações de assédio e estupro leva a entender algumas das motivações que o levaram a escrever esse roteiro. Comparado a outros de seus filmes, “Anna” fica devendo mas é um bom entretenimento para quem gosta de filmes de ação com reviravoltas e uma linda heroína.


sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Shakespeare Apaixonado




“Shakespeare Apaixonado”- “Shakespeare in Love”, Estados Unidos, 1998
Direção: John Madden

Quem foi Shakespeare? Até hoje há somente hipóteses  sobre sua identidade e sua vida privada.  De certo mesmo, sua obra fala por ele, grande autor teatral e poeta, que compreendeu a natureza humana como poucos.
Mas no filme “Shakespeare Apaixonado” não há nenhum interesse em fazer biografia. Há um canal aberto para a ficção na vida do autor, muito bem aproveitado no melhor filme do Oscar 1999.
Sucesso de público mundo afora, o filme narra uma história que acontece na era elizabetana na Inglaterra, ou seja, a Rainha Elizabeth (Judi Dench, ótima) reinava.
Naquela época era proibida a presença de mulheres no elenco das peças de teatro. Só homens eram atores.
No roteiro de Tom Stoppard, William Shakespeare (Joseph Fiennes), pobre poeta e autor de teatro, vivia um branco criativo. Nada lhe vinha como inspiração para sua nova peça.
A peste que assolava Londres piorava bem o cenário.
É aí que Lady Viola de Lesseps (Gwyneth Paltrow, linda e talentosa), amante do teatro e admiradora de Shakespeare, disfarçada de homem, com bigode falso e peruca, recita um poema e encanta o poeta, que acaba descobrindo que ela é uma bela jovem.
Depois de alguns desencontros e atrapalhações, finalmente os apaixonados estão na cama dela, protegidos pela aia.
Ardentes, livres, entregues um ao outro. É alí que renasce a inspiração de Will, que noite após noite, recita as palavras da peça que tem como musa, Viola. Nasce “Romeu e Julieta” do amor entre Viola e Will.
O filme é muito bem produzido e tem ótimo elenco. Levou sete Oscars, entre os quais melhor filme, melhor atriz para Gwyneth Paltrow, melhor atriz coadjuvante para Judi Dench, melhor figurino, produção de arte e trilha sonora.
Há quem considerasse na época uma injustiça tantos Oscars para o filme de John Madden. Mas “Shakespeare Apaixonado” sem pretensão, diverte e mexe com a curiosidade da plateia em torno ao par Viola e Will que, como Romeu e Julieta, vão viver um grande amor proibido.
Gwyneth Paltrow está bela, muito bem vestida e discretamente despida nas cenas de cama. Ela se entrega ao papel e nos emociona com seu amor pela arte e pelo artista, que ainda não era o famoso autor que se tornaria, a partir justamente de “Romeu e Julieta”.
Foi nesse ano que Fernanda Montenegro foi indicada ao Oscar de melhor atriz por “Central do Brasil” de Walter Salles. Pena. Mas nem só de Oscar vive uma atriz. A carreira da nossa foi e ainda é brilhante.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Um Amor Impossível



“Um Amor Impossível”- “Um Amour Impossible”, França, Bélgica, 2018
Direção: Catherine Corsini


