sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Corpo e Alma


“Corpo e Alma”- “On Body and Soul”, Hungria, 2017
Direção: Ildikó Enyadi

Na floresta branca com a neve que cai, o veado com um grande galho, seguido por uma fêmea, procura alimento. Estão próximos e serenos mas algo faz com que haja receio. Caçadores espreitam?
Mas a cena muda.
A morte é certa para aqueles outros animais que esperam com paciência e medo. O matadouro é um lugar terrível para pessoas sensíveis.  Mesmo com os olhos fechados para não ver o instante final, penso na generosidade daquela entrega. Viveram e vão morrer para alimentar a espécie humana.
Quem consegue trabalhar num tal lugar? Há mugidos roucos, barulhos pesados, luz branca e muito sangue correndo para o ralo.
Endre, uns 60 anos, o diretor financeiro do matadouro (Marc sányi Géza) não parece ser insensível à morte do gado. Mas aceita a situação como algo que não dá para evitar. Como o seu braço esquerdo que pende inerte, paralisado.
Quando Maria (Alexandra Burbély) vem trabalhar como a controladora de qualidade da carne, há reclamações de que ela está sendo injusta em suas análises.
Ela é etérea, jovem, fala pouco, rígida, responde apenas o necessário à pergunta de Endre (“são as normas”) mas algo que não é falado começa a acontecer.
Endre interroga um novato:
“- Você tem pena dos animais?”
E ao que o outro responde que não, avisa que seria melhor demitir-se. A falta de empatia pode levar a uma depressão, diz ele, levemente ameaçador.
Sándor (Revin Nagy) parece surpreso com o que fala Endre e pressente que o diretor não gosta dele.
Mas não é a intenção de Endre ser agressivo. Sente que o outro é um macho alfa e isso faz lembrar que ele fechou-se para as mulheres. Decepções amorosas o feriram. Evita, portanto, o assunto. Ou pensa que sim. Mas Maria faz aparecer ciúmes em Endre, aquele homem aparentemente frio e fechado.
Sentado no refeitório da empresa vê Maria passar.
Aqueles dois tem em comum a reserva, o receio de aproximação, a aceitação da vida sem grandes emoções, a solidão.
Mas, inesperadamente, tudo vai começar a mudar, quando uma psicóloga, chamada por causa de um roubo, interroga os empregados do matadouro.
Endre e Maria vão ficar sabendo sobre algo extravagante e inesperado.Compartilham de noite o sonho dos veados na floresta. Os impulsos animais e primitivos de acasalamento irrompem com força naqueles dois seres, até então protegidos por muros invisíveis na vida acordada. Agora são os sonhos que os conduzem.
A diretora e roteirista Ildikó Enyedi, 62 anos, ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 1989 por seu filme “My Twentieh Century – Meu Século XX” mas depois teve que enfrentar dificuldades para filmar porque o Instituto de Cinema da Hungria acabou. Levou quase 10 anos para finalizar “Corpo e Alma”.
No Festival de Berlim desse ano, a diretora foi recompensada: Urso de Ouro, prêmio da crítica internacional e prêmio do júri ecumênico.
Unanimidade para “Corpo e Alma”, delicadeza, poesia e compaixão pela humanidade.
O filme vai representar a Hungria no Oscar 2018.



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