Direção: Anne Fontaine
O close inicial é o de um rosto jovem se preparando em
frente ao espelho, que somos nós, a plateia. É um ator. Finnegan Oldfield é
Martin Clément, que já foi Marvin Bijou. Vai contar a história de sua vida, num
cenário onde vemos um espelho d’água cor de sangue, uma escada e uma cadeira.
Apenas dois personagens nessa peça escrita pelo próprio
ator. Ele e ela, sua mãe, interpretada pelo ícone do cinema e do teatro
francês, Isabelle Huppert, que faz ela mesma.
Mas o filme dirigido por Anne Fontaine (“Agnus Dei” e “Coco
antes de Chanel”) se inspira no livro de Edouard Bellegueule e não tem uma
narrativa linear. Nossa compreensão da vida e da personalidade de Marvin, desde
quando era um garoto entrando na adolescência até a idade adulta, é criada com
“flashbacks” muito bem montados.
Assim, no início vemos um Marvin solitário, perseguido por
garotos mais velhos que batem nele e o obrigam a atos contra sua vontade,
passam batom em sua boca e o chamam de “viadinho”.
Também vemos sua ingenuidade e a vida que leva numa família
pobre e tosca. Pai bruto, mãe distante e ignorante. Um meio irmão mais velho e
também brutal e um irmãozinho menor.
“- Pai? O que é “viado”? Li no cartaz do ponto de ônibus.
Escreveram “Viados Sujos.”
“- Você sabe. Um degenerado. Um doente mental. ”
E Marvin, anos mais tarde, pensa alto:
“- E eu me lembro que pensei então que eu não era louco. Se
ser “viado” é ser doente mental, então eu não era “viado”, porque não era
louco. ”
E o mesmo menino eu sofria com o “bullying” dos mais velhos,
na verdade era sensível, carente, alguém que não pertencia a esse ambiente
brutal onde nascera e vivera até então.
E quando o desejo por um corpo masculino aparece nele na
piscina da escola, olhando aqueles que o maltratavam, a mente de Marvin sofre
com a incompreensão do que se passava com ele. Desejos contraditórios. Culpa.
Sua salvação vai ser as aulas de teatro e a nova diretora da
escola que percebe o quanto aquele menino precisava de uma mão amiga.
Mas mais importante que tudo, Marvin precisava se conhecer e
gostar de si mesmo. Aprender que ele não era o “errado”. Ele era apenas
diferente dos outros meninos. Mas existiam os iguais a ele.
E Anne Fontaine dirige seu filme com inspiração e a dose
certa de emoção, seguindo o caminhar de Marvin em direção a si mesmo.
A auto aceitação, mais difícil do que o papel de vítima, faz
Marvin dar-se o nome de Martin e mudar de sobrenome. Bijou pra Clément, o nome
da diretora que foi sua tutora e amiga.
E então, concluir em sua peça teatral autobiográfica que a
realidade é subjetiva. E que, portanto, podia olhar também o seu passado e sua
família com outros olhos.
Marvin conseguiu reinventar-se.
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