Tudo que aconteceu com Rachel Stern (Virginie Efira, atriz belga maravilhosa) ao 26 anos, na cidade de Chateauroux, interior da França, vai ser narrado em “off” por sua filha Chantal.
“Diana”, a música do momento, fins dos anos 50, embala os jovens dançando. Uma bela jovem loura espera por alguém. Quando Philippe chega, Rachel tem um brilho nos olhos. Dançam juntinhos e a atração entre os dois é evidente.
Ele (Niels Schneider), parisiense, trabalha como tradutor para o exército e fala muitas línguas. É um belo homem, nascido de uma família burguesa rica, tem vasta cultura e viajou muito pelo mundo.
Ela, secretária desde os 17 anos, de pai judeu e mãe católica, mora com a irmã menor e a mãe, sendo que o pai se afastou delas por causa de seus negócios.
Rachel e Philippe, apaixonados, passam a se ver todos os dias e a cama acontece como algo desejado pelos dois. Ela era inexperiente e ele não esconde o prazer de lhe ensinar os segredos do sexo. Rachel vai se entregar a ele de corpo e alma.
Todo o preparo de Philippe, sua posição social e sua desenvoltura no mundo vão, entretanto, chocar Rachel quando ele pergunta se ela quer se casar.
“Não sei... e você?”
“- Eu não. Gosto de fazer o que quero.”
“- Mas você poderia fazer o que quisesse estando comigo...”
“- Não. Você é muito exigente,”
Esse diálogo já mostrava que Philippe não queria nada de sério com Rachel. Mas ela se enganava e achava que ele iria mudar com o tempo e o amor dela.
Philippe volta para Paris e o último fim de semana foi só de beijos.
Quando Rachel percebe que engravidou, escreveu correndo para ele, pedindo que viesse a seu encontro. Mas ele responde que precisa de férias e vai para a Itália. De lá mandava cartões postais e só.
Esse relacionamento, que nos parece claramente infeliz para Rachel, foi no entanto vivido como o grande amor de sua vida. Ela enfrenta os preconceitos e torna-se mãe solteira.
Ele vinha raramente visitá-las. Mas Rachel o esperava ansiosamente. E o tema agora era a filiação de Chantal. Ele dizia que ia pensar mas não tomava nenhuma atitude.
A autoestima de Rachel era muito baixa e a arrogância de Philippe a amedrontava. Dava, no fundo, razão a ele, já que nunca poderia ascender à posição social que ele tinha de nascença. Havia um complexo de inferioridade, alimentado por essa relação infeliz.
Philippe era um narcisista, com um enorme ego e nenhum sentimento de culpa ou remorso. O masoquismo de Rachel fazia par com o sadismo de Philippe e ela se submetia a tudo para agradá-lo quando ele dava o ar de sua presença. E isso vinha a calhar como um divertimento  para ele.
Quando Chantal adolescente se aproxima mais do pai, consequências terríveis serão inevitáveis.
A escritora francesa que teve seu livro adaptado para o filme, Cristine Angot, disse que a história de Chantal era a dela mesma. Pouco conhecida por aqui, ela é famosa na França e trata em seus livros da sexualidade nas relações familiares.
Aqui, o amor impossível é o que oferece Philippe para Rachel e a filha. Depois de muitos anos e tanto sofrimento haverá um amor possível para essas duas?


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Pássaros de Verão



“Pássaros de Verão”- “Pajaros de Verano”, Colômbia, 2018
Direção: Cristina Gallego e Ciro Guerra


Quando a jovem e bela Zaida (Natalia Reyes) vai sair da choça onde ficou segregada por um ano para tornar-se mulher, escuta as palavras de sua mãe Ursula (Carmiña Martinez). E entendemos a filosofia de vida da tribo dos Wayuu, que vivem na região de Guajira, no norte da Colômbia. Para eles a família é o principal.
Pertencer a uma família significa proteger e pensar sempre no melhor para ela. “Quando há família, há respeito e honra”, diz a matriarca para a jovem Zaida.
Ela olha sua mão e vê nos cinco dedos a avó, a mãe, o tio, o sobrinho e o neto. A constelação familiar se apoia em seus membros.
Todos a esperam para a dança ritual com seu irmão menor. É uma beleza ver o seu vestido vermelho amplo, estufado pelo vento, servir como asas para ela correr atrás do homem e, por sua vez, ele correr atrás dela. O irmãozinho cai no chão e o másculo Rapeyet (José Acosta) toma o seu lugar. Nos olhares que trocam durante a dança, percebemos que há uma forte atração entre eles.
Mas o pretendente de Zaida ficara muito tempo longe, entre os “alijuna”, os não indígenas, afastado dos costumes dos wayuu, gente simples e correta. Ele quer fazer dinheiro.
E realmente começa a degradação dos costumes quando americanos jovens do “Peace Corps”, que estão no local catequisando o povo contra o comunismo, mostram que a maconha já plantada na região, poderia ser exportada e render muito dinheiro. Rapayet vai liderar esse tráfico.
Aviões cheios de sacos de erva cruzam os céus, antes só dos pássaros, e vão trazer uma guerra entre as famílias. Muito sangue vai correr.
O filme é belíssimo. Imagens da natureza árida do deserto, vento sempre presente, a mata verdejante por onde andavam cabras e vacas, agora tomadas por carros com homens armados.
Vamos ver uma história épica e dramática, contada em cinco cantos, acontecida nos anos 60 a 80.
Ciro Guerra, que dirigiu “O Abraço da Serpente” de 2015, um filme raro e poético, sobre mitos da Amazonia colombiana, aqui conta, através de fortes imagens, o que foi o começo do narcotráfico no país.
É triste pensar que um povo que sempre soube defender seu território dos invasores europeus e piratas, ficou inerte frente às mãos cheias de dólares que geraram corrupção e discórdia, onde antes havia paz e um sentimento de fraternidade.


quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Dor e Gloria



“Dor e Glória”- “Dolor y Gloria”, Espanha, 2018
Direção: Pedro Almodóvar


O cineasta brilhante, inquieto e irreverente, que todos conhecemos, foi aplaudido longamente no Festival de Cannes desse ano, depois da exibição de “Dor e Glória”. Quem trabalha na indústria do cinema sabe o quanto ele é valioso. Criou um estilo próprio, muitas vezes imitado. Virou adjetivo e colocou o cinema da Espanha no mundo.
Ganhou vários prêmios e foi indicado a cinco Oscars, dos quais levou dois: Melhor Filme Estrangeiro - “Tudo sobre Minha Mãe” 2000 e Melhor Roteiro Original – “Fale com Ela” 2002.
Em “Dor e Glória”, que tem conteúdo autobiográfico, é vivido por Antonio Banderas, que ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes pelo papel.
Aos 70 anos, completados em 24 de setembro, ele oferece ao público um filme esteticamente belo, com aquelas cores vivas e brilhantes, pedra de toque do cinema de Almodóvar.
Mas aqui há depressão e amargura frente à decadência. Um cineasta maduro vê seu corpo recusar-se a ficar saudável, desde a morte da mãe, há quatro anos e uma operação de coluna que deixou dores terríveis como sequela. Além disso, sofre de engasgos que quase o sufocam, dores de cabeça fortíssimas e insônia.
“- Nos dias em que padeço de um só tipo de dor, sou ateu”, comenta ele com Zulema (Cecilia Roth), uma amiga que se preocupa com ele.
O corpo de Salvador fala de seus conflitos, da sua paralisia criativa, do luto pela mãe que adorava, do amor que não viveu plenamente, da idade que já pesava.
Perto dos 70 anos, o diretor não consegue mais trabalhar e culpa seu corpo. Apela para outra droga, e no lugar da cocaína, coloca a heroína, que o aprisiona ainda mais. Experimenta por curiosidade e cai no vício. E tudo fica ainda mais pesado.
Para se defender de seus temores, sua frustração e a vivência da solidão, Salvador volta ao passado. Há inúmeras cenas belas e tocantes, como a das lavadeiras, que abre o filme, ele com sua mãe Jacinta (Penélope Cruz, maravilhosa), outra quando antes de dormir, larga seu álbum de figurinhas com artistas de cinema, enquanto sua mãe cerzia sua meia furada com o ovo de madeira e a visão do pedreiro Eduardo que desperta nele o primeiro desejo.
Não há sexo mas sensualidade em “Dor e Glória”.
E há a belíssima cena final com a mãe jovem, Penélope Cruz e o menino, que dormem num quarto improvisado, todo vermelho, ele no sofá, ela no chão. O filme dentro do filme. Simplesmente genial.


quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Retrato do Amor



“Retrato do Amor”- “Photograph”, Índia, 2019
Direção: Ritesh Batra

A Índia é um país diferente dos outros. Enorme. População que passa de um bilhão e ainda existem as castas ditadas pela religião hindu. Casamentos mistos até nos dias de hoje são vistos com receio pela geração mais velha e tradicional.
Miloni é uma garota de classe média alta, estuda contabilidade e é a primeira de sua turma. Ela é suave, delicada e fala pouco. Na loja em que a conhecemos, a mãe é quem escolhe o seu vestido.
Miloni é bela. Cabelos curtos encaracolados, pele perfeita, perfil de camafeu, boca bem desenhada e olhos sombreados por cílios escuros e espessos. Tem uma beleza clássica.
Seus pais a querem casada com um indiano rico, que tenha estudado nos Estados Unidos e a faça feliz como merece.
Mas, estranhamente, a pessoa com quem Miloni tem mais afinidade na casa dela, é a criada que veio de uma aldeia do interior, veste-se com o traje tradicional, usa pulseiras nos tornozelos e dorme num colchãozinho na cozinha.
Miloni interessa-se pela vida no interior e a vemos respondendo a um pretendente que se sente cidadão do mundo:
“- Eu gostaria de morar numa aldeia. Cuidar da terra e dos animais de manhã e depois do almoço dormir debaixo de uma árvore.”
E é ela que é fotografada como se fosse uma turista, no Portal da Índia em Mumbai, quando descia da balsa. O fotógrafo é Rafi, pobre mas com algo de nobreza em seu modo de se comportar.
E ele tem um problema. Não tão jovem, precisa de uma falsa noiva para mostrar para a avó, que vem visita-lo e quer que lhe dê um bisneto.
Procura por Miloni com afinco e vai descobrir onde ela estuda. Ele explica o que está acontecendo e ela aceita passar por sua noiva frente à avó e agradar a Dadi, uma senhora espevitada mas tradicionalista. Foi ela quem cuidou do neto quando os pais de Rafi se separaram e sumiram, deixando dívidas que Rafi se esforça ainda para pagar.
Miloni e Rafi tem algo da Índia eterna, um país com cores jamais vistas e deuses e deusas para todos os acontecimentos da vida. Um país romântico, onde os filmes de Bollywood  são fantasias sobre o amor, com danças e cantos fora da realidade.
O que não é o caso desse filme, “Retrato do Amor”, que também fala de um amor romântico mas que tem que se cuidar para sobreviver e vencer obstáculos.
É uma história envolvente, delicada e solene em sua simplicidade. Não ficamos sabendo de tudo o que acontece porque o diretor deixa algo para a nossa imaginação trabalhar. E é obra do mesmo diretor e roteirista que nos presenteou com sucessos como “Lunchbox” de 2013 e “Nossas Noites” de 2017.
Ritesh Batra, que foi também produtor, apresentou seu filme no Festival de Berlim e agradou à plateia politizada e sofisticada com sua proposta de uma sedução delicada.


segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Jornada da Vida



“Jornada da Vida”- “Yao”, França, 2018
Direção: Phillippe Godeau

Entramos numa festinha de crianças. Quando acaba, o pai (Omar Sy) põe o aniversariante no colo e ficam vendo os bichos da África no IPAD. Mas a mãe, severa, diz que é hora de dormir.
Entendemos que o casal se separou e que a tão sonhada viagem de pai e filho para a África não vai acontecer. Com mau humor ela despacha o ex marido dizendo que o menino não vai porque está com otite. Verdade? Mentira?
Vê-se claramente o quanto aquele casal se desentendeu e quem paga é o filho deles.
Senegal. Uma aldeia pobre para padrões europeus mas com crianças alegres. Correndo, brincando, indo para a escola.
Um garoto se destaca. Yao fala para os outros de um livro que ele leu tantas vezes que decorou. E anuncia que o autor, um grande ator francês, vem para a terra deles lançar seu livro de memórias.
“- Vou encontrá-lo e pedir uma dedicatória.”
Enquanto falam distraídos, sentados na praça, uma cabra esperta surrupia a preciosidade que é o livro para Yao mas que para ela é comida. Salvo o livro, com algumas páginas faltando, Yao diz:
“- Vou costurar o livro. As páginas que faltam eu escrevo, sei tudo de cor.”
Dia seguinte põe o já famoso livro, tão gasto e refeito, na mochila e vai por uma estrada de terra a pé. Tudo na paisagem é seco e árido. Enormes baobás são o enfeite daquele deserto.
Yao pede carona e logo chega na estação de trem que leva à capital, Dakar. Menino esperto, se esconde debaixo da saia ampla de uma negra simpática que gostou de participar e ajudar o menino a viajar sem bilhete.
No aeroporto de Dakar chega o ator que tem ascendência senegalesa e que resolveu lançar seu livro em sua terra ancestral. Assediado por muita gente e imprensa, ele não está contrariado. Ao contrário, parece que quer dar um presente para aqueles que o admiram, o filho que vem visitar a Terra Mãe.
Mas ele estranha, no caminho, as ruas cobertas de tapetes e todos se curvando ao apelo do muezim. São muçulmanos. Ele não conhece os costumes do Senegal. A vida toda morou na Europa.
Quando Yao chega da viagem de 300 km até o lugar do lançamento do livro, vê o ator de longe e quer entrar na fila dos autógrafos. Uma mulher negra, bem vestida, enxota o moleque. Yao obedece e senta-se na rua, pacientemente esperando a fila acabar.
E quando o ator do sorriso branco encontra o menino de sorriso também branco, algo acontece de extraordinário. O mais velho se reconhece no mais novo. Um dia ele foi como aquele menino que estende seu livro, estragado pelo uso e pela cabra. Com prazer, ele faz o autógrafo e pergunta:
“- Você veio sozinho? Qual o nome da sua aldeia?”
“- Vim porque seu livro é meu preferido. Gosto também de Júlio Verne.”
“- E onde você arranja livros?”
“- Na Biblioteca da aldeia.”
O ator está encantado com aquele menino que fala bem  e ama os livros.
“- Você vai dormir onde? Venha comigo.”
Assim, próximos e parecidos, lá se vão eles para as aventuras que os esperam na terra deles. O menino vai ser o facilitador e o guia do ator famoso que, ali, é como se fosse branco, já que não fala a língua do país e não conhece os costumes.
Mas, levado por Yao, o ator vai encontrar suas raízes africanas e vai passar a reconhecer-se como senegalês, como aquele menino inteligente e esperto que só precisa de livros para sonhar e ser feliz.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Era Uma Vez em ... Hollywood




“Era Uma Vez em...Hollywood”- “Once Upon a Time in...Hollywood”, Estados Unidos, 2019
Direção: Quentin Tarantino


