“Uma Relação Delicada”- “Abus de
Faiblesse”
Direção: Catherine Breillat
No meio da noite, ela acorda para um pesadelo. Metade de
seu corpo morreu...
Mulher forte e cheia de vida, morando sózinha, ela se
arrasta até o telefone e pede uma ambulância.
Muito depois, imóvel em sua cama de hospital, ela
rememora:
“- Não me lembro de nada, nem do quarto de recuperação.
Tive uma grande hemorragia cerebral mas não me lembro de quem me disse isso...
Nada vai ser igual de novo.”
Maud (Isabelle Huppert), atriz e diretora de cinema,
luta com todas as suas forças mas a recuperação é muito lenta e nunca será
total.
Esforça-se para reaprender a rir, equilibrar-se, a fazer
as coisas mais simples. O rosto semi-paralisado expressa sofrimento e
determinação.
“- É o naufrafágio do Titanic...” diz ela para o amigo
que volta de Cannes e espera que ela melhore.
Mas da cama ela passa para a cadeira de rodas e depois
para a muleta e sapatos ortopédicos, que ela mesma disfarça, desenhando uma bota
de roqueira.
E, numa noite em casa, lá está ele na TV. Ela liga para
o amigo e comenta sobre o rapaz que está sendo
entrevistado:
“- Ele é legal! Olha esse
olhar!”
Na TV, um homem jovem, de cabelo curto e corpo forte,
conta:
“- Eu roubei 135 milhões de dólares...Fraudei gente mais
rica do que eu. Mas paguei minha dívida. Fiquei preso doze
anos.”
Ela exclama:
“- Adoro! Ele não se arrepende! Eu quero ele no meu
filme.”
Mas quando Vilko (Kool Shen) vem vê-la e, desenvolto,
anda pelo apartamento e sobe nas estantes da biblioteca sem pedir licença,
avaliando tudo com olhos de cobiça, um mau pressentimento atinge o espectador.
Vai haver encrenca e sofrimento.
A diretora do filme, Catherine Breillat, viveu algo
parecido com o que se vê na tela. Teve um AVC e se envolveu com um escroque,
Christophe Rocancourt, que ela conseguiu levar aos tribunais. Ele foi condenado
à prisão e teve que pagar a ela uma indenização de 578.000 euros, por abuso de
fragilidade.
“- Era eu e não era eu”, diz a personagem do filme aos
filhos, tentando explicar como se deixou explorar e arruinar, numa cena onde
brilha o talento de Isabelle Huppert.
A fragilidade do corpo leva a uma fragilidade da mente?
Esta parece ser a hipótese que explicaria o comportamento de Maud, antes uma
mulher forte e decidida e, depois do AVC, entregue à sanha de um homem sem
escrúpulos.
Ela sente culpa pelo que aconteceu a seu corpo e,
inconscientemente, deixa-se castigar? Um masoquismo pode estar jogando o destino
dela numa direção sombria.
Mas a diretora que escreveu o livro, que inspirou o
filme, não explica a personagem tão parecida com ela e interpretada com devoção
pela amiga Isabelle Huppert, uma atriz assustadora, que convence a plateia da
verdade da sua Maud.
Um filme único, que fala da fragilidade insuspeita em
todos nós.
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