domingo, 30 de dezembro de 2018

O Confeiteiro



“O Confeiteiro”- “The Cakemaker”, Alemanha, Israel, 2018
Direção: Ofir Raul Graizer

Estamos em Berlim e Oren, que vive em Jerusalém, cada vez que visita a cidade a trabalho, gosta de ir no Kredenz Café e pedir o bolo de chocolate Black Forest. Sem esquecer de comprar biscoitos de baunilha para levar.
Um dia, Oren (Roy Miller) pergunta a Thomas (Tim Kalkhof), o jovem dono do café, se ele teria uma sugestão para o presente de aniversário do filho dele. Thomas sugere um trem e se oferece para levar Oren à loja que ele conhece.
Os dois descobrem que tem muito em comum, já que um ano depois, toda vez que Oren vem a Berlim, hospeda-se com Thomas. A câmera é discreta mas percebemos o quanto um gosta da companhia do outro.
Oren não esconde que tem família, mulher e um filho, em Jerusalém. E conta que Anat (Sarah Adler) vai abrir um café.
Thomas que fora criado pela avó, longe de Berlim, porque sua mãe morrera cedo, estava acostumado a ser só e valorizava a única vinda de Oren, uma vez por mês.
Quando Oren vai embora esquecendo as chaves e os biscoitos, Thomas se preocupa e liga no celular dele. Mas só dá caixa postal e ele deixa recados.
E Thomas não sossega, quer notícias. E vai ao trabalho de Oren. Chocado ouve que Oren morreu num acidente em Jerusalém.
Quando Thomas se decide a ir para Jerusalém, com passagem só de ida, ficamos apreensivos, tanto por ele quanto pela viúva. Por que ele quer ficar próximo do mundo de Oren? O luto é um sentimento complicado.
Vai ao café de Anat, pobre e sem graça, com comida kosher para ter o certificado religioso de funcionamento. Mal paga as contas. Mas depois de alguma insistência, tudo vai mudar quando Thomas é contratado e vira o confeiteiro.
Mas e o perigo de Anat descobrir tudo? Parece que Thomas não pensa nisso. Ele quer ocupar o lugar de Oren? O mesmo desejo inspira Anat a vesti-lo com as roupas do marido?
Thomas sonha com Oren e dorme com a sunga dele, deixada no Centro Esportivo. A chave esquecida abriu o armário.
Nada é dito claramente mas pode ser que a mãe de Oren tenha intuído a verdade sobre Thomas e o filho Oren. Mas ela gosta dele. Cozinham juntos e se dão bem.
Thomas, que não teve mãe mas avó, gosta do ambiente feminino de uma cozinha onde sabe o que fazer. Ele é principalmente muito carente. Alguém que é solitário mais por timidez que por escolha.
Muitas perguntas vão ficar no ar com esse primeiro filme de Ofir Raul Graizer. Mas o roteiro escrito por ele permite ao espectador que pense em tais questões, que não precisam se ater a uma única reposta.
E essa fluidez de territórios no preenchimento das carências humanas abriga melhor os personagens dessa história. Thomas e Anat não seguem regras? Não devem ser os únicos nesse mundo complexo em que vivemos.

sábado, 29 de dezembro de 2018

À Pé Ele Não Vai Longe




“A Pé Ele Não Vai Longe”- “Don’t Worry, He Won‘t Get Far on Foot”, Estados Unidos, 2018
Direção: Gus Van Sant

Como foi que aconteceu? Como John Callahan ficou condenado a uma cadeira de rodas por toda a vida?
Joaquin Phoenix, fazendo o irreverente cartunista, com o talento camaleônico de sempre, conta sua própria história no grupo terapêutico que frequenta, sob o comando de Donny (Jonah Hill, ótimo), seu “coach” de vida:
“- Acordei e ainda estava bêbado da noite anterior, no último dia em que andei. ”
Aquele cara ruivo, 21 anos, de óculos, com uma camisa estampada, jeans e chinelos, vai correndo até a loja de bebidas. Não podia ficar sem. O álcool o controlava.
À noite vai a uma festa e conhece Dexter (Jack Black), um gordo de bigode que o convence a ir para outra festa, onde os dois já bêbados, bebem mais ainda. No Volkswagen azul, Dexter ao volante, vomita pela janela.
Param num parque de diversões mas não param de beber. Dentro do carro, os dois dormem e o carro anda em zigue-zague.
“ - E foi assim. Dexter confundiu um poste com uma saída e batemos a 145 milhas por hora. ”
John foi para a UTI, quase morreu e Dexter saiu sem um arranhão.
“- Teve sorte “, diz o médico que não poupa John de ficar sabendo de todos os detalhes de sua péssima situação.
Ele tem uma história triste que conta no grupo com humor amargo:
“- Sei três coisas sobre minha mãe: era ruiva, irlandesa-americana e não me queria. “
Foi longo o caminho que John Callahan teve que percorrer para aceitar sua condição de tetraplégico com colostomia, que dependia de um cuidador para tomar banho e todo o resto.
E, além disso, foi duro admitir que era um alcoólatra, conseguir executar os 12 passos dos Alcoólicos Anônimos e livrar-se dessa dependência.
Ajudou-o seu espírito curioso e não convencional e um olhar irônico sobre a vida. Numa das cenas, ele anda pelas ruas, como sempre, acima da velocidade permitida em sua cadeira de rodas elétrica e cai. Um grupo de jovens o ajuda a levantar e veem um desenho dele onde cowboys a cavalo olham uma cadeira de rodas vazia em pleno deserto. Um deles diz:
“- Não se preocupem. A pé ele não vai longe. ”
Essa frase tornou-se o título de sua autobiografia, na qual o diretor Gus Van Sant se inspirou para o roteiro do filme. Contada em idas e vindas no tempo, a história desse homem incomum, que morreu em 2010, faz a gente pensar no que ele não tinha e no que nós temos e nem valorizamos.
E John Callahan teve também um anjo sueco em sua vida, Annu (Rooney Mara) que o ajudou a desenvolver e a expressar a parte delicada de sua alma.
Um filme comovente e nada patético.