Quando o filme estreou no Festival de Cannes desse ano, o diretor pediu à plateia que não revelasse o final. Queria evitar que o “spoiler” tirasse a graça do filme?
Ora, todos sabem que uma das características dos roteiros de Tarantino, central em “Bastardos Inglórios”, é incluir uma “revisão” da história. E, se ele diz para ninguém contar o final, todos ficam curiosos e quem viu tem um trunfo na mão. 
Todo mundo que era gente em 1969 soube do crime hediondo. Sharon Stone era mulher do diretor polonês Roman Polanski que havia dirigido “O Bebê de Rosemary” em 1968. E ela esperava o filho deles, que chegaria em breve. Estava com amigos na noite do crime porque Polanski tinha ido para a Europa e voltaria para o nascimento. Todos que estavam na casa naquela noite morreram de maneira atroz.
Foi chocante saber dos detalhes do crime que estavam em toda a imprensa internacional. Charles Mason, o chefe do grupo conhecido como “a família”, não estava presente mas foi o mandante. Um psicopata perverso.
Tarantino mostra o líder demoníaco dando uma passada rápida pela tela, interpretado por Damon Herriman. Seus seguidores aparecem mais. Todos muito soturnos, drogados e fanáticos. Eles não eram “hippies”, “as crianças da flor e do amor”, mas jovens sujos, sem rumo, que queriam fazer notícia, matar para provocar.
Eles não são os personagens principais do filme. Leonardo DiCaprio, Brad Pitt e Margot Robie é que são.
Leonardo DiCaprio é Rick Dalton, ator de TV, que fazia o homem mau de uma série de faroeste que já acabou. Decadente, depende de participações especiais no programa de outros. Mas ele ainda pensa em subir na vida, trabalhar no cinema e aparecer. Tem raiva do que aconteceu com ele.
Brad Pitt é Cliff Booth, homem bonito, corpão. É o dublê de Rick. Também quer subir na vida. É rude, violento  e tem um cachorro que só gosta dele. Odeia outros humanos.
E Rick Dalton descobre que é vizinho de gente famosa. Quer ser convidado para uma festa e conhecer os VIPs de Hollywood e fazer carreira.
Até aqui só desilusões. Sharon Tate é a bela do filme.
E quem presta uma homenagem a ela é Margot Robie que passa toda a beleza, leveza e inocência da atriz. Aquela que entra num cinema para se ver na tela. Extasiada com as imagens, põe os pezinhos nús e sujos na cadeira da frente e olha a tela e acompanha as reações da plateia com óculos da moda na época, grandes e redondos. Parece feliz.
O diretor Polanski (Rafal Zavierucha) tem uma ponta com sua bela mulher. Os dois confiantes no Auston Martin conversível, cabelos ao vento, vão a uma estreia.
“Era Uma Vez em...Hollywood”, um filme difícil e amargo, talvez queira contar da decepção que o cinema pode trazer para os que querem participar desse mundo de ilusão que promete fama.
O crime traz mais fama, parece insinuar Tarantino. Uma ideia diabólica mas que sabemos estar presente por trás de muitos dos massacres acontecidos nos Estados Unidos.



domingo, 4 de agosto de 2019

As Rainhas da Torcida





“As Rainhas da Torcida”- “Poms”, Estados Unidos, 2019
Direção: Zara Hayes

Martha (Diane Keaton, sempre maravilhosa), cabelos brancos desalinhados, rosto grave, resolve vender tudo que havia na sua loja de objetos de segunda mão e partir. Deixa o apartamento no qual viveu 46 anos e vai. Sem filhos e sem marido, ela não precisa dar satisfações a ninguém. Está doente mas desmarca todas as quimioterapias.
Lá vai ela pensativa no seu carro. Para onde? Um lugar chamado “Sun Springs”, uma comunidade de aposentados. Vivem cada um em sua casa, com gramados bem cuidados.
Mas quando o comitê de recepção vem dar as boas vindas, aquelas senhoras espalhafatosas se assustam com Martha. Perguntada sobre o porquê de vir para “Sun Springs”, escutam a resposta inesperada:
“- Vim para morrer”, diz Martha sem a mínima hesitação.
Bem, talvez ser um pouco mais diplomática ajudasse. Mas ela está naquela fase que se recusa a fazer ou dizer o que não quer. Já basta o que está acontecendo com ela. A proximidade do fim está deprimindo Martha.
Outro não sonoro vai para Sheryl (Jackie Weaver) , a vizinha prestativa, que veio convidar para uma reunião em sua casa.
Mas parece que a vizinha não desanima e quer se aproximar de Martha. Novo convite envolve um almoço, na verdade um funeral onde Sheryl se abastece de boa comida:
“- Aqui morre muita gente e os petiscos do funeral são caprichados!”
Martha fica muito perturbada.
Tanto que não atende mais ao telefone e se tranca em casa, com seus remédios e sua depressão. Chora muito.
Dias depois vem Sheryl ver o que se passa. E encontra Martha mais receptiva. Ao ver um suéter de “cheer leader”, aquelas meninas que agitam pompons para a torcida nos jogos, escuta uma confissão:
“- Foi meu sonho que não se realizou...Minha mãe ficou doente no dia da apresentação e eu tive que cuidar dela. Desisti dos pompons para sempre... ”
Um filme que tem Diane Keaton nunca é um desperdício. Ela constrói sua personagem com apuro nos detalhes. Da postura relaxada que a faz ficar com barriga, ombros caídos e cabeça baixa, vai surgir uma Martha ágil, animada e acolhedora. Ela vai finalmente brigar por seu sonho e, de quebra, reinventa também a vida das suas companheiras.
A jovem diretora britânica, Zara Hayes, que dirigiu a série premiada sobre a cientista protetora dos gorilas da montanha na África e foi assassinada em 1995, “Dian Fossey: Secrets in The  sobre Mist” de 2017, não quer aqui fazer reflexões profundas sobre envelhecimento. Prefere contar a história de um sonho que vai ser realizado depois que a vida parece que terminou.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Ponto Final - Match Point



