“Jackie”- Idem, Estados Unidos, 2016
Direção: Pablo Larraín
Quem era pelo menos adolescente naquele 22 de
novembro de 1963, vai se lembrar onde estava e o que fazia quando a notícia
chegou. John F. Kennedy, presidente dos Estados Unidos, tinha sido assassinado
em Dallas. As imagens repetidas incansavelmente nas TVs, ficaram na nossa
memória.
Pablo Larraín, o talentoso diretor chileno que
assinou “No”, “O Clube”, “Neruda”, escolheu como assunto de seu primeiro filme
em inglês a figura mítica e complexa de
Jacqueline Bouvier Kennedy (1929-1994).
Mas claro que ninguém que viu seus filmes
anteriores espera uma biografia cronológica. Larraín vai trazer para a tela
muitas Jackies, em diferentes momentos de sua vida como mulher do presidente
John Kennedy.
A primeira é entrevistada em Hyannis Port, uma
semana depois do assassinato, para a revista “Life”. O ator Billy Crudup faz o
jornalista e historiador Theodore H. White que ficou horas a fio com
Jackie.
Ele quer que ela conte sua própria versão dos
fatos mas não vai ser fácil como ele pode ter pensado. É Jackie quem vai
conduzir a entrevista para onde ela quer e vamos vê-la proibir que várias
passagens do que ela disse sejam escritas. Ou que ele sequer cite que ela
fuma.
Vislumbramos a força e a autoridade que habitam
aquela mulher, aparentemente frágil. A Jackie privada está na tela como nunca a
vimos.
E as primeiras imagens da famosa visita à Casa
Branca, conduzida por Jackie e televisionada pela CBS em 1962 aparecem em preto
e branco. Aos que a criticavam por gastar dinheiro do governo com tecidos e
decoração, ela mostra o cuidado com que os espaços públicos, abertos à
visitação, foram restaurados com móveis de época, encontrados por
“experts”.
O ponto alto é o quarto de Lincoln, ornado com
a cama original do famoso presidente e os retratos a óleo dele e de sua
mulher.
Larraín conta que colocou, entre as imagens que
recriaram a Casa Branca, passagens do documentário original. São quase
indistinguíveis.
E começamos a admirar a interpretação mediúnica
de Natalie Portman, que recriou a voz, o porte e o jeito meio longínquo mas
afável da primeira dama.
Há toques estratégicos como a amiga e
assistente de Jackie, Nancy Tuckerman, interpretada por Greta Gerwig que
gesticula atrás das câmeras da TV, pedindo que Jackie sorria.
Assim, Larraín mostra e recria a Jackie das
imagens que todo mundo viu mas, numa demonstração de seu gênio e da criatividade
do roteirista que ele escolheu, Noah Oppenheim, prêmio de roteiro no Festival de
Veneza, mostra também imagens que nunca ninguém viu, mas que parecem ser as
verdadeiras.
Emociona e angustia ver Jackie lavando o rosto
para tirar o sangue do marido de seu rosto e cabelos, no mesmo banheiro do
AirForce1 que a trouxera impecável e linda em seu tailleur Chanel rosa, debruado
de azul marinho, colocando o chapéu “pillbox” que ela usaria durante o evento em
Dallas.
Além dessas, há a Jackie de vestido longo de
seda verde aplaudindo Pablo Casals num concerto na Casa Branca. A que dança alegre e romântica com o marido no
vermelho black-tie. A mãe que tem que dar a notícia trágica aos filhos. A que se
apoia no cunhado Bob (Peter Sarsgaard). A viúva que conversa com o padre (John
Hurt) sobre a dificuldade das lembranças boas não se misturarem com as
terríveis. E aquela que, contra tudo e todos, faz da cerimonia fúnebre do
presidente, algo majestoso e triste, sem ter tempo para chorar o
luto.
Finalmente, a imagem íntima de Jackie, já
viúva, insone, de camisola, colocando na vitrola o disco de “Camelot”, cantado
por Richard Burton, de que o marido tanto gostava.
Natalie Portman mostra talento e sensibilidade
ao incarnar um mito, sem medo de errar.
Ela está magnífica.
Pablo Larraín consegue conquistar mais uma
vitória para a sua carreira de sucesso. Também sem medo de errar ao mostrar o
avesso imaginário, mas tão verdadeiro, em sua recriação de uma lenda do século XX.
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