“O Terceiro
Assassinato”- “Sandome No Satsujin”, Japão, 2017
Direção:
Hirokasu Kore- Eda
A cena abre
com dois homens andando na noite num campo deserto, à beira de um rio. De
repente, um deles ataca o outro com golpes na cabeça. Depois, joga gasolina no
corpo e põe fogo. Essa cena vai aparecer outras vezes durante o filme,
inclusive com um outro autor.
Mas Misumi
(o extraordinário ator Yakusho Koji) confessa o crime. Matou o patrão, dono da
fábrica onde trabalhara e fora demitido. Acontece que esse é o terceiro
assassinato que o homem assume. Já tinha cumprido 30 anos de prisão por causa
da morte de dois agiotas.
No Japão, a
pena de morte é aplicada, apesar do protesto popular. Talvez o grande cineasta
Kore-Eda, 56 anos, famoso por seus filmes sobre a família (“Pais e Filhos”2013,
“Nossa Irmã mais Nova”2014), mudou de assunto em “O Terceiro Assassinato” para
ajudar o clamor contra a pena de morte.
No filme, o
advogado de defesa, jovem, filho de um juiz aposentado que julgara o mesmo réu
nos crimes anteriores e o livrara da pena capital, Shigemori (Fukuyama
Masaharu), foca sua estratégia de atuação em entrevistas com pessoas que
conheceram a vítima e o réu, para poder livrá-lo da pena de morte e
transformá-la em prisão perpétua.
Acontece que
o réu, Misumi, surpreendentemente, muda sua versão dos fatos a cada entrevista
que tem com o advogado no parlatório da prisão, que separa os dois homens por
um vidro. Às vezes, os rostos se sobrepõem, o que aproxima os dois homens,
aparentemente tão distantes.
Mas por que
Misumi altera suas versões sobre o que acontecera? Ninguém sabe. Só ele. O fato
é que somente sua própria confissão o condena, já que não há testemunhas do
crime. E se ele muda constantemente a história, como defendê-lo?
O filme é
longo, com muitas falas. Entramos num labirinto de depoimentos que aponta cada
um para um lado diferente. Mas o advogado de defesa decide levar adiante essas
conversas, apesar de sua estratégia inicial não ter nada a ver com conhecer a
verdade, mas sim com o objetivo de livrar Misumi da morte certa.
Kore-Eda
volta a seu tema preferido, a família, para orientar as investigações do
advogado. Assim, ele vai até a casa da viúva da vítima, que ainda não recebeu o
seguro pela morte do marido. Ali fica conhecendo a filha do industrial morto,
Sakie (Hirose Suzu, de “Nossa Irmã mais Nova”) e descobre que, estranhamente,
ela conhece bem o réu.
Visita
também a proprietária da casa que Misumi alugava e fica sabendo de mais coisas
sobre ele. Os operários que trabalhavam com Misumi na fábrica também são
ouvidos.
Enquanto
isso, o juiz, pai do advogado de defesa que livrara Misumi da pena de morte no
passado, muda de opinião e acha que ele merecia a pena naquela época, o que
teria evitado o terceiro assassinato.
Ou seja, a
verdade se esconde e cada depoimento aumenta a desconfiança do advogado de que
o réu é inocente. Mas ele parece não se importar com sua própria sorte. Será
que ele está confundindo a justiça para encobrir outra pessoa?
O filme é
humanista e se interessa mais pelas pessoas do que com a verdade, sempre
relativa. Assim, acusa a justiça dos tribunais de não se importar com o destino
dos réus, levanta a cortina que esconde relações familiares incestuosas,
denuncia práticas comerciais indecorosas e interesses financeiros escusos.
Um filme
para poucos. Requer muita atenção nos diálogos. Interessará aqueles que gostam
de percorrer os labirintos da mente humana e que se fazem a pergunta: temos o
direito de julgar os outros?
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