“Ponto Final”- “Match Point”, Reino Unido, Estados Unidos, 2005
Direção: Woody Allen


Ao som da bela voz do tenor mais conhecido no mundo da ópera, Enrico Caruso (1875-1931), passam os créditos iniciais, sempre em fundo preto com os nomes em branco,  como em todos os filmes de Woody Allen.
Logo reconhecemos a ária, “Una Furtiva Lacrima” da ópera “Elixir de Amor”. Sinal que “a poção do amor” vai circular por entre os “happy few”, a elite londrina e os que gravitam em torno.
Parece. Porque num clube frequentado pela alta classe inglesa, um ex tenista profissional, agora professor de tênis para os que pagam bem, é entrevistado e contratado. Boa pinta, já jogou com os melhores profissionais mas cansou-se das viagens e deu aulas em clubes chics como Nice, Marbella e Sardenha. Pelo menos é o que ele conta.
Jonathan Rys-Meyers, o ator irlandês, é Chris Wilton. Ouvimos ele contar em “off” no início do filme qual é a sua filosofia de vida:
“Um homem que diz preferir ter sorte do que ser bom, está certo. Entendeu a vida. As pessoas tem medo de pensar que a sorte determina muita coisa na vida. Não podemos controlar tudo que acontece. Por exemplo, num “match point” do jogo de tênis. É o momento final. Se a bola bate no topo da rede, com sorte, pode cair para o lado do adversário e você ganha o jogo. Ou não, se cair, por falta de sorte, do seu lado.”
Chris parece que tem uma ideia na cabeça que vai por em prática. Está lendo o livro de Dostoievski, “Crime e Castigo”.
Quando é apresentado a Tom Hewett (Mattew Goode),  filho de uma família rica, conquista sua simpatia e é convidado para a ópera daquela noite. Ele aceita encantado e vai conhecer a irmã de Tom, Chloe ( Emily Mortimer). Foi dado o passo inicial para se casar com ela, e com isso frequentar o que há de melhor em Londres, usufruir dos fins de semana na magnífica propriedade dos Hewett e cair nas graças do pai e da mãe de Chloe, que já o veem como um filho. Querem um neto.
Tudo vai indo muito bem até que Chris conhece uma americana linda e sexy e noiva de Tom, seu futuro cunhado.
Chris, que acredita na sorte e é muito narcisista, não hesita em transar com Nola (Scarlet Johansson) na primeira oportunidade. No meio das gramas altas de um campo na chuva. Muito romântico e impulsivo.
Se ficasse só nisso tudo bem. Mas o noivado é desfeito e Chris encontra Nola na New Tate, uma famosa galeria de arte contemporânea. Sai com o número de telefone no bolso e dá início a um jogo perigoso. Os dois vivem um romance tórrido. Mas logo começam as cobranças da candidata a atriz sem talento.
“Talento e sorte determinam o destino de um homem”, escreveu Freud em um de seus livros. Parece que, no caso de Chris, devido à sorte que tem na vida e sua personalidade narcísica, esqueceu do talento. A sorte irá sorrir sempre para ele?
Woody Allen escreveu o roteiro original de “Match Point” com grande inspiração. Não foi premiado com o Oscar mas foi indicado.
“Ponto Final - Match Point” é um filme inteligente, com atores excelentes e roteirista e diretor genial.