Direção: Karim Ainouz
Um clima viril, no visual e na sonoridade, abre “Praia
do Futuro”, último filme de Karim Ainouz, 48 anos, que já assinou entre outros,
"Abismo Prateado"2011, “Cinema, Aspirinas e Urubús”2005, do qual escreveu o roteiro, “Madame
Satã”2002.
Guitarras gritantes combinam-se com o rumor de motos nas
dunas, abafando qualquer outro som.
O mar azul, com ondas que rolam arrastando espuma
branca, não diz nada a respeito do perigo traiçoeiro que alí
reside.
Os motoqueiros tiram suas roupas pesadas e entregam-se à
água que convida. Mas logo se debatem, presos à correnteza que puxa para o
fundo.
Por mais que o salva-vidas procure e mergulhe, perdeu um
homem para o mar.
“O Abraço do Afogado” é o título do primeiro capítulo
desse filme, que aparece em amarelo na tela vermelha e que intriga, não responde
a todas as nossas perguntas e incomoda.
Wagner Moura é Donato, o “Aquaman” para o irmão menor
Ayrton, que o adora. O menino vê o mundo com olhos para super-herois. Ele tem
medo de água e se acha o “Speed Racer”.
“- O que deu no cara para vir morrer na praia do
Futuro?” pergunta Donato a si mesmo. É o primeiro que ele não consegue
salvar.
E, quando dá a notícia para o amigo do motoqueiro
afogado, percebe que os olhos do alemão são verdes como o
mar.
“- A Praia do Futuro é muito perigosa” diz Donato
acompanhando o outro nas buscas do corpo, sem sucesso.
E, sem lutar, Donato entrega-se ao amigo do morto,
levado pelo desejo e pela dor do fracasso. Nos braços do alemão Konrad (Clemens
Schick), o “Motoqueiro Fantasma”, ele tenta esquecer sua impotência perante a
morte, quer refazer o heroi invencível que o irmão criara e fugir do desconforto
que a vida causava nele.
Donato muda de cenário, abandona a família e vai
refugiar-se em Berlim para poder ser quem ele descobriu que
é.
Há uma única frase que dá a pista do que acontece com
Donato. Ele se move por medo. E explica:
“- Tem dois tipos de medo. Um que finge que nada é
perigoso e outro que sabe que tudo é perigoso nesse mar
imenso.”
E, na segunda parte do filme, “Um Heroi Partido ao
Meio”, em Berlim, cidade sem mar, cinzenta, subterrânea, ele dança de noite e
trabalha num aquário gigantesco durante o dia. Solitário, deixa crescer barba e
cabelo. Parece satisfeito, fechado em seu mundo.
“Um Fantasma que Fala Alemão” é a terceira e última
parte do filme, dez anos depois que Donato partira de
Fortaleza:
“- Sentiu a minha falta? Você esqueceu de mim? Foi?”,
fala o irmão de Donato (maravilhoso Jesuíta Barbosa) em alemão, surgido do nada,
se atracando com ele. Misturam-se os irmãos, entre socos, abraços e
lembranças.
“Praia do Futuro” é um filme de belas imagens,
fotografia que convida à contemplação, atores excelentes, poucos diálogos, ótima
trilha sonora e nada de explicações psicológicas. Instiga o espectador a fazer
esse trabalho, conduzido por gestos e olhares que estão na
tela.
Aqui, é necessária uma leitura dos corpos e um abandono
de preconceitos, para poder usufruir do que há de sincero e natural na vida dos
personagens de “Praia do Futuro”, metáfora para o mundo perigoso em que
habitamos.
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