domingo, 23 de dezembro de 2018

Bird Box




“Bird Box”- “Às Cegas”, Netflix, 2018
Direção: Susanne Bier

A sobrevivência é algo precioso para os seres vivos. Para nós, humanos, entretanto, existe uma saída trágica dessa vida através do suicídio. Que é sempre um enigma.
Pois “Bird Box” trabalha justamente o medo paralisante, o terror e o fim do terror através da morte, preferida à visão de algo extremamente perturbador. Esse algo provocaria o surto psicótico que leva ao suicídio.
O que é esse algo? O que ameaça e faz as pessoas se matarem? Não sabemos e não saber é um estado de sofrimento que vai se instalar ao longo do filme.
No começo, as irmãs Malorie (Sandra Bullock) e Jessica (Sarah Paulson) a pintora e a criadora de cavalos, não dão muita atenção ao que a TV está mostrando. Pessoas estão se matando na Rússia. Há uma epidemia de suicídios pelo mundo.
Mas Malorie tem uma consulta com a médica obstetra e Jessica larga tudo para acompanhá-la. Está preocupada com a apatia da irmã que não dá sinais de estar ligada em seu estado. Há algo de negação e de repúdio à gravidez não desejada e fruto de uma relação que não vingou.
A médica tenta alertá-la e até propõe o caminho da adoção, já que talvez Malorie não tenha nascido para ser mãe.
Já na saída do hospital as irmãs veem uma moça batendo a cabeça no vidro do corredor. Realizam rapidamente que a epidemia de suicídios tinha chegado. Nas ruas, carros batem, capotam, atropelam pessoas. Gente correndo sem rumo. Pânico.
Jessica, que está dirigindo o carro naquela rua cheia de gente enlouquecida, vê algo e põe o carro em situação de perigo. Malorie não consegue despertá-la de um estranho estado. Capotam mas sobrevivem. Quando Jessica olha Malorie com um olhar vazio e se deixa atropelar por um caminhão, é o nosso primeiro grande susto.
Malorie consegue ajuda e se refugia numa casa levada por um homem (Trevante Rhodes), não sem antes ver enlouquecer uma mulher que também vinha na sua direção. O marido dela (John Malkovich) assiste a tudo sem poder fazer nada.
O filme vai alternar dois cenários e dois tempos: a casa trancada e com as janelas vedadas, onde se refugiam algumas pessoas e o rio, onde, cinco anos depois, Malorie vai tentar sobreviver com duas crianças num barco a remo, com vendas nos olhos. Leva consigo uma caixa com pássaros porque eles sinalizam a presença do perigo ameaçador de que fogem. Este fato dá nome ao filme e também passa a ideia de confinamento a que os personagens estão condenados, já que não podem sair ao ar livre sem vendas e, assim mesmo, se arriscando à tentação de querer ver o que causa o perigo de morte.
Sandra Bullock, 54 anos, que já ganhou um Oscar de melhor atriz por “Um Sonho Possível” de 2009 e atuou em “Gravidade” de 2013, dirigida por Cuarón, está brilhante no papel de uma pessoa apática que passa a dar valor à vida e a sentir-se ligada, com todas as suas forças, ao objetivo de sobreviver com as duas crianças.
Susanne Bier, diretora dinamarquesa, 58 anos, levou o Oscar de melhor filme estrangeiro com “Em um Mundo Melhor” de 2010. Ela consegue passar o clima de suspense e terror na medida certa em seu filme. O roteiro de Eric Heisserer (“A Chegada”) é uma boa adaptação do livro de Josh Malerman, dizem os que leram o livro.
Agora, quem não gosta de ver sangue e assassinatos, nem de sentir ansiedade, melhor pular essa produção da Netflix. Uma pena porque vão perder um filme muito interessante. Aos outros, eu recomendo vivamente.


sábado, 22 de dezembro de 2018

O Retorno de Mary Popkins




“O Retorno de Mary Popkins” - “Mary Popkins Return”, Estados Unidos, 2018
Direção Rob Marshall

Talvez não seja um filme para as crianças de hoje em dia. Mas certamente continua encantando uma geração que viu o original com Julie Andrews, em 1964, no papel da babá mágica e com espirito de aventura, que rendeu à atriz seu primeiro Oscar.
Quanto precisamos agora dessa mensagem de esperança, de que tudo é possível e de que as perdas não são aquilo que pensamos quando estamos deprimidos, mas a oportunidade de procurar as coisas perdidas no nosso coração.
A história se passa em Londres, durante o período da Grande Depressão, anos 30, no qual uma família está a um passo de perder a casa onde moram na rua das Cerejeiras.
Bem Wishaw é Michael Banks, viúvo recente e pai de três crianças, deprimido e endividado. Seus filhos, Annabel (Dixie Davis), John (Nathanael Saleh) e Georgie (Joel Walters), também sentem a falta da mãe, embora tenham a tia Jane (Emily Mortimer), irmã do pai e Ellen (Julie Waters), a empregada que os adora.
As coisas chegaram a tal ponto que falta comida na despensa e as crianças vestem roupa suja.
É então que vem literalmente do céu, com sua sombrinha voadora, a ex babá do pai e da tia, que não envelheceu um dia sequer.
Com ela, as crianças vão entrar na linha e começar a experimentar o afeto e a magia que o pai e a tia tinham vivido com Mary Poppins (Emily Blunt), anos atrás.
O filme é um musical e tem números de dança e canto muito bem executados por Lin Manuel-Miranda, o acendedor de lampiões e Emily Blunt, charmosa e com voz afinada, apoiados por coro e coreografias que incluem outros personagens.
Meryl Streep, por exemplo, participa de uma única canção mas ela é uma craque e consegue divertir a plateia como a russa Topsy, prima de Mary Poppins, que faz consertos em tudo, coisas grandes e pequenas.
Colin Firth é o mal intencionado Presidente do Banco que quer tirar a casa dos Banks e Dick Van Dyke é seu tio, afastado por causa da idade, que faz um retorno aos 92 anos, emocionando a todos, dançando em cima da mesa.
Com surpresa, vemos Angela Lansbury, aos 93 anos, cantando e vendendo balões mágicos no parque, que bem escolhidos, fazem a pessoa voar.
“O Retorno de Mary Poppins” é para gente que ainda tem boas lembranças de sua própria infância no século XX. Para os demais vai soar antigo demais.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Aquaman



“Aquaman”- Idem, Estados Unidos, 2018
Direção: James Wan

Em uma noite de tempestade, o faroleiro Tom (Temuera Morrison) enxerga, em meio aos raios e ondas do mar, algo que parece um corpo, jogado nas pedras. Ele desce até a praia e se depara com uma bela mulher vestida de escamas prateadas (Nicole Kidman) que ele leva nos braços para casa. Lá ele fica conhecendo a história dela. É a Rainha Atlanna, que fugiu de um casamento arranjado pelo pai.
Os dois se apaixonam e tem um bebê, que vão chamar Arthur, como o Rei das histórias de cavalaria. Mas um dia, soldados vem buscá-la e ela vai para o fundo do mar para que Tom e Arthur sejam poupados.
E vemos o menino crescer forte, moreno, junto ao pai. Um dia, quando Arthur ainda era pequeno, num passeio ao aquário com a escola, se deparando com o mundo aquático atrás do vidro, fica encantado com os peixes.  Isso é motivo para um grupinho de alunos mais velhos caçoarem dele e mesmo empurrar Arthur. E o inesperado acontece.
Um enorme tubarão investe contra o vidro com muita força e várias vezes. Quer proteger o menino.
Todos se assustam porque parece que a parede de vidro vai se quebrar. Mas Arthur levanta a mão e a fúria se acalma. O tubarão fica dócil como um peixinho. Todos ficam se perguntando quem seria aquele menino.
E, como ele é filho da Rainha Atlanna, Vulko (Willem Dafoe), conselheiro real, vem do reino de Atlante para ensinar tudo que ele precisa saber para ser o futuro Rei dos Mares. O menino é talentoso e adora nadar com os golfinhos mas não se interessa pelo reino de Atlantis.
São lindas as cenas em altas falésias de pedra de onde Vulko e Arthur mergulham no mar e nadam como só os atlantes sabem fazer. Muito rápido. Na praia, treinam lutas e o manejo de arpões.
O filme “Aquaman” é um delírio de imagens quando afundamos no mais profundo mar e vemos os reinos que lá existem. A imaginação criou uma fantasia com tubarões, orcas, baleias, polvos, peixes de todos os tamanhos e cores, com cavalos marinhos gigantes servindo de montaria para os guerreiros e naves com formatos e cores esplêndidas.
Os Atlantes tem olhos que enxergam no escuro do mais profundo mar onde habitam e lá vamos nós com eles, em 3D, velozmente cruzando cardumes, atravessando corais coloridos, anêmonas e águas-vivas gigantes. Isso para não falar dos monstros marinhos jamais vistos que ora ameaçam, ora ajudam o Aquaman.
Foi a Princesa Mera (Amber Heard) que o convenceu a ir até o reino que um dia será dele e conhecer o meio irmão Orm (Patrick Wilson) que também quer ser rei e vai desafiar o Aquaman, a quem chama de mestiço e bastardo, o filho mais velho da Rainha Atlanna mas fora do casamento e com um humano da terra seca.
Jason Momoa tem o físico de um viking e com um corpo perfeito, olhos faiscantes, longos cabelos e barba selvagem, é um pouco brega, comparado ao irmão elegante, sem um fio do cabelo louro fora do lugar e bem vestido com roupas prateadas. Mas o Aquaman é mais sexy.
O mesmo pensa a Princesa Mera, de pele branca e cabelos vermelhos, num belo contraste. Ela tem atitudes de uma mulher segura de si e que sabe lutar pelo que quer. Vestida com seu longo que parece uma água viva transparente, lilás e flutuante, os cabelos ostentando uma tiara de ouro, ela é a imagem da força delicada. Não hesita em enfrentar o perigo.
Aquaman que pertence à terra e ao mar, é o personagem ideal para ser a ponte entre os dois mundos e dissuadir seu meio irmão de declarar guerra à terra seca.
Um pouco longo demais, o filme é um sucesso de bilheteria, inclusive na China.
Adorei o visual do fundo do mar que me lembrou a Sapucaí, um Carnaval de formas e cores.


