“A Espera” - “L’Attesa”, Itália, França,
2015
Direção: Piero Messina
As primeiras imagens lembram a morte de Cristo,
as dores de sua mãe, o luto que impera na Semana Santa na Sicília, onde a
religião é severa, antiga e ligada a ritos pagãos.
Mas existe um outro morto. Pessoas enlutadas
cumprimentam a mulher de preto, com o rosto devastado pela dor. Depois, a câmara
mostra apenas seus pés ao lado do caixão. Intuímos que ela perdeu alguém muito
querido. A igreja, quase vazia, tem dimensões que fazem os seres humanos
presentes pequenos demais.
Na casa siciliana há um sino calado e o vento
arrasta um colchonete vermelho. Imagem que denuncia algo inevitável: as forças
da natureza. Vida e morte.
A personagem de Juliette Binoche, deitada
vestida na cama no quarto na obscuridade, tem os olhos abertos e vazios. Sua
imobilidade e solidão falam de sentimentos que paralisam.
Quando toca o telefone e Anna (Juliette
Binoche, soberba) vai atender, algo se passa com ela. Uma luz a ilumina. Ao
invés de contar tudo para Jeanne (Lou de Laâge, bela e sensual), a namorada que
vem visitar seu filho Giuseppe e não sabe o que aconteceu, Anna diz que o filho
não está mas convida a moça para vir vê-la:
“- Estarei esperando.”
E, no aeroporto, as imagens dos passageiros em
silhueta contra o vulcão enorme atrás da parede de vidro, os objetos vistos em
transparência pelo raio X da alfândega, tudo remete ao que se esconde, ao que
não é visto mas está ali presente.
Por que Anna não conta a verdade para Jeanne?
Por que espera?
Anna estava vazia, sem vida. A morte inesperada
do filho querido num acidente deixou-a sem reação. Seus sentimentos são de
incompreensão, raiva, abandono, injustiça.
A aparição inesperada de Jeanne traz a
esperança de manter o filho vivo mais um pouco. Precisa compartilhar as memórias
do que a moça viveu com ele.
Há maldade em Anna? Talvez. Ela se pergunta:
por que Giuseppe morreu e Jeanne está viva? E a moça chega radiante de
juventude, beleza e pressa para encontrar Giuseppe. Quer agradar Anna que é a
mãe do seu amor.
E fica no ar a dúvida. Jeanne é muito ingênua e
não compreende o que se passa? Ou é outra que também escolheu a
negação?
Jeanne deixa mensagens no celular do namorado
mas não tem respostas. Mal sabe ela que o telefone está com Anna que escuta
tudo.
O empregado Pietro (Giorgio Colangeli) é para
Anna a lembrança da verdade, do que deveria ser dito, da saudável aceitação da
morte e do luto.
Mas ela prefere a negação. E traz à vida,
fantasmas.
A ela só resta a solidão e talvez a
loucura.
O diretor Piero Messina, 35 anos, que foi
assistente de Paolo Sorrentino em “A Grande Beleza”, em seu primeiro longa nos
deslumbra com o apuro visual de “A Espera”.
É um filme que grita a ausência, a falta, a
perda, através de uma interpretação magnífica de Juliette Binoche, que sempre
escolhe com muita seriedade os filmes que faz.
Ela e a casa vazia, as palavras que não
consegue dizer, a ambiguidade de seu comportamento, são uma aula sobre o luto.
Humano penar. Insanidade passageira que pode se tornar uma melancolia
doentia.
“A Espera” é um filme quase assustador porque
mergulha fundo na alma humana. Imperdível para quem gosta de beleza e
mistério.
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