segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Jackie


“Jackie”- Idem, Estados Unidos, 2016
Direção: Pablo Larraín

Quem era pelo menos adolescente naquele 22 de novembro de 1963, vai se lembrar onde estava e o que fazia quando a notícia chegou. John F. Kennedy, presidente dos Estados Unidos, tinha sido assassinado em Dallas. As imagens repetidas incansavelmente nas TVs, ficaram na nossa memória.
Pablo Larraín, o talentoso diretor chileno que assinou “No”, “O Clube”, “Neruda”, escolheu como assunto de seu primeiro filme em inglês a figura mítica e complexa de  Jacqueline Bouvier Kennedy (1929-1994).
Mas claro que ninguém que viu seus filmes anteriores espera uma biografia cronológica. Larraín vai trazer para a tela muitas Jackies, em diferentes momentos de sua vida como mulher do presidente John Kennedy.
A primeira é entrevistada em Hyannis Port, uma semana depois do assassinato, para a revista “Life”. O ator Billy Crudup faz o jornalista e historiador Theodore H. White que ficou horas a fio com Jackie.
Ele quer que ela conte sua própria versão dos fatos mas não vai ser fácil como ele pode ter pensado. É Jackie quem vai conduzir a entrevista para onde ela quer e vamos vê-la proibir que várias passagens do que ela disse sejam escritas. Ou que ele sequer cite que ela fuma.
Vislumbramos a força e a autoridade que habitam aquela mulher, aparentemente frágil. A Jackie privada está na tela como nunca a vimos.
E as primeiras imagens da famosa visita à Casa Branca, conduzida por Jackie e televisionada pela CBS em 1962 aparecem em preto e branco. Aos que a criticavam por gastar dinheiro do governo com tecidos e decoração, ela mostra o cuidado com que os espaços públicos, abertos à visitação, foram restaurados com móveis de época, encontrados por “experts”.
O ponto alto é o quarto de Lincoln, ornado com a cama original do famoso presidente e os retratos a óleo dele e de sua mulher.
Larraín conta que colocou, entre as imagens que recriaram a Casa Branca, passagens do documentário original. São quase indistinguíveis.
E começamos a admirar a interpretação mediúnica de Natalie Portman, que recriou a voz, o porte e o jeito meio longínquo mas afável da primeira dama.
Há toques estratégicos como a amiga e assistente de Jackie, Nancy Tuckerman, interpretada por Greta Gerwig que gesticula atrás das câmeras da TV, pedindo que Jackie sorria.
Assim, Larraín mostra e recria a Jackie das imagens que todo mundo viu mas, numa demonstração de seu gênio e da criatividade do roteirista que ele escolheu, Noah Oppenheim, prêmio de roteiro no Festival de Veneza, mostra também imagens que nunca ninguém viu, mas que parecem ser as verdadeiras.
Emociona e angustia ver Jackie lavando o rosto para tirar o sangue do marido de seu rosto e cabelos, no mesmo banheiro do AirForce1 que a trouxera impecável e linda em seu tailleur Chanel rosa, debruado de azul marinho, colocando o chapéu “pillbox” que ela usaria durante o evento em Dallas.
Além dessas, há a Jackie de vestido longo de seda verde aplaudindo Pablo Casals num concerto na Casa Branca.  A que dança alegre e romântica com o marido no vermelho black-tie. A mãe que tem que dar a notícia trágica aos filhos. A que se apoia no cunhado Bob (Peter Sarsgaard). A viúva que conversa com o padre (John Hurt) sobre a dificuldade das lembranças boas não se misturarem com as terríveis. E aquela que, contra tudo e todos, faz da cerimonia fúnebre do presidente, algo majestoso e triste, sem ter tempo para chorar o luto.
Finalmente, a imagem íntima de Jackie, já viúva, insone, de camisola, colocando na vitrola o disco de “Camelot”, cantado por Richard Burton, de que o marido tanto gostava.
Natalie Portman mostra talento e sensibilidade ao incarnar  um mito, sem medo de errar. Ela está magnífica.

Pablo Larraín consegue conquistar mais uma vitória para a sua carreira de sucesso. Também sem medo de errar ao mostrar o avesso imaginário, mas tão verdadeiro, em sua recriação  de uma lenda do século XX.

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