A Balada de Buster Scruggs




“A Balada de Buster Scruggs”- “The Ballad of Buster Scruggs”, Netflix
Direção: Joel e Ethan Coen

Um conjunto de seis histórias que se passam no Velho Oeste, com cenários grandiosos por onde circulam os homens à procura de dar sentido à sua existência, é o novo filme dos irmãos Coen. Foi premiado como melhor roteiro no Festival de Cannes.
Um livro verde, com o desenho de uma arvore morta e uma caveira de boi na capa, insinua o que vamos ver. São tempos de violência e a vida humana está sempre em perigo. Como os Coen são críticos irônicos, podemos começar a pensar que o lugar e o tempo escolhidos, de intensa selvageria, fazem uma alusão ao mundo como ele sempre foi e ainda é.
Não por acaso, o livro se abre com o desenho de um cemitério, antes da ilustração da primeira história, que dá nome ao filme,
Vestido de branco (Tim Blake Nelson), ele canta montado em seu cavalo. Ele se acha o máximo. Chega às raias da arrogância. Invencível com uma arma na mão. Não se dá conta de que vai encontrar o que procura.
Na segunda história, James Franco faz o cowboy que acha que vai ser fácil roubar aquela agência de Banco caindo aos pedaços, no meio do nada e com aquele gerente velhinho. Ele não sabe o que está para vir. Um arrogante distraído.
Na terceira história Liam Neeson vai de cidadezinha em cidadezinha apresentando um ator (Harry Melling) raro. Até o dia que a cobiça inspira uma troca e um crime.
Já na quarta história, um vale intocado e belo, cortado por um rio de águas cristalinas, vai padecer com a visita de um garimpeiro (Tom Waits) em busca de ouro. Basta aparecer um homem para tudo se complicar. A cobiça é má conselheira.
Na quinta, Zoe Kozan é uma moça sem família, numa caravana para o oeste que vai ter que tomar uma decisão difícil.
E o conjunto se fecha com “Mortal Remains”, a pitada de horror, com uma viagem de diligência que começa ao por do sol, caminhando em direção à noite e um destino certo.
As paisagens são espetaculares. O fotógrafo francês Bruno Delbonnel capta com talento o esplendor das Montanhas Rochosas na neve, a beleza das pradarias imensas onde pousam rochas enormes, os desfiladeiros estreitos e os vales verdejantes. Um apelo estético ao bom senso para a preservação da natureza e a saúde do planeta.
Quem conhece os Coen (“Fargo”, “Um Homem Sério”, “Bravura Indômita”, “Onde os Fracos não tem Vez”), sabem que eles estudam a natureza humana e não pregam moral mas mostram atos e consequências desses atos, com um humor peculiar.
Graças à Netflix podemos ver esse grande filme sem sair de casa. E revê-lo quantas vezes você quiser.


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Roma




“Roma”- Idem, México, Estados Unidos, 2018
Direção: Alfonso Cuarón

Num preto e branco que tem cinza, nácar e infinitos tons de negro, ladrilhos lavados com água e sabão abrem uma janela de luz no chão, que reflete o céu. Aquele avião, que aparece no espelho d’água, vai passar de tempos em tempos sobre aquela casa de classe média alta no distrito de Roma, Cidade do México.
Mas a janela de água de Cuarón, o diretor, produtor, roteirista, fotógrafo e editor de “Roma”, abre-se também para o seu próprio passado. Voltamos ao início dos anos 70, no México.
E convivemos com uma família: o médico Dr Antonio (Fernando Grediaga), e sua mulher Sofia (Marina de Tevira) tem quatro filhos Tonio, Paco, Sofi e Pepe, o menor, em quem o diretor se projetou, e a avó Teresa.
O casamento vai mal mas as crianças são cuidadas com carinho e doçura por Cleo (Yalitza Patricio, uma novata talentosa), que é uma mexteco, vinda do seu “pueblo”, que também cuida da casa com Adela (Nancy Garcia). As duas são amigas e moram num quarto na edícula. Acima é a lavanderia, com tanques e varais, onde as crianças também vem brincar. E o cachorro Borras late como todos os outros nos outros terraços vizinhos.
Buzinadas marcam a chegada do Ford Galaxy do Dr Antonio, que mal cabe na estreita garagem da casa.
Durante o almoço, o país se introduz com Paco, que conta que viu um menino jogar sacos de água num jeep do exército e morrer com um tiro na cabeça.
“- Que horror ”, diz Cleo que servia a mesa. É a única a se manifestar.
Depois, um longo plano sequência mostra Cleo e Adela correndo pelas ruas, rindo. Vão encontrar os namorados, Ramón e Firmin. Uma dupla vai ao cinema e Cleo e Firmin a um hotelzinho, onde Firmin, nú em pelo, faz uma demonstração de artes marciais. Ela, amorosa, o recebe na cama e engravida sem saber.
Cleo é a personagem central de “Roma”, embora esteja sempre meio de lado e quieta. É doce e ingênua. Ama as crianças da família e é amada por elas. É ela que as leva para a cama cantando no fim do dia e é ela que as acorda, cantando, para não perder a hora da escola. É como se fosse um membro da família.
Entretanto há um México violento nas conversas entre os empregados da fazenda, onde dona Sofia com os filhos e Cleo vão passar o Ano Novo. Na cozinha, falam em voz baixa sobre os que morreram, vítimas dos conflitos sobre terras. E vemos, pela janela da loja de móveis, onde estão Cleo e a avó Teresa, o massacre de Corpus Christi, como depois foi chamado, quando cerca de 120 estudantes foram mortos numa manifestação, pelo exército e as milícias.
Cleo vê com seus próprios olhos assustados, Firmin atirar num homem que entrara correndo dentro da loja. Só então se dá conta de que Firmin era da milícia e entende os treinos de artes marciais.
Cuarón introduz na história um tremor de terra, incêndio na floresta da fazenda, sinistros bichos empalhados nas paredes e a taça quebrada por Cleo. São sinais de que virá?
Não sabemos. Assim como escutamos com surpresa o menino menor, Pepe, falar de suas vidas “quando era velho” para Cleo:
“- Antes de eu nascer, você estava lá também. Eu era piloto de avião e desci de paraquedas. Outa vez eu era marinheiro num navio e não sabia nadar. Morri durante uma tempestade. ”
Reincarnação? Vidas Passadas? Fantasia?
A belíssima cena na praia com ondas ameaçadoras, faz Cleo entrar no mar, sem saber nadar, para resgatar as crianças levadas pela correnteza. Depois ela chora abraçada com elas e confessa uma culpa que estava enterrada em seu coração. Desabafa e pode voltar para casa com o olhar sereno.
Há cumplicidade entre mulheres também. Dona Sofia diz para Cleo:
“- Por mais que falem ao contrário, nós mulheres, sempre acabamos sozinhas...”
No espelho do passado de Alfonso Cuarón, Roma é Amor.
E quem fica assistindo ao filme durante os créditos descobre que a Cleo dele era Libo, a quem dedica o filme.
No final, vemos escrito na tela:
“Shanti, Shanti, Shanti”, uma palavra que vem do hinduísmo que quer dizer paz.
A mensagem é de Cuarón, idealizador desse filme raro, que já ganhou o Leão de Ouro em Veneza, tem três indicações para o Globo de Ouro, melhor filme do ano para a crítica de Nova York e Los Angeles e está na primeira lista de nove filmes selecionados para competir pelo melhor filme estrangeiro.
Muitos prêmios mais virão, com certeza.


sábado, 15 de dezembro de 2018

Colette



“Colette”- Idem, Estados Unidos, Reino Unido, 2018
Direção: Wash Westmoreland

Um gato e o chilrear de pássaros abrem a primeira cena do filme. Na cama dorme uma mocinha, na casa em Saint-Sauveur, interior da França.
“ – Acorde Gabrielle! O senhor Willy vem fazer uma visita logo mais. ”
Ela ia completar 20 anos e, não sabia ainda, mas ia se casar.
Sidonie-Gabrielle Colette (1871-1954), tornou-se uma conhecida e famosa escritora francesa, com mais de 80 livros publicados, entre eles os adaptados para o cinema, “Gigi” e “Chéri”, e a coleção sobre a personagem Claudine, inspirada nela mesma.
O filme do diretor Wash Westmoreland conta a história do casamento de Colette (Keira Nightley,encantadora) com Willy, aliás Henry Gauthier-Villars (Dominic West). Ela não tinha dote, era uma moça pobre e por isso seus pais (Fiona Shaw e Robert Pugh) preocupavam-se e torciam pelas visitas de Willy.
Mal sabiam que a filha já nascera um espírito livre, porque quando Willy se despedia, depois de falar muito sobre os prazeres em Paris, seguia para um certo galpão, onde Gabrielle aparecia para fazer amor. Ele, mais velho que ela mas atraente e um grande sedutor, encantou-se com “a menina das tranças” como ela era conhecida na região, por seu belos cabelos. Ela surpreendera Willy não só pela aparência mas pela inteligência.
Porém Colette vai se decepcionar com esse casamento. As infidelidades de Willy e o grupo de gente frívola que ele frequentava, nada disso atraia a mocinha, pouco versada nas modas e no exibicionismo dos salões parisienses na Belle Époque.
Por sua vez, as pessoas que conheciam Willy se surpreenderam com a mulher pouco sofisticada que ele escolhera para casar.
Acontece que o “bon vivant” Willy tinha hábitos luxuosos e gastava mais do que podia. Não era ele que escrevia os livros que levavam seu nome como autor mas “ghost writers”. Aliás Gabrielle descobre o segredo do marido porque eles cobravam aos gritos o que ele lhes devia.
Willy estava desesperado para encontrar alguém que escrevesse para ele. Sua mulher já se incumbia das cartas que ele só assinava, depois de copiar. Certo dia no campo, Gabrielle começa a contar suas aventuras de adolescente com a melhor amiga, com tal graça, que o marido a incentiva a escrever tais lembranças. Depois faz sugestões para apimentar o texto, tornando-o mais ao gosto dos homens da época.
Os livros de “Claudine”, assinados por Willy, fizeram muito sucesso e Gabrielle começa a perceber o outro lado do marido, um narcisista egoísta e mulherengo.
Bem, Colette vai nascer da raiva contida com que Gabrielle tivera que aguentar os desmandos do marido. Mas não por muito tempo. De submissa e discreta, Gabrielle vira Colette, dona de seu próprio nariz, sua sexualidade e seus livros. Ditou moda, fez teatro e causou escândalo com seu caso com Missy (Denise Gough), a marquesa de Bellbeuf, seu grande amor.
O filme tem a espetacular Keira Knightley como Colette, um papel no qual ela brilha, simpática e irreverente. Belos figurinos e produção de arte requintada, aumentam o atrativo de “Colette”, a história de uma passagem na vida de uma mulher que estava adiante de seu tempo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

O Homem que não Vendeu sua Alma




“O Homem que não Vendeu Sua Alma “ -  “A Man for All Seasons”, Reino Unido, 1966
Direção: Fred Zinnermann

Ele foi um homem raro. Sir Thomas More nasceu em 7 de fevereiro de 1478 e morreu em 6 de julho de 1535, aos 57 anos. Viveu na Inglaterra durante o reinado de Henrique VIII de quem foi conselheiro e chanceler.
Educado para ser padre, estudou no mosteiro de Canterbury por 4 anos. Foi um homem profundamente religioso por toda sua vida mas decidiu estudar Direito em Oxford. Não tinha vocação para padre. Foi advogado brilhante, político, escritor e humanista respeitado por toda a Europa.
Quando começa o filme, Sir Thomas More (Paul Scofield) é chamado para conversar com o chanceler, Cardeal Wolsey interpretado por Orson Welles, magnífico em sua roupa de seda vermelha e colar de ouro de chanceler. Já percebemos, no diálogo entre eles, o caráter íntegro de More e sua posição contrária ao rei Henrique VIII que queria divorciar-se de Catarina de Aragão e casar-se com Ana Bolena (Vanessa Redgrave).
Ora, More entendia que o único que poderia conceder o divórcio ao rei seria o Papa. E tal não era a intenção do Bispo de Roma.
Mesmo assim, o rei (Robert Shaw) nomeia More seu chanceler, talvez pensando que assim conseguiria sua aprovação.
A cena do filme na casa de Sir Thomas More, quando o rei chega de barco para jantar, tem um diálogo entre eles no jardim, que mostra um rei cheio de vitalidade, dizendo-se amigo de More e certo de sua anuência ao divórcio. Mas, frente à posição firme do chanceler, nem sequer se digna a entrar na casa onde o esperam a mulher de More, Lady Alice ( Wendy Hiller) e a filha Margareth ( Susannah York).
More renuncia ao cargo de chanceler em 1532 e não compareceu ao casamento do rei com Ana Bolena. A essas alturas, Henrique VIII se desligara da Igreja Católica de Roma, e se dera o título de chefe da Igreja Anglicana.
Essa recusa em aceitar o novo casamento custará a vida de Sir Thomas More. As cenas de seu julgamento no filme são muito bem dirigidas, com diálogos que mostram a lucidez e até o bom humor de More que não arreda um passo de suas convicções.
Em 1886 Sir Thomas More foi beatificado pela Igreja Católica, por decreto do Papa Leão XIII e foi canonizado em 1935 pelo Papa Pio XI. João Paulo II declarou-o “Patrono dos Estadistas e Políticos”.
O filme foi o mais premiado de 1967. Ganhou 6 Oscars: melhor filme, direção, fotografia, figurino, ator (Paul Scofield) e melhor roteiro adaptado.
Imperdível, principalmente em tempos conturbados que vivemos nos quais sofrem a moral e a política.


domingo, 9 de dezembro de 2018

Maria Callas - Em Suas Próprias Palavras




“Maria Callas – Em Suas Próprias Palavras”- “Maria by Callas”, França, 2017
Direção: Tom Volf

Os aplausos no final da sessão são a reação espontânea da plateia a esse documentário sobre Maria Callas, uma lenda da ópera do século XX.
Dirigido pelo francês Tom Volf, ator e diretor, deixa a própria Maria falar. As palavras que precedem o documentário ilustram o que vamos ver nas imagens, tanto as tão conhecidas como outras que vamos descobrir aqui:
“- Há duas pessoas dentro de mim...nunca fiz nada com falsidade... descobrirão a mim inteira no que faço.”
A câmera de TV nos mostra Maria em preto e branco nessa entrevista em inglês em 1958. Bela e majestosa fala de si mesma com reserva mas sem timidez e conta como é difícil um artista ser feliz. Principalmente para alguém como ela que se dedicou tanto à carreira.
A vida alternativa que ela não viveu a assombra como um fantasma:
“- Teria preferido ter filhos e uma casa. Mas destino é destino. Não se pode fugir. ”
Uma ambição de viver a vida no palco, a Callas, se alterna com Maria, principalmente nas cartas que ela escreve aos amigos, lidas com emoção por Fanny Ardant, atriz que a interpretou no cinema em “Callas Forever” de 2002 dirigido por Franco Zeffirelli.
O “bel canto” jamais foi melhor encarnado do que nessa voz divina e trabalhada com afinco na técnica, aliada a uma interpretação única das heroínas das óperas que ela cantava. Ela foi tão grande soprano quanto foi atriz nos palcos do mundo.
A americana, nascida em Nova York em 2 de dezembro de 1923, segue para a Grécia com a família durante a Segunda Guerra. Lá ela, que tocava piano desde os 8 anos, vai aprender com Elvira Hidalgo a usar sua voz:
“ - Com aquela boca, aqueles olhos que falavam, quando a vi pensei: essa vai ser alguém. “
E as imagens mostram que sua figura mudou ao longo dos anos. Sobrancelhas grossas afinaram, o nariz foi remodelado com maestria, a cintura se estreitou e a voz cresceu, límpida e potente.
Todas as salas importantes a receberam com ovações.
Mas também vemos a chegada da “pior noite” de sua vida, em 1958, quando a “Norma” foi interrompida em Roma com o teatro lotado, inclusive o Presidente da Itália:
“- Arrastaram meu nome na lama. Eu estava sem voz. No dia seguinte meu linchamento começou. “
Mas são tantas as imagens inesquecíveis. Ela de negro e camélias no cabelo na “Traviata”. Passeando no jardim à beira do lago na casa que o marido Battista Meneghini comprou para ela. Nos inúmeros aeroportos, sempre elegante, vestida com peles e levando seu cãozinho Toy. De veludo negro e um broche deslumbrante cantando sedutora “L’amour est un oiseau rebelle” da “Carmen”. De vermelho e diamantes e a “Casta Diva”. À beira da piscina, consciente da câmera que a observava, não esconde um olhar triste.
E a mulher brilhante, queimada de sol e feliz com Aristóteles Onassis, o grande amor de sua vida, no verão de 1964 na Grécia:
“- Eu o amei profundamente. Me sentia muito feminina com ele. “
“La Divina” vai sofrer no fim de sua vida mas foi amada e ainda o é por pessoas que só ouviram sua voz em discos, depois de sua morte em Paris, aos 53 anos.
“- Tive a sorte de ter algo em mim que eu podia dar para o público. “
E nos acordes finais de “O Mio Babbino Caro” deixamos o cinema com lágrimas nos olhos.
Belíssimo!


sábado, 8 de dezembro de 2018

A Vida em Si




“A Vida em Si”- “Life Itself”, Estados Unidos, 2018
Direção: Dan Fogelman

Estranhamos o início do filme.
Um narrador (Samuel L. Jackson) fala de heróis e do último álbum de Bob Dylan. Aparece um rapaz gay de 25 anos e... Como? Ah! Era um roteiro que foi descartado por Will (Oscar Isaac), que está fazendo terapia com Annette Bening.
Ainda não entramos na história que vai ser contada, por outra narradora, e que, não se assustem, terá cenas de ficção misturadas com as verdadeiras. É a tese do narrador “não confiável” que, por várias razões, conta uma versão diferente do que se passou na realidade. Mas isso só vai acontecer na primeira parte do filme, ou melhor, primeiro capítulo.
Will está muito deprimido. Barba selvagem, olhar perdido, boné enfiado na cabeça.
Na sessão, a terapeuta trabalha as lembranças dele. Ele conta algumas verdadeiras e outras encobridoras da realidade, muito difícil de suportar. Ficamos sabendo que estivera internado e toma remédios fortes que mistura com bebida.
Fala pela primeira vez sobre sua mulher Abby (Olivia Wilde), que o abandonou, grávida.
“- Você tentou falar com ela depois disso? “
Vemos cenas do casal na cama com o cachorro. Abby insiste que Will ouça com atenção o disco de Bob Dylan, que ela adora. Will nem tanto. Ele adora ela, que é linda, loura e está grávida de 8 meses.
Voltam outras lembranças de como se conheceram e se casaram. Ela quer um cachorro e filhos depois:
“- Meus pais morreram muito jovens. Eu tinha 6 anos. Não sei se vou ser boa mãe...”
Começamos a perceber que algo muito trágico acontecera com os pais de Abby. E que poderá acontecer algo muito trágico também com ela e com Will. E acontecem acidentes, suicídio, abuso de crianças órfãs. Mortes e nascimento.
Dan Fogelman é o diretor e roteirista de “A Vida em Si” e o criador de “This is Us”, uma série de sucesso. Parece que ele se saiu melhor na série porque o filme tem muitos personagens, idas e voltas e surpresas terríveis e abruptas. Tudo muito condensado. Não dá tempo para o público se refazer de um trauma e logo acontece outro. É a vida. Mas teria que ter mais tempo e mais recheio.
O filme conta em cinco capítulos a história de uma família através de quatro gerações, nos Estados Unidos, Nova York e Espanha, Andaluzia. Os cenários são belíssimos, especialmente nos olivais andaluzes e os atores se saem bem, com destaque para Olivia Wilde e Oscar Isaac. Annette Bening também. São os atores da primeira parte do filme, os que tem mais tempo na tela.
Os outros, como Olivia Cooke que faz a filha de Abby e Will, ou como os da história do triângulo amoroso do terceiro e quarto capítulos que envolvem a família Gonzalez (Antonio Banderas, Laia Costa e Sergio Peres-Mencheta) e o menino Rodrigo (Alex Monner), não tem tempo de marcar seus rostos e emoções. Tudo muito apressado. Daria um outro filme.
Conclusão, para fazer um bom filme não basta um bom roteiro e excelentes atores. O público tem que ter tempo para se envolver com os personagens. Aqui isso só é conseguido no primeiro capítulo.
Pena, porque poderia ser um filme interessante se o diretor e roteirista decidisse qual história ele quer contar e focasse nela.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Perfume de Mulher



“Perfume de Mulher”- “Scent of a Woman”, Estados  Unidos, 1992
Direção: Martin Brest

Um tenente-coronel ranzinza, aposentado por cegueira, vivia esquecido num quartinho dos fundos do quintal na casa da sobrinha.
Até o dia em que ela vai viajar num feriado e contrata um jovem estudante do Colégio Baird, uma escola para meninos ricos, para ficar como companhia para o tio, durante sua ausência. Ele precisava do emprego. Charles Simms (Chris O’Donnel) tinha uma bolsa de estudos porque era aluno brilhante mas sua família nunca poderia pagar esse colégio. Nem uma faculdade para ele.
O coronel Frank Slade (Al Pacino) era um osso duro de roer. Arrogante e mandão, convence o jovem que é dessa vez que ele vai realizar um sonho: ir para Nova York, hospedar-se num hotel de luxo, jantar num restaurante chic, visitar a família, arranjar uma bela mulher e botar uma bala na cabeça.
E confidencia a Charles que adora mulheres e, se agora só sente o cheiro delas, no passado fora um amante raro. Charles escuta o coronel entre perplexo e compassivo. E o coronel acrescenta que, na lista de coisas melhores da vida, em segundo lugar vinha uma Ferrari.
E lá se vão os dois, de primeira classe, no avião para Nova York. E o coronel regado a uísque.
O Waldorf Astoria foi o palácio que Frank escolhera e que será a casa deles durante o fim de semana. Vestidos em ternos novos, vão jantar no Oak Room.
No dia seguinte, uma limusine os espera para ir ao almoço do Dia de Ação de Graças na casa do irmão. Mas essa visita não corre como o esperado pelo coronel. Charles percebe que a família está longe de gostar do jeito de Frank e descobre algo nada heroico sobre sua cegueira.
Mas Charlie também tem problemas. Precisa decidir sobre sua conduta na reunião que vai acontecer quando voltar a Baird. O diretor da escola, exposto ao ridículo por uma brincadeira de mau gosto por colegas de Charlie, exige que ele entregue os nomes. Ora, delatar não combina com Charles que é leal. Mas o diretor fora bem claro. O futuro dele ia depender do que escolhesse fazer.
Na verdade, os bons princípios de Charles, que o levam a compreender as angústias do ex coronel e a ajudá-lo, são os mesmos que o impedem de delatar seus colegas.
O filme do diretor Martin Brest baseou-se no roteiro de “Profumo di Dona” de 1974, com Vittorio Gassman e direção de Dino Risi. Mas os dois filmes são bem diferentes. No italiano, o personagem está apaixonado mas a cegueira o impede de declarar-se à amada. No americano, o jovem que tem lealdade como lema, vai encontrar em Frank um pai substituto e conscientizar o coronel que ele tem talento para viver a vida.
Aliás a cena do tango, ao som de “Por una Cabeza” é exclusividade do filme de Al Pacino. Ele seduz todas as plateias com sua interpretação que lhe valeu seu único Oscar de melhor ator, depois de seis indicações. Al Pacino é o filme.


terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Utoya - 22 de Julho



“Utoya - 22 de Julho”- “Utoya - 22 Juli”, Noruega, 2018
Direção : Erik Poppe

No dia 22 de julho de 2011, na ilha de Utoya, 500 adolescentes, membros da liga jovem do Partido Trabalhista da Noruega, estavam num acampamento e divertiam-se, alheios aos acontecimentos da manhã, em Oslo. Ainda não sabiam do ataque ao centro de Oslo, com explosivos. Havia destruição e vítimas. Mas ninguém sabia quem era o responsável.
Kaya (Andrea Berntzen), 19 anos, atende o celular e é sua mãe preocupada com as filhas em Utoya, ilha próxima a Oslo. E conta sobre o ataque ocorrido. Pede que procure a irmã menor (Elli Rhianon Muller Osbourne).
Kaya a encontra no acampamento mas ela sai sem aceitar o convite para ficar com a irmã. A garota reúne-se então com os amigos e comentam sobre o ataque em Oslo. Sentem-se protegidos na ilha.
É então que ouvem o que parecem ser tiros, vindos da floresta. E aparecem muitos jovens correndo, procurando abrigo no edifício principal. Kaya vai com eles mas logo pensa na irmã e segue em direção à floresta. E começa o pesadelo.
Durante 72 minutos, Kaya corre através da ilha, dando de cara com muitos estudantes escondidos em pequenos grupos, aterrorizados e por outros que corriam em direções opostas, tentando se proteger dos tiros. Ninguém sabia o que estava acontecendo. Mas o horror está explícito nos rostos deles. E pior, muitos já estão mortos e seus corpos jazem entre as árvores da floresta.
A câmera segue Kaya e mostra o que ela vê.
Procura desesperadamente pela irmã e refugia-se nos rochedos da praia. Mas ela não permanece num mesmo lugar como muitos outros. Corre às cegas, muitas vezes caindo e encontrando outros, que ela ajuda como pode.
Quando a polícia aparece num bote à distância, a figura sombria do atirador surge de relance. Em 72 minutos ele assassinara 69 estudantes, 77 pessoas no total e ferira mais de uma centena.
Ficamos sabendo pelos letreiros finais que o terrorista era um norueguês de extrema direita, cristão fundamentalista e anti-islâmico.
O diretor norueguês Erik Poppe de “Mil Vezes Boa Noite”, quis criar realismo, filmando em cinco dias consecutivos sequências de uma só tomada, que reunidas depois dão a impressão de uma longa tomada sem cortes.
O roteiro baseou-se em depoimentos de pessoas que viveram o ataque à ilha mas a personagem Kaya e todos os outros são ficcionais.
A Netflix lançou uma produção sobre o mesmo tema dirigida por Paul Greengrass, cineasta britânico de “Voo United 93”e “Capitão Phillips”, comentada nesse blog. Mas são filmes diferentes.
“22 de julho” é como se fosse um documentário e segue o atirador desde os preparativos iniciais até seu julgamento e prisão. Neste filme fica mais claro quem é o terrorista Anders Behring Breivih, que matou a sangue frio e no julgamento disse que faria tudo outra vez.
Erik Poppe, o diretor norueguês, quis homenagear os jovens de Utoya e foi mal compreendido por parte da crítica que tachou seu filme de voyeurismo sádico.
Já Paul Greengrass quis denunciar o seguidor de uma organização de extrema-direita, radical, cruel, “Os Cavaleiros Templários”. E apontou para o perigo da disseminação dessas ideias ultranacionalistas, homofóbicas, anti-feministas e favoráveis à eugenia, defendida pelo nazismo.
Os dois filmes, cada um à sua maneira, alertam para os tempos terríveis em que estamos vivendo.

domingo, 2 de dezembro de 2018

As Viúvas




As Viúvas” - “Widows”, Estados Unidos, 2018
Direção: Steve McQueen

Uma furiosa perseguição de carros noturna é o pano de fundo para apresentar quatro mulheres casadas. Elas vão ficar viúvas mas ainda não sabem.
Verônica Rawlins (Viola Davis) é apaixonada pelo marido branco e bonito, Harry (Liam Neeson). Estão na cama fazendo amor.
A morena latina Linda Perelli (Michelle Rodriguez) tem uma loja, três filhos e um marido ausente.
Alice (Elizabeth Debicki), branca, bonita, alta e loura tem um olho roxo e foi o marido (Jon Bernthal) que bateu nela.
A última a aparecer é Amanda (Carrie Coon), uma mulher jovem com um bebê no colo.
A perseguição chega ao fim. Encurralados num galpão, os ocupantes da van trocam tiros com a SWAT até que, de repente, tudo pega fogo. Não há sobreviventes. Não sobrou muito dos assaltantes. Os funerais são com o caixão fechado.
Mas as viúvas não vão poder ficar chorando seu luto. Porque a ameaça que vem bater à porta de Verônica, é séria. O dono do dinheiro roubado e queimado, Jamal Mannin (Brian Tyree Henry) quer tudo de volta. E maltrata a cachorrinha Olivia como sinal de que não está brincando. Ela tem um mês para devolver dois milhões de dólares.
Verônica, que nada sabia sobre o roubo, vai ter que ir atrás das pistas que o marido deixou para conseguir sobreviver. Convoca as outras para executar um plano.
Alice e Linda topam. Amanda não quer saber de se arriscar. Então Belle (Cynthia Erivo) vem se juntar a elas e dar força ao grupo.
E elas partem para a luta.
As Viúvas” é um filme que tem ação, roteiro bem escrito, ótimo elenco e, principalmente, mostra mulheres que encaram o perigo e o desconhecido com coragem e competência. Os maridos não deixaram nada para elas, além das consequências do roubo frustrado. Vão ter que se virar. Treinar para fazer melhor o que os maridos não conseguiram.
O diretor Steve McQueen de “Shame” 2011 e “12 Anos de Escravidão” 2013, com o qual tornou-se o primeiro negro a ganhar o Oscar de melhor filme, é um craque para contar histórias envolventes.
O roteiro escrito pelo diretor em parceria com Gillian Flynn, a autora do livro e roteirista do filme “Garota Exemplar”, fala de mulheres deixadas de lado, indefesas, que tem que pagar pelo que seus maridos fizeram. Mas elas não se abatem e tentam virar o jogo, num mundo de homens poderosos.
Temas como racismo, envolvendo o assassinato de garotos negros pela polícia, políticos corruptos (Robert Duvall e Colin Farrel) e pastores manipuladores, tem bom espaço no roteiro. Daniel Kaluuya, nomeado para o Oscar no ano passado, faz uma ponta assustadora com talento.
Enfim, “ As Viúvas” é ótimo entretenimento, tanto para os que gostam de ação quanto para os que apreciam reviravoltas num enredo inteligente e momentos de reflexão.
Já é um dos melhores filmes do ano.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Infiltrado no Klan




“Infiltrado no Klan”- “BlacKKKlasman”, Estados Unidos, 2018
Direção: Spike Lee

É uma comédia. Mas só até ficarmos horrorizados com o que vamos descobrindo. Daí passamos a pensar seriamente sobre as questões que envolvem o racismo, não só nos Estados Unidos mas em toda parte onde vemos essa atitude crescendo e assustando. A intolerância e o preconceito, de mãos dadas, fazendo notícia.
A história que vai ser contada no filme é real. O negro Ron Stall Worth (John David Washington, filho de Denzel) foi o primeiro policial dessa cor nos anos 70 no Departamento de Polícia de Colorado Springs. Ao aposentar-se, escreveu o livro que serviu na adaptação para o cinema.
Ele sempre sonhou em ser policial mas detestava o trabalho de rotina que lhe deram nos arquivos da delegacia, meio para escondê-lo. Até entre os policiais, seus companheiros, havia racismo. Resolveu então tomar a iniciativa, depois de conhecer uma ativista do movimento “Black Power”, cópia de Angela Davis, interpretada por Patricia Harrier.
Ron quer ser detetive. Ao se deparar com um anúncio de recrutamento do Kukluskan no jornal local, telefona e se faz passar por um branco ariano que detesta negros e judeus, caindo logo nas graças do membro da Organização, como eles gostam de ser chamados, por motivos óbvios.
O chefe de Ron topa a investigação que ele propõe e entra no circuito o policial branco e judeu, Flip  Zimmerman (Adam Driver), que se faz passar por Ron nos encontros cara a cara com os membros da Organização, inclusive o próprio Chefe, conhecido como diretor nacional, David Duke (Topher Grace).
Se fossem descobertos, estariam mortos. Mas conseguem desbaratar o que seria um ato de terrorismo do Klan.
Sabemos que o diretor é ativista do movimento anti-racista nos Estados Unidos. Em todos os seus filmes ele faz lembrar desse tema mas nunca foi tão contundente quanto nesse “Infiltrado no Klan”. E o momento político nos Estados Unidos é propício para que uma reflexão séria seja feita.
O filme, que ganhou o Grande Prêmio do Júri em Cannes, termina mostrando a realidade cruel da violência e da intolerância, com cenas dos acontecimentos de 2017 em Charlottesville, que todo mundo viu na televisão.
O filme de Spike Lee é mais do que oportuno. É obrigatório.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

O Grande Circo Místico




“O Grande Circo Místico”, Brasil, 2018
Direção: Cacá Diegues

Tudo começou em 1910 quando o cometa Halley passava pelos nossos céus, trazendo pânico e comoção.
Naquele casarão da família Knieps, o patriarca (Antonio Fagundes) morre, enquanto sua amante, a Imperatriz Teresa, exilada no Brasil, satisfaz o desejo de seu filho bastardo Frederic Knieps (Rafael Lozano), dando-lhe de presente um circo.
O exótico pedido foi concedido a Fred que, encantado, deu o circo à sua amada Agnes, na verdade Beatriz, já que ela adotara o nome de sua mãe, que era a mulher-bala, no circo onde abandonou a filha.
A bela Beatriz (Bruna Linzmeyer), olhos azuis e corpo sensual, era dançarina contorcionista e tornou-se um dos atrativos do Grande Circo Místico. Em meio às suas elaboradas posições, as pedras que adornavam seus véus tilintavam e brilhavam à luz dos refletores.
Mas a pobre Beatriz morre no parto em pleno picadeiro, iniciando assim uma série de mulheres malfadadas. Sua filha Charlotte (Marina Provenzzano) herda o circo mas não é amada como fora sua mãe. O mímico bem dotado casa com ela por interesse (Vincent Cassell), a trata mal, tem outras mulheres e dissipa sua fortuna.
Eles tem dois filhos e a bailarina Clara é a primeira sábia deserção. Ela decide ir para o Rio e tornar-se artista de televisão, largando o circo com o irmão Oto. Não sem antes dançar ao som da música dela, cantada por Chico Buarque e coro de crianças, num belo e inspirado momento.
É nesse momento que percebemos a presença de Celavi (Jesuita Barbosa), com um nome que é a pronúncia em francês de “c’est la vie”, e é um personagem que não envelhece e tem humor em suas falas. Ele é o mestre de cerimônias do circo e testemunha os infortúnios que sofrem as cinco gerações da família Knieps até o século XXI.
A última e mais profunda sofredora é Margarete (Mariana Ximenes), filha de Oto e de uma cantora drogada, que abandona a filha bebezinha. Ela quer ser freira mas o pai é contra essa ideia, já que é uma trapezista admirável. Margarete elabora então uma estranha vingança.
Cacá Diegues, cineasta e membro da Academia Brasileira de Letras se disse encantado desde a juventude pelo poema de Jorge de Lima, escrito em 1930, e que o inspirou a fazer o filme.
Belíssimo em certas passagens, como aquela da entrada em cena de Beatriz (com a voz de Milton Nascimento cantando seu tema, uma das músicas que Chico Buarque e Edu Lobo compuseram para o balé de 1983, do mesmo nome do poema e do filme), em seu todo o filme perde em ritmo e clareza, confundindo o espectador. A fotografia de Gustavo Hadba cria cores e luzes fascinantes que distraem mais do que a história que está sendo contada.
“O Grande Circo Místico” se desfaz diante dos nossos olhos não só em sua decadência mas na falta de interesse.  O final é tecnicamente perfeito mas de mau gosto, longo demais, com as gêmeas nuas e rindo sem parar.
Fica a sensação de que a família dona do circo se especializou em ser infeliz, especialmente as mulheres. O circo teria sido uma espécie de presente de grego da Imperatriz para o filho bastardo. Uma maldição.
Pena. Cacá Diegues, que já nos deu filmes como “Bye Bye Brasil”, se perdeu no filme que vai representar o Brasil no Oscar. C’est la vie?

domingo, 18 de novembro de 2018

Um Segredo em Paris





“Um Segredo em Paris”- “Drôle d’Oiseaux”, França, 2018
Direção: Elise Girard

É inverno em Paris e as árvores mostram seus galhos sem folhas. Uma moça bonita de uns 25 anos, vestida toda de negro, o que realça sua pele muito branca e cabelos ruivos, atravessa a ponte sobre o Sena. Ouvimos o grito das gaivotas.
Entra num café, tira uma caneta da bolsa e escreve num caderno. Em “off” ouvimos suas impressões sobre Paris: “... é grande mas menor do que eu pensava... dá para fazer toda ela a pé se alguém quiser...gosto muito das fachadas dos grandes edifícios...” Ela quer ser escritora.
De noite a vemos lendo, deitada no sofá do apartamento da amiga que a hospeda ( Virginie Ledoyen ), com seu gato Jacques. Mas o barulho enlouquecedor da transa no quarto de Felícia, a incomoda e ela sai para andar pelas ruas.
Olha uma estátua, a rua, o Sena que brilha, mas seus olhos parecem não ver. Perdida em seus pensamentos, leva um susto quando uma gaivota cai morta a seus pés. O que aconteceu? Mistério.
Dia seguinte, descobre um anúncio no café, no qual oferecem um emprego numa livraria. Lá, ela espera mas como ninguém aparece, sai. Logo volta porque a amiga continua na cama, com seu amor louco.
E quando a vemos de novo já está empregada, por um senhor de cabelos brancos, passado dos 70, mas elegante e ainda uma bela figura. Ela ocupa o pequeno sótão acima da livraria e recebe envelopes com bastante dinheiro das mãos do patrão. De onde vem aquele monte de notas? Ninguém compra livros ali...Outro mistério.
Esses dois personagens, nada comuns, vão se aproximar através de longos silêncios partilhados em passeios no carro dele, descobrindo vistas sobre a cidade. Ela precisa se ocupar e arruma as prateleiras da livraria e a mesa dele, sendo observada com cuidado. Apesar de ostentar um mau humor crônico, Georges tem um bom coração, que ele esconde bem.
A diretora Elise Girard é também a co-roteirista desse seu segundo filme, que tem um charme especial. Além de ter como estrela a filha de Isabelle Huppert, Lolita Chammah, que faz Mavie (em francês, o nome soa como “minha vida”), a moça do interior que vem para Paris “para respirar”, tem também o pai dela, Ronald Chammah, numa ponta brevíssima.
Mas o grande trunfo é Jean Sorel, 84 anos, como o livreiro Georges, depois de dez anos longe do cinema. Ele, o galã francês de primeira linha, de “Vagas Estrelas da Ursa” de Luchino Visconti e o marido de Catherine Deneuve em “A Bela da Tarde” de Luis Bunuel, faz a grande diferença no filme. Seu personagem misterioso e que ironiza a vida e o amor, vai retirar-se de cena para que Mavie possa ter o romance que ele já não pode dar a ela. O dele é um amor platônico e paternal que comove e que vai fazer Mavie chorar dentro do cinema e atrair um lenço de um rapaz (Pascal Cervo), também misterioso, à sua maneira.
Tão simples e tão sofisticado.


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Legítimo Rei



“Legítimo Rei “, “Outlaw King”, Reino Unido, Estados Unidos, 2018
Direção: David Mackenzie

A bela Escócia das “Highlands”, as montanhas verdes no verão, com riachos e arco-íris depois da chuva, é o cenário desse filme que conta a história de Primeira Guerra pela Independência, no século XIV.
Tudo começa com uma derrota.
Robert de Bruce (Chris Pine) e os lordes da Escócia se rendem ao Rei Eduardo I da Inglaterra (Stephen Dillane), a contragosto. Era a única saída. O exército inglês era poderoso, com muitos soldados bem armados enquanto que o escocês era quase inexistente.
Robert de Bruce volta às suas terras. Ele, viúvo, casa-se com Elizabeth de Bursh (Florence Pugh, ótima atriz) que se mostra à altura do que era esperado dela, muito mais jovem do que o marido. Alinhou-se ao lado de Robert e ajudou a criar sua filha (Rebbeca Rubin). Será a Rainha da Escócia depois de muitas provações.
São momentos românticos e leves num castelo austero e sem luxos mas mostrando um par em sintonia amorosa.
Um breve hiato, pois quando o mártir da Independência,  William Wallace, é morto e esquartejado pelos ingleses e tem seu corpo, em pedaços, espalhado pelas aldeias da Escócia para amedrontar o povo e seus líderes, acontece o que não se esperava. Há uma revolta enorme.
Isso vai fazer com que Robert de Bruce possa unir os clãs para lutar pela liberdade e tornar-se o Rei dos Scots, Robert I.
Mesmo que para isso tenha que haver um assassinato, cometido pelo próprio aspirante a rei.
O forte do filme de David Mackenzie, além das excelentes interpretações, está nos campos de batalhas. A força e a fúria dos homens que dão sua vida por essa causa, impressiona. Homens a pé enfrentam a cavalaria inglesa, ensanguentados e enlameados, valentes no corpo a corpo, numa luta feroz com punhos, espadas, facas e lanças.
O Rei está ao lado de seus soldados, lutando com eles. Exclama:
“- Eu sou o Rei dos escoceses e não Rei dessas terras.”
Não o movia a ambição de riquezas mas o ideal de liberdade, de um povo que queria comandar o seu destino, governado por um igual a eles. Estavam fartos de ter que pagar impostos aos ingleses.
Quem assistiu ao famoso “Coração Valente” de Mel Gibson, aqui verá uma outra história, a verdadeira, historicamente falando, do Rei Robert I, que encarnou um ideal que até hoje empolga boa parte do povo escocês, a liberdade de seu país, ainda unido à Inglaterra.


quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Museu




“Museu”- “Museo”, México, 2018
Direção: Alonzo Ruizpalacios

Um roubo deixa o México estarrecido. Levaram 140 peças da cultura Maia que estavam expostas no Museu Arqueológico da Cidade do México, na véspera de Natal de 1985. Quem terá tido essa audácia, perguntam-se os mexicanos. Certamente criminosos internacionais especializados em roubos de arte.
Nós, na plateia, sabemos quem foi e estamos surpresos de como aqueles dois amigos, estudantes de veterinária, Juan (Gael Garcia Bernal, ótimo) e Benjamin Wilson (Leonardo Ortizagris), conseguiram tal feito, com tanta facilidade.
O narrador, que é o cúmplice de Juan, comenta no começo do filme que o amigo sempre dizia que não acreditava no que lia nos livros de História. Como saber se aquilo que está contado lá é verdade? Porque só a pessoa que viveu aquele fato é que poderia saber. E às vezes, nem mesmo essa pessoa sabe, acrescenta o narrador.
E, como somos avisados que o que vamos ver no filme “Museu” é uma réplica da história original, entendemos que o centro principal aqui não é o roubo mas as motivações dos jovens que o cometeram e suas consequências.
Os dois moravam em Cidade Satélite, subúrbio de Cidade do México, ambos de classe média, vivendo ainda com a família. Benjamin tinha que cuidar do pai, doente terminal. E Juan era de uma família grande com pai e mãe, tios e tias e irmãs mais velhas, casadas e com filhos. Não era levado em consideração por ninguém na família. Era um tipo perdido que não conseguia terminar sua tese da faculdade para receber o diploma. Não se esperava nada dele.
Talvez então fizeram o que fizeram para ser alguém? Ou era só o dinheiro que esperavam conseguir com a venda das peças o que mais importava? Não sabemos. Uma coisa é certa. O cérebro do roubo era Juan. Benjamin seguia o amigo.
Os dois davam a impressão de não pensar no que iria acontecer depois do roubo. Aliás, são cenas belíssimas, filmadas em total silêncio, no museu às escuras, iluminado apenas com as lanternas da dupla.
Duas cenas somente fazem pensar em algo como remorso ou culpa na mente de Juan: a alucinação com o rei Pacal bloqueando o caminho da fuga do museu e um sonho com o pai em silêncio olhando sério para ele.
Mas os dois vão ter que cair na real. Quem no mundo seria tolo o bastante para comprar o tesouro que haviam roubado? Eram peças extraordinárias, históricas, de preço incalculável. E mais: todo o México procurava as peças roubadas. O que estava enrolado em camisetas nas mochilas deles era ao mesmo tempo um tesouro precioso e invendável.
Irônico e infeliz plano na cabeça de jovens que não sabiam que a cultura vale mais que o dinheiro.
O roteiro de Alonso Ruizpalacios, o diretor e Manuel Alcalá ganhou o Urso de Prata de melhor roteiro no Festival de Berlim